domingo, 22 de agosto de 2021

llan Pappé

https://www.viomundo.com.br/politica/ilan-pappe-as-perspectivas-de-solucao-para-o-conflito-israel-palestina.html Ilan Pappé observou como é enganosa a ideia propalada por certos círculos da “esquerda” europeia de que entre os sionistas israelenses há forças democráticas de esquerda que estariam interessadas em chegar a uma solução justa com os palestinos. Ilan Pappé deixou patente que não há diferenças significativas no comportamento colonialista e racista tanto da direita como da “esquerda” sionistas. Ambas correntes compartilham igualmente o objetivo e o desejo de livrar-se da presença do povo palestino nativo. A única grande diferença está em que a “esquerda” sabe manipular as palavras muito mais habilmente que seus pares direitistas. Daí que, para os que lutam realmente para o fim do colonialismo naquela região, esta “esquerda” seja até mais perigosa do que a direita aberta e declarada, uma vez que, com seu palavreado ardiloso, ela consegue neutralizar boa parte da intelectualidade europeia, que parece contentar-se tão somente com palavras de efeito, independentemente da realidade sobre o terreno. Para Pappé, a luta contra o colonialismo e o racismo na Palestina exige que o combate seja feito primeira e abertamente contra a ideologia que o impulsa, sustenta e ampara, ou seja, contra o sionismo. Sem a derrota ideológica do sionismo não há perspectivas de paz e justiça na Palestina. Como Pappé tratou de várias questões de fundamental importância (em minha opinião) para o desenvolvimento do trabalho de solidariedade com a luta anticolonialista do povo palestino, resolvi traduzir e legendar a memorável palestra de 2010. Dividi-a em quatro partes, que compartilho com vocês, leitores do Viomundo.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Enchente

ENCHENTE Jorge de Lima (1932) _Por que as jandaias e os periquitos estão gritando como os meninos do Grupo, na hora de vadiar? _É uma cabeça de enchente que veio ontem de tarde. E o rio deu pra falar grosso E bancar Zé-pabulagem: _ “Não duvide que eu levo a sua almofada de fazer renda, minha velha!” E o rio cresceu. Entrou na camarinha e lá se foi com a almofada da velha! _”Deus te favoreça, meu filho, você, ainda outro dia, era tão manso, lavava até os pratos de minha cozinha!” _“Não duvide, seu canoeiro Que eu emborco a sua canoa!” E rodou com o canoeiro e virou a canoa mesmo. E entrou nos fundos das casas e saiu nas portas da rua. Subiu no olho da ingazeira, tirou ingá e comeu. Pulou das pedras embaixo, espumando como um doido. Fez até medo às piabas, que correram pra os barreiros. Só os meninos estão satisfeitos: _”Deus permita que o rio encha mais!” _”Deus permita que o rio encha mais!” Quando o rio entrar na rua, as salas de visita serão banheiros. Eles deitarão barquinhos de cima das janelas, e a professora fechará a escola! _”Deus permita que o rio encha mais!” _”Deus permita que o rio encha mais!”

A Arte da Matemática

A arte da matemática “A matemática, vista corretamente, possui não apenas verdade, mas também suprema beleza - uma beleza fria e austera, como a da escultura.”. Esta afirmação feita por Bertrand Russell (1966) explicita muito bem uma ideia que muitos matemáticos acreditam: a grande beleza estética que a matemática possui ou que fazer matemática é fazer arte. Ao ouvirmos as palavras matemática e arte juntas rapidamente pensamos em áreas da matemática já popularmente consideradas belas ou em elementos da arte que possuem alguma base matemática, nestes casos os exemplos são diversos: a música ou obras de arte que utilizam da geometria para a criação de elementos harmônicos, temos também os fractais, a razão áurea, a sequencia e a espiral de Fibonnaci quando encontradas na natureza, entre muitos outros. É inegável a beleza estética que existem nestes elementos e também a complexidade matemática por trás deles, mas quando um matemático pensa na beleza da matemática não é disto que está pensando. A “suprema beleza” citada por Russell não vem destes elementos popularmente considerados belos mas sim na experiência e reação estéticas que podemos vivenciar quando nos deparamos com a matemática em sua forma mais pura. A questão da estética já foi abordada, ao longo dos anos, das mais diferentes formas. Para Platão é absurda a existência de “um todo privado de intelecto que fosse mais belo do que um todo com intelecto” (PLATÃO, 2011, p.98). Com isto, a beleza da matemática, para ele, é a maior de todas as belezas (ZEKI, ROMAYA, BENINCASA & ATIYAH, 2014). A psicologia abordou a estética de diversas formas, algumas se aproveitaram de teorias psicológicas já estabelecidas e apenas as moldaram para esta questão, como é a teoria da lei do menor esforço, em que na literatura, por exemplo, as obras mais belas serão aquelas que conseguirem exprimir o maior número de ideias com o menor número de palavras. Porém, desta forma teríamos que os teoremas e definições matemáticas seriam, inquestionavelmente, mais belos do que qualquer poema, conto ou romance. Um psicólogo muito conhecido, principalmente na área da educação, é o bielo-russo Lev Semienovich Vigotski que, apesar de suas obras mais conhecidas terem sido escritas na segunda década do século passado, possui abordagens sobre temas das áreas da psicologia e da educação extremamente contemporâneas, influenciando muitos pesquisadores e educadores atualmente. O pensamento de Vigotski possui muitas concepções que servem como base para a abordagem histórico-cultural da psicologia, assim suas obras mais conhecidas acabaram sendo aquelas em que ele elabora elementos para esta abordagem psicológica. Uma de suas obras pouco conhecidas é a Psicologia da Arte, escrita em 1925, seu primeiro trabalho a abordar a psicologia. Neste livro, o autor, ao estudar a reação estética, não apenas critica a lei do menor esforço. Para ele a reação estética parte, na verdade, da contradição de sentimentos e, em decorrência dela, a transformação de uma emoção em outra. “a lei da reação estética é uma só: encerra em si a emoção que se desenvolve em dois sentidos opostos e encontra sua destruição no ponto culminante, como uma espécie de curto-circuito.”(VIGOTSKI, 1998, p.270). Deste modo, as obras que nos suscitaram reações estéticas mais fortes serão aquelas que causaram o maior curto-circuito em nossas emoções. Mais do que uma criação humana capaz de nos suscitar emoções, Vigotski enxerga a arte como um meio de transformação humana, não apenas individualmente por meio de nossas emoções mas também de toda nossa sociedade. Vigotski acredita que através da arte podemos compreender melhor a condição humana e criamos a possibilidade de nos projetar para o futuro. Podemos compreender melhor estas ideias de Vigotski a partir da tese de doutorado de Patrícia Andréa Osandon Albarrán (2017), da Universidade de Brasília, onde a autora estuda o desenvolvimento de bailarinas com deficiência visual a partir da perspectiva histórico-cultural. Por esta perspectiva apesar de o aprendizado depender do desenvolvimento, o desenvolvimento também depende do aprendizado, ou seja, quanto mais o ser humano aprende mais ele se desenvolve e também quanto mais ele se desenvolve maior sua capacidade de aprendizagem. Desta forma, tornar-se uma bailarina não é algo restrito às pessoas com boa visão, mesmo pessoas com baixa ou nenhuma visão podem se tornar bailarinas, caso recebam estímulos que propiciem seu aprendizado e desenvolvimento. Nesta perspectiva e pelas palavras da autora podemos compreender a importância que a arte tem para Vigotski como forma de emancipação humana: “a arte emancipa o indivíduo de sua condição cotidiana por promover um tipo de experiência que muda qualitativamente os modos de percepção de expressão e representação. Por isso, a vida e a arte estão intrinsecamente relacionadas no processo de desenvolvimento humano.” (ALBARRÁN, 2017, p.45) Além de psicólogos, também temos muitos estudiosos e teóricos da arte que já abordaram a questão estética. Outra abordagem é a de PEREIRA(2011,p.115) que analisa que “qualquer coisa pode ser um objeto estético se estabelecemos ante ele uma atitude estética.” Apesar disto, estas experiências estéticas possuem diferentes valores, não de forma hierárquica mas de forma que uma possui uma natureza muito diferente da outra. “A experiência que podemos ter com uma peça de Bach, com uma música de Luis Gonzaga, com uma canção infantil, com o canto de um pássaro ou com o ruído de um trem não têm o mesmo valor. Sim, todas podem constituir-se experiências estéticas. Mas é inegável que há uma grande diferença de valor entre elas.”(PEREIRA, 2011, p.120) Uma relação simples entre números essenciais à matemática, como a relação de Euler, gera ao matemático uma experiência estética de igual, talvez até maior intensidade do que quando este se depara com uma música, escultura ou pintura. Além disto, a beleza da matemática não se resume a apenas a estas relações incontestavelmente belas por todas as pessoas que trabalham com matemática. Ao estudar, desenvolver e criar matemática é possível ter experiências estéticas com seus mais simples aspectos, seja com uma definição simples e clara, uma demonstração simples para um teorema complexo ou um teorema simples que não possui demonstração. “A beleza matemática está relacionada com a simplicidade das ideias e das demonstrações matemáticas, a sua inter-relação e as suas potencialidades de conexão com várias áreas da matemática, o seu carácter unificador, a sua maior generalidade, etc.” (OLIVEIRA, 2002, p.33) Pode ser que esta experiência estética venha da contradição de sentimentos que a matemática nos causa ao, por exemplo, nos surpreender quando um teorema encontrado em um caso particular é valido em casos gerais, como defende Vigotski, ou pode ser, como na abordagem de Pereira, que esta experiência existe porque temos uma atitude estética em relação à matemática. De qualquer forma, ela existe e é esta experiência estética, gerada por estes elementos, que causa toda paixão que uma pessoa tem pela matemática quando a compreende e sabe manipulá-la, é possível até mesmo um leigo em matemática encontrá-la com um pouco de ajuda. Voltando novamente a Vigotski, um importante conceito produzido por este é a zona de desenvolvimento proximal que todo aluno possui. Esta é uma região determinada pela distância entre o nível de conhecimento real e potencial do aluno. O nível de conhecimento real é definido por todos os problemas que o aluno consegue fazer só, o nível de conhecimento potencial é definido por aqueles problemas que o aluno consegue resolver apenas com a ajuda de colegas ou com orientações do professor. Dentro deste conceito, mesmo que um aluno não alcance esta percepção estética da matemática por si mesmo, é possível que o professor o conduza de forma que desenvolva seu conhecimento potencial, aumentando a zona de desenvolvimento proximal deste e assim o aluno perceba a experiência estética que pode ter com a matemática. Propostas para o ensino de matemática Ver a matemática como uma forma de arte transforma completamente nossa abordagem em relação não apenas a ela mesma, mas também em relação ao seu ensino. O ensino de matemática deixa de ser o ensino de uma técnica, método ou linguagem, para se tornar o ensino de uma arte. Ao ensinarmos matemática estamos ensinando a arte da matemática. É preciso que os alunos e professores tenham uma nova visão sobre o que é a matemática, os primeiros porque ao aprender matemática estão aprendendo uma forma de arte e o segundo porque este, além de professor é também um artista. Para que os alunos entendam que a matemática é uma arte é preciso que a vejam como arte. Um entendimento essencial para isto é que entendam e vejam a estética que existe na matemática, para isto não basta que o professor dê exemplos estéticos como a razão áurea e fractais, pois estes são exemplos pontuais da matemática e, como defendido anteriormente, não é esta a beleza da matemática que agrada a tantos e tantas profissionais. Também não é o suficiente que os alunos vejam uma relação ou uma demonstração esteticamente belas para entender a estética que existe na matemática, é preciso que entendam que ela está em todos os momentos de sua produção, para isto “a actividade investigativa dos alunos, em todas as suas vertentes e fases, deve ser apreciada esteticamente. A beleza matemática associada a uma intuição fecunda, a uma ideia inesperada, a uma boa estruturação lógica, etc., não deve ser subordinada a critérios utilitaristas de obtenção de resultados a todo o custo.” (OLIVEIRA, 2002, p.33) Com a compreensão da estética da matemática os próprios alunos poderão compreender melhor a matemática, por que uma determinada definição é mais aceita do que outras, por que determinadas demonstrações não são boas o suficiente e devem ser refeitas, por que determinado raciocínio não está bem formulado matematicamente. “A estética, ligada à perfeição das demonstrações, pode funcionar como um critério de eliminação de ideias matemáticas.” (OLIVEIRA, 2002, p.33) Além da compreensão da estética que há na matemática, há ainda outra mudança essencial no ensino de matemática, quando esta é vista como arte. Para se formar um bom e autêntico artista “não é o caso (deste) de dominar alguma fórmula nem de representar ou reproduzir fielmente um modelo.” (EUSSE, BRACHT & ALMEIDA, 2015, p.16). A obra de arte exige não apenas uma técnica bem aplicada, mas de criatividade, estética e até emoções como defendem muitos estudiosos de arte. Aparentemente então para se criar um bom matemático é preciso que os próprios alunos já tenham habilidades que estão além da capacidade de ensino do professor, mas apesar de que “ensinar o ato criador da arte é impossível, isto não significa, em absoluto, que o educador não pode contribuir para sua formação e manifestação.” (VIGOTSKI, 1998, p.325). A criatividade é uma competência, acreditada por muitos, como uma habilidade inata de cada indivíduo. Sujeitos criativos são aqueles que podem criar e imaginar coisas que a maioria das pessoas não são capazes, deixa de reproduzir algo que já existe para produzir algo nunca antes imaginado, como uma habilidade misteriosa, mas como VIGOTSKI (2009, p.20) afirma: “seria um milagre se a imaginação inventasse do nada ou tivesse outras fontes para suas criações que não a experiência anterior.”. Por isto podemos acreditar que “a imaginação sempre constrói de materiais hauridos da realidade. É verdade que […] a imaginação pode criar, cada vez mais, novos níveis de combinações, concertando, de início, os elementos primários da realidade. […] A atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade da experiência anterior da pessoa, porque essa experiência constitui o material com que se criam as construções da fantasia. Quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está disponível para a imaginação dela.” (VIGOTSKI, 2009, p.21-22) Então, diferente do que é acreditado pelo senso comum, a criatividade pode ser desenvolvida se for criado um espaço para tal. É possível então desenvolver indivíduos que sejam matematicamente criativos, mas para isto é preciso lhes fornecer elementos para que esta criatividade se desenvolva e para isto enriquecer sua experiência no campo matemático. “Quanto mais rica a experiência, mais rica deve ser também a imaginação. […] A conclusão pedagógica a que se pode chegar com base nisso consiste na afirmação da necessidade de ampliar a experiência da criança, caso se queira criar bases suficientemente sólidas para a sua atividade de criação.” (VIGOTSKI, 2009, p.22-23) A ampliação desta experiência não é algo tão simples. Não basta o professor mostrar métodos e percursos para se resolver problemas e pedir que estes o repitam em problemas parecidos, o aluno pode ser tornar um ótimo replicador, mas ainda ser incapaz de resolver um problema novo. Para Vigotski “a empatia seria uma forma de se ampliar o universo pessoal, por meio da arte, fenômeno a partir do qual o homem pode completar sua vida, incorporando experiências alheias.” (BROLEZZI, 2015, p.802). Brolezzi explica a empatia como a capacidade humana de se colocar na perspectiva do outro e assim conhecê-lo “incluindo suas ideias e sentimentos” (BROLEZZI, 2015, p.799). Neste entendimento, Brolezzi apresenta uma relação entre a empatia e a metodologia de resolução de problemas da matemática: “Nesta forma de trabalhar com problemas, os alunos são levados a discutir, a ouvir os outros, a entender diversas formas de pensar. Cria-se um ambiente de empatia, essencial na relação professor-aluno-conhecimento. O processo de entrar no lugar do outro, no sentido de vivenciar formas diferentes da própria maneira de pensar, parece ser bastante incentivado.” (BROLEZZI, 2015, p.806) Como exemplo para expressar estas ideias, tomaremos um dos problemas propostos por MALBA TAHAN no seu clássico O Homem que Calculava (2001, p.162-168). Após contar toda uma história sobre uma cela antiga de uma prisão em que, após um mago ter ficado encarcerado, foram encontradas todos os tipos de escrituras e entre elas havia também um problema matemático, Malba Tahan descreve o problema: Com 10 soldados, forme 5 fileiras com 4 soldados em cada uma. Um professor pode rapidamente apenas mostrar para os alunos que uma solução para este problema é uma estrela de cinco pontas, mas se deixado para os alunos resolverem por si mesmos, estes encontrarão diversos obstáculos que, a primeira vista, parecerá que o problema não possui solução, mas aos poucos, comparando entre si suas diferentes estratégias de resolução, encontrarão caminhos que propiciarão sua resolução, como perceber que as fileiras não podem ser paralelas entre si, que cada soldado deverá pertencer a pelo menos duas fileiras, entre outros, com os quais no fim poderão encontrar as soluções para o problema. Estes raciocínios lógico dificilmente poderão ser ensinados por um professor de forma expositiva, é apenas enfrentando os obstáculos de um problema que um aluno pode desenvolver estratégias para superá-los. Devido ao grande número de obstáculos que este problema possui, um aluno pode demorar muito tempo para conseguir resolvê-lo, mesmo trabalhando em grupos, não desanimar de solucioná-lo é algo que dependerá da importância que o próprio aluno vê em encontrar a solução. BROLEZZI (2015, p.807) também aponta que “o movimento da empatia, de colocar-se no lugar dos personagens e situações descritas, por meio do uso da imaginação, promove a criatividade.” Por isto, toda a história narrada por Malba Tahan antes de apresentar o problema é também de suma importância para a resolução deste. Mesmo que a história não seja real é ela quem aproxima o problema do aluno, estes com suas imaginações a vivenciam. É com a história que este problema deixa de ser um problema matemático abstrato. É a partir da história que Malba Tahan contextualiza o problema. Com estes entendimentos podemos afirmar que a resolução de problemas é uma metodologia essencial para a educação matemática. Propostas para a formação de professores Mesmo que a criatividade não seja uma habilidade própria do aluno e possa ser desenvolvida dentro da escola, analisamos que esta não pode se desenvolver sem que o aluno a queira. Um aluno que sente repulsa à matemática não irá se empenhar a resolver um problema sozinho provavelmente desistirá no primeiro obstáculo. Então é preciso que, para entender a matemática como forma de arte, o aluno tenha uma certa emoção positiva quando ouve falar nesta. A emoção se torna também elemento essencial no ensino e, novamente, esta parece estar além das capacidades do professor de desenvolvê-la. Não é possível obrigar a alguém gostar de matemática. Como analisa CURY(1994, p.26), “a influência das concepções e crenças sobre as práticas dos professores e sobre o desempenho dos alunos em Matemática parece ser aceita pela maior parte dos que pesquisaram o assunto”. Com isto, podemos acreditar que professores com atitudes negativas em relação à matemática, transmitirão estas atitudes à seus alunos (FARIA, 2006). Desta maneira, o aluno gostar ou não de matemática tem forte associação com a atitude que seus professores tinham em relação à ela. Assim, se torna fundamental a formação de professores que tenham atitudes positivas em relação à matemática. A matemática por mais bela que seja, ainda exige muito esforço e dedicação de quem quer que a estude. As diversas áreas desenvolvidas dentro dela que se desenvolveram nos últimos três séculos a tornaram extremamente complexa, seu aprendizado então se tornou algo que muitos acreditam ser apenas para pessoas demasiadamente estudiosas e geniosas. Por conta disto, há a crença de que a dificuldade no estudo da matemática é algo normal, disto segue uma dificultação desnecessária dentro muitos cursos dentro dos cursos de licenciatura em matemática. Há também a responsabilização do próprio aluno por todas as suas falhas, quase nunca se analisa se o professor não conseguiu ensinar algum conteúdo direito ou se as metodologias utilizadas nestes cursos não são adequadas. Estes, entre muitos outros, fatores dão ao aluno uma visão negativa de toda a matemática, esta se torna complexa demais para seu entendimento e um grande obstáculo para sua vida. FARIA, MORO e BRITO (2008), em um estudo analisaram que alunos do primeiro ano de licenciatura em matemática são o grupo que possui mais atitudes negativas em relação à matemática, comparados a outros três grupos: alunos do último ano de licenciatura em matemática, professores em atuação de um a 10 anos, e professores com mais de 10 anos de atuação. Preocupados que estas atitudes negativas possam não ser superadas ao longo da formação destes futuros professores e, com isto, podem ser transmitidas a seus futuros alunos, recomendam que “já no início do curso, (…) [deve-se] estimular o entusiasmo pela matemática e também o desejo de ensinar. (…) Deve haver uma preocupação com o modo como os professores universitários ensinam e como os estudantes de licenciatura aprendem.” (FARIA, MORO & BRITO, 2008, p.253) Uma atitude positiva do professor em relação à matemática pode não garantir que todos seus alunos também a compartilharão, mas influenciará muito como estes a reconhecem. Apenas um professor que enxerga a beleza da matemática poderá mostrar esta beleza a seus alunos e criar meios para que eles também a vislumbrem. Enxergar a matemática como uma forma de arte não é algo que compete apenas a professores do ensino básico, professores de cursos de formação de professores também precisam enxergá-la como tal e dedicar-se para que seus alunos também consigam ver a beleza que existe neste raciocínio humano. Conclusão A beleza da matemática vai muito além da espiral de Fibonacci, do número de ouro, de fractais ou de muitos outros elementos já considerados belos no campo da arte. Para um matemático é muito mais bela uma demonstração do Teorema de Pitágoras ou a relação de Euler. Apesar de ser difícil explicar de onde vem esta beleza estética da matemática pura e porque ela existe, qualquer pessoa que goste do estudo da matemática compreende muito bem esta característica tão inerente a ela. A questão da estética, que já foi abordada por muitos estudiosos ao longo da história da humanidade, continua sendo estudada até hoje por psicólogos e estudiosos da arte. Apesar de podermos ter uma experiência estética com qualquer objeto que encaramos com uma atitude estética, a estética da matemática vai mais além. A simplicidade com que resolvemos problemas complexos, a complexidade que possuem questões simples, o aparecimento inesperado de números conhecidos em sequências ou equações que nada tinham a ver com ele, entre muitos outros cenários da matemática, geram uma reação estética que poucas obras humanas ou elementos naturais alcançam, tornando o ato de se estudar e criar matemática uma verdadeira arte em si. A matemática como arte exige um ensino diferente daquele que teríamos se a olhássemos como apenas uma linguagem ou uma técnica usada para resolver problemas de nosso cotidiano. Perceber a estética da matemática se torna essencial para seu melhor ensino, alcançar isto não é simples para o professor. Aplicar fórmulas ou métodos prontos para resolver problemas análogos não gerará no aluno nenhuma reação estética, por outro lado, também não são apenas demonstrações de teoremas e a resolução de problemas complexos que podem suscitar esta reação. Um aluno poderá encontrar a beleza da matemática em sua própria intuição e na estruturação lógica de seu próprio pensamento, que pode ser incentivado pelo professor exigindo que este resolva problemas por conta própria, onde em vez de se utilizar de um método terá que estruturar sua própria resolução, utilizando e descartando hipóteses a partir de sua própria intuição. Quando o próprio aluno produz sua matemática este pode perceber a beleza que há nesta estrutura lógica. Além de servir como uma maneira de se desvendar a estética da matemática para os alunos, a resolução de problemas é uma ótima metodologia para estimular o desenvolvimento da criatividade destes. Vista por muitos como uma habilidade nata do indivíduo a criatividade, na verdade, é uma competência que só existe se estimulada e desenvolvida. Para Vigotski “a arte é o social em nós” (VIGOTSKI, 1998, p.315). A arte, além de nos emancipar como indivíduos, permitindo incorporarmos a sociedade através dela e, com isto, nos transformemos, a partir desta transformação, a arte também permite que transformemos nossa sociedade. Voltando à tese de ALBARRÁN (2017) sobre as bailarinas cegas e com baixa visão, a dança, que a princípio para estas bailarinas era apenas uma forma de recreação e divertimento, permitiu que estas se redescobrissem, percebendo a deficiência e a si mesmas de modo diferente. Todas chegaram a vivenciar, em grau maior ou menor, através da dança, como analisa a autora, o que Vigotski chamou de perejivanie, que a autora define como “um processo próprio da vida humana, e pode ser entendida como um acontecimento de forte carga emocional capaz de produzir mudanças profundas na vida de uma pessoa real.” (ALBARRÁN, 2017, p. 103). A deficiência deixou de ser uma limitadora das capacidades destas mulheres. A partir de aulas que respeitavam a deficiência e, com isto, transcorriam com uma metodologia diferente daquelas feitas para pessoas videntes, as bailarinas puderam se desenvolver plenamente, de tal forma que muitas tornaram-se bailarinas profissionais. Além das próprias bailarinas, a dança transforma também todos aqueles que as assistem. Em um dos relatos de uma das bailarinas, é citado que o público, ao assisti-las, observa a arte antes das deficiências. Festivais que antes se recusavam a deixá-las se apresentar por preconceito com suas deficiências, hoje possuem competições especificamente para esta categoria. Portanto, como a própria autora elabora percebemos que “as mudanças que marcam as vidas das bailarinas cegas ou com baixa visão transformam não apenas elas mesmas, mas toda uma sociedade ainda envolta em preconceitos.” (ALBARRÁN, 2017, p.171) Hoje, muitas pessoas, que possuem alguma deficiência ou não, deixam de aprender matemática por serem julgados, e se julgarem, como incapazes de entendê-la. Esta inaptidão não existe. O que ocorre é que, por causa da complexidade da matemática, poucas pessoas conseguem entender todos os processos lógicos por trás de um determinado conteúdo com apenas uma explicação. Com isto, a matemática deixa de ser uma criação lógica e se torna apenas uma repetição de técnicas e métodos que se tornam cada vez mais numerosos e complexos, tornando sua memorização cada vez mais difícil. A crença de que aprendem matemática apenas aqueles que possuem um certo dom se torna cada vez mais forte. A matemática abordada como forma de arte pode também servir como um objeto transformador de nós mesmos, nossos alunos e nossa sociedade. Da mesma forma que as bailarinas com deficiências visuais, puderam se desenvolver a ponto de chegar à profissionalização na dança, uma área antes acreditada como exclusiva para pessoas videntes, é possível educar para desenvolver o pensamento matemático em alunos que por qualquer motivo tenha dificuldade nesta área e, por isto, julga-se incapaz de aprendê-la. Para este desenvolvimento é preciso que, da mesma forma que as bailarinas cegas ou com baixa visão, use-se metodologias diferentes no ensino. Neste artigo já defendemos a resolução como uma metodologia que pode servir para isto. A repulsa pela matemática é muitas vezes originada de uma experiência que a pessoa teve com esta em algum momento de sua vida. É preocupante que ela já exista em muitas crianças antes mesmo de completarem metade do ciclo básico escolar. Transformar a figura que estas pessoas possuem da matemática poderá transformar, não apenas, a vida destas pessoas, que poderão sentir prazer com algo que antes lhe trazia apenas sentimentos ruins e utilizá-la como algo para compreender melhor o mundo, a sociedade e a si mesma, mas também transformar nossa sociedade. Com o aprendizado destas pessoas, ficará claro que o raciocínio matemático pode ser aprendido por todos e esta área deixará de ser vista com medo e antipatia por tantas pessoas. A matemática como forma de arte além de nos oferecer uma melhor compreensão sobre si, também abre oportunidades para a criação de um melhor ensino e, futuramente, de um melhor ser humano e uma melhor sociedade. “Sem a nova arte não haverá o novo homem. Não podemos prever nem calcular de antemão as possibilidades do futuro nem para a arte, nem para a vida.” (VIGOTSKI, 1998, p.329) Bibliografia: ALBARRÁN, Patrícia A. O.. O ofício da dança e a bailarina cega ou com baixa visão: um estudo a partir da perspectiva histórico-cultural. Orientador: Daniele Nunes Henrique Silva. Brasília. 2017. 198 p. BROLEZZI, A. C.. Criatividade, empatia e imaginação em Vigotski e a resolução de problemas em matemática. Educação Matemática Pesquisa (Online). v. 17, p. 791-815. 2015. CURY, H. N.. As concepções de matemática dos professores e suas formas de considerar os erros dos alunos. UFRGS. 1994. (Tese de doutorado precisa colocar mais algum dado?) EUSSE, K. L. G., BRACHT, V. & ALMEIDA, F. Q.. A prática pedagógica como obra de arte: aproximações à estética do professor-artista. Revista Brasileira de Ciência do Esporte. n. 38. p.11-17. 2016. FARIA, P. C..Atitudes em relação à matemática de professores e futuros professores. UFPR. 2006. (Tese de doutorado) FARIA, P. C., Moro, M. L. F. & Brito. M. R. F.. Atitudes de professores e futuros professores em relação à matemática. Estudos de Psicologia. n. 13. p.257-265. 2008. MALBA TAHAN. O Homem que Calculava. Editora Record. Rio de Janeiro. 55ª Edição. 2001. OLIVEIRA, P. A. J.. A aula como espaço epistemológico forte. Universidade de Lisboa. Departamento de Educação da Faculdade de Ciências. 2002. PEREIRA, M. V.. Contribuições para entender a experiência estética. Revista Lusófona de Educação, n. 18, p.111-123. 2011. PLATÃO. Timeu-Crítias. Tradução do grego, introdução notas e índices: Rodolfo Lopes. Editor: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos. 1ª edição. 2011. RUSSELL, Bertrand. Introdução à Filosofia da Matemática. Rio de Janeiro. Zahar Editores. 1966. VIGOTSKI, L. S.. Imaginação e criação na infância: Ensaio Psicológico – Livro para professores. Apresentação e comentários: Ana Luiza Smolka; tradução Zoia Prestes . São Paulo: Ática. 2009. VIGOTSKI, L. S.. Psicologia da arte. Tradução: Paulo Bezerra. Editora: Martins Fontes. São Paulo. 1998. ZENI, Semir, ROMAYA, J. P., BENINCASA, D. M. T. & ATIYAH, M. F.. The experience of mathematical beauty and its neural correlates. Frontiers in Human Neuroscience. Vol. 8. Artigo 68. Fevereiro/2014.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Onde pisa uma mulher

Onde pisa uma mulher, Há sentimento, Onde pisam duas mulheres Há determinação, Onde pisam três mulheres, A organização nasce, Mas quando mais mulheres se juntam E pisam a terra firme, Germina a esperança. Já é possível planejar a colheita Da safra de Um Mundo Novo (Sandor Sanches)

sábado, 7 de agosto de 2021

Massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Desterro

Massacre do Caldeirão da Santa Cruz do Desterro ARTIGO Por Fernando Soares Campos(*) 28/06/2020 - 09h 13min0 No final do século XIX, ocorreu a Guerra de Canudos, quando, depois de algumas tentativas, finalmente tropas federais destruíram uma comunidade no interior da Bahia, eliminando seu líder, o beato Antônio Conselheiro, e trucidando milhares de resistentes, restando apenas alguns poucos idosos, mulheres e crianças. Cinco anos depois, Euclides da Cunha lança o livro “Os Sertões ‒ Campanha de Canudos”. Em vista do lançamento dessa obra, a história de Canudos chegou até os dias atuais. Muitos pesquisadores se dedicaram ao esclarecimento dos fatos; mas, sem “Os Sertões”, talvez Canudos fosse apenas uma história de gente antiga, que não tem o que fazer e fica por aí assustando crianças que fazem xixi na cama. Euclides da Cunha, na condição de correspondente de guerra do jornal O Estado de São Paulo, foi o “Repórter Esso” de Canudos, testemunha ocular da História. Enquanto os jornais das grandes cidades incitavam o novo governo republicano contra a resistência dos “monarquistas” de Canudos, Euclides da Cunha registrava a carnificina cometida contra um povo relegado ao abandono e à miséria, condições que se perpetuam através dos tempos, sejam monárquicos ou republicanos. Sobre Canudos, quase todo brasileiro tem alguma informação, mesmo que seja apenas a de que ali ocorreu uma guerra, visto que, além da obra de Euclides da Cunha e tantas outras nela inspiradas, também o filme Guerra de Canudos foi um grande sucesso de público e palpites da crítica, além de ter sido premiado em importantes festivais. Muitos são os vídeos-documentários sobre aquele conflito, e a maioria dos professores de História recomenda a obra euclidiana aos seus alunos. Porém, se o episódio de Canudos é conhecido mundo afora, principalmente através de “Os Sertões”, o mesmo não ocorre com acontecimentos idênticos que também tiveram como palco os sertões nordestinos, como, por exemplo, a destruição da comunidade Caldeirão da Santa Cruz do Desterro, no Sertão do Cariri (CE). Formação e desenvolvimento da comunidade Em meados dos anos 1920, José Lourenço, um beato que foi preso por pregar em praça pública, acabou sob a proteção do Padre Cícero Romão, que lhe concedeu o direito de habitar uma propriedade abandonada, localizada num pé de serra. Não demorou muito, o beato atraiu cerca de 500 famílias para o local, onde fundaram um vilarejo, a comunidade Caldeirão, no Sertão do Cariri. O vilarejo prosperou, com suas casinhas simples, igrejinha, escola, trabalho, atividades culturais, religiosas e de lazer, tudo sob sistema de mutirão, sem qualquer ajuda externa. A povoação era formada por retirantes de diversos estados nordestinos. Criações de bovinos e caprinos garantiam o fornecimento de carne e leite, que por sua vez geravam a produção de charque, queijo e manteiga, enquanto as peles se transformavam em calçados, cintos, bolsas e artesanatos. A produção atendia ao consumo interno, e o excedente era vendido nas cidades vizinhas, principalmente nas prósperas Juazeiro e Crato, gerando receita para a aquisição de produtos necessários à sobrevivência naqueles confins. Caldeirão tornou-se uma comunidade autossuficiente, até mesmo ferramentas de trabalho eram fabricadas no local, algumas foram desenvolvidas para o trabalho em condições peculiares às atividades naquela área. Sobre a agricultura, remanescentes daquela experiência relataram que tudo ali era tratado de forma ecologicamente correta, atentando-se para a preservação do solo, dos mananciais hídricos, da fauna e flora, cujas explorações atendiam às normas específicas da comunidade. É muito provável que a comunidade do Caldeirão seguia à risca os conhecidos "Preceitos Ecológicos do Padre Cícero Romão Batista", as onze recomendações que o líder religioso fazia sobre o uso do solo e de todos os recursos da caatinga. Tais princípios referiam-se à preservação desse bioma e orientavam o sertanejo a sobreviver utilizando os recursos naturais de forma sustentável. Assim sugeria o Padre Cícero: 1) Não derrube nem mesmo um só pé de pau; 2) Não toque fogo no roçado nem na caatinga; 3) Não cace mais e deixe os bichos viverem; 4) Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer; 5) Não plante em serra acima nem faça roçado em ladeira muito em pé; deixe o mato protegendo a terra para que a água não a arraste e não se perca a sua riqueza; 6) Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água de chuva; 7) Represe os riachos de cem em cem metros, ainda que seja com pedra solta; 8) Plante a cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o Sertão todo seja uma mata só; 9) Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema, elas podem ajudar a conviver com a seca; 10) Se o sertanejo obedecer a estes preceitos, a seca vai aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer; 11) Mas, se não obedecer, dentro de pouco tempo o Sertão todo vai virar um deserto só. Massacre do Caldeirão No Caldeirão, a terra e os meios de produção eram de propriedade coletiva... Epa! O que significa "propriedade coletiva da terra e dos meios de produção"? O leitor atento já deve ter percebido o que pode ter acontecido com uma comunidade com essas características, na primeira metade do século XX. Certamente foi aí que o bicho pegou! Os coronéis da região, ricos fazendeiros, eram detentores de grandes fortunas, ostentavam fabulosos patrimônios que incluíam: terras, casarões, gado, engenhos, trabalhadores em regime análogo à escravidão e até alguns políticos amestrados. Delegados e juízes também podiam ser considerados propriedades de alguns desses senhores da vida e da morte. Nesse contexto, prosperava uma comunidade formada por pessoas que ali chegaram arrastando corpos desnutridos, expressando abatimento moral e desesperança, como em “Retirantes”, quadro de Cândido Portinari. Em 1936, Caldeirão se distinguia como uma comunidade relativamente próspera. Foi aí que os coronéis da região começaram a sentir dificuldade de conseguir mão de obra barata, trabalhadores semiescravos. Logo se iniciou uma campanha contra aquilo que as oligarquias regionais chamavam de “uma nova Canudos”. Não demorou muito e o beato José Lourenço e seus seguidores foram perseguidos sob a acusação de “prática de comunismo primitivo”. Depois de intensa campanha, a ditadura getulista autorizou a invasão da comunidade Caldeirão pelas forças da Polícia Militar do Ceará e do Ministério da Guerra. Os crimes que podiam ser imputados aos moradores eram de que haviam encontrado maneiras de sobreviver à seca, à fome e ao coronelismo, apenas unindo forças e pacificamente trabalhando a terra. Porém, diferentemente do que andaram divulgando (através das fake news da época), a comunidade não dispunha de armas ou planos para enfrentar os invasores. Caldeirão, ao contrário de Canudos, não ofereceu resistência, exceto alguns gestos isolados de defesa e proteção pessoal sob impulsos do instinto de sobrevivência. Quando da invasão pelas forças repressoras, os armazéns da comunidade encontravam-se abarrotados de algodão, milho, feijão, arroz, rapadura e farinha. Havia máquinas e objetos importados. Tudo foi destruído, inclusive as novas plantações. Os animais foram abatidos. As mulheres foram estupradas, e os objetos pessoais de valor foram levados como prêmios de guerra. reorganização Sobreviventes da comunidade Caldeirão, entre eles o beato José Lourenço, reorganizaram-se na Chapada do Araripe (CE), fundando nova vila, com a mesma orientação comunitária do Caldeirão. Logo, esta também foi considerada um embrião do “comunismo ateu” que se instalara do outro lado do mundo e, na visão tosca dos fazendeiros, ameaçava migrar para aquelas bandas. Dessa vez os membros da nova comunidade se prepararam, ainda que de forma rudimentar, para a luta de resistência armada. Na Serra do Araripe as forças militares usaram aviões para bombardear um grupo de resistentes armados de peixeiras, foices, facões e espingardas de caça. A Polícia Militar do Ceará e o Exército getulista destruíram a vila e enterraram mais de mil mortos em valas comuns. “O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.” (Extraído de “Holocausto no Caldeirão Ceará e Pau de Colher Bahia envergonha a elite, os coronéis do Nordeste”, página de “Mudança e Divergência”, blogspot.com/2007/07) Protegido pelos seus seguidores, novamente o beato José Lourenço escapa e se refugia em Pernambuco, seu Estado de origem. A imprensa, sob a censura do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda, do Governo Vargas), quase nada publicou sobre os massacres, e mesmo as matérias obscuras que instigavam as autoridades contra as comunidades sumiram das redações, apagaram o pouco que haviam escrito sobre essa história, um importante capítulo das lutas populares no Brasil. À comunidade do Caldeirão faltou um Euclides da Cunha para registrar a covardia, até mais brutal que em Canudos, pois o arraial baiano resistia às ofensivas: o fracasso da primeira expedição militar contra Canudos rendeu aos conselheiristas as armas do contingente que investiu contra a comunidade; o armamento adquirido no primeiro confronto serviu para vencer as tropas das duas expedições seguintes e para lutar bravamente contra a quarta expedição militar, aquela que finalmente destruiu o sonho de milhares de pessoas que insistiam em sobreviver com dignidade. Esta é apenas uma introdução à história do Caldeirão que o diabo abominou. (*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse ̶ 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; e "Fronteiras da Realidade ̶ contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.

Daniel Hale, um herói americano

Odiario Daniel Hale, um herói americano António Santos 31.Jul.21 Outros autores Num computador do Pentágono há uma lista de pessoas a assassinar. São dezenas de milhares, em todo o mundo. Parte dos nomes na lista são gerados automaticamente por um algoritmo a partir de meta-dados recolhidos na Internet, e o programa é global. Daniel Hale revelou esta monstruosidade, e arrisca 50 anos de prisão. Daniel Hale é um herói americano e num computador do Pentágono há uma lista de pessoas a assassinar. Na Matriz de Disposição — foi assim baptizado o rol — constam os nomes de dezenas de milhares de pessoas, de todas as nacionalidades e em países de todo o mundo, pelo que não é totalmente impossível que também o teu nome conste, uma vez que não há critérios conhecidos para decidir quem vive e quem morre. Daniel Hale, analista da Força Aérea dos EUA, revelou aos jornalistas do Intercept esta e outras informações que aqui descreverei, para que o mundo soubesse. É que se a hipótese de ser assassinado por um drone te parecer rebuscada, não ficarás mais tranquilizada/​o se souberes que parte dos nomes na lista são gerados automaticamente por um algoritmo a partir de meta-dados recolhidos na Internet e que o programa de assassinatos com drones é global. Daniel Hale achou que isto era criminoso e que não podia, à semelhança dos nazis em Nuremberga, simplesmente cumprir ordens para que ninguém saiba. Porque mesmo que se apenas por erro fosses parar à lista de condenados à morte pelo governo dos EUA, não existiria nenhum tribunal a que pudesses apelar ou recorrer da sentença, não terias direito a advogados nem te seria concedido o direito a tentar provar a tua inocência no banco dos réus. Daniel Hale podia ter cumprido as suas ordens, mas arriscou 50 anos de prisão por espionagem para que tu saibas. Repara, segundo o governo paquistanês, 80 por cento das vítimas de ataques por drones naquele país são, tal como tu certamente serias se improvavelmente o teu nome fosse misteriosamente gerado pelo algoritmo, inocentes assassinados por engano. Uma arma de terror em massa Daniel Hale foi preso em Maio de 2019 e foi mantido até hoje em regime de solitária para que tu não saibas. Funerais, concertos, festas de casamento, manifestações… parece não haver alvo que os drones hesitem em bombardear. Segundo a «política de enfrentamento» a que a Matriz de Disposição obedece, para além dos alvos, todos os «homens com mais de 18 anos» que morram num ataque de drone devem ser designados «combatentes». Danos colaterais é o que já se chamava às mulheres e às crianças. Daniel Hale vai ouvir a sentença de um juiz no próximo dia 27 de Julho. Apesar de estarem na guerra como num videojogo, cada vez mais operadores de drones têm vindo a público condenar as matanças do programa de drones que Obama inaugurou, Trump expandiu e Biden continuou. Talvez por isso, os EUA têm investido muitos milhões no desenvolvimento de drones totalmente automatizados que, finalmente livres da interferência da humanidade, cumpram ordens como os nazis de Nuremberga. Daniel Hale não é como os nazis de Nuremberga. Os responsáveis pelos crimes não foram sequer acusados, mas quem os denunciou será preso. Como Julian Assange, Chelsea Manning e Edward Snowden, Daniel Hale não perguntou o que podia fazer «pelo seu país», que agora o acusa de traição, mas o que podia fazer pela humanidade. Se Daniel Hale não for um herói americano, será um herói da humanidade. Fonte: https://www.avante.pt/pt/2486/internacional/164862/Daniel-Hale-um-her%C3%B3i-americano.htm

China

Let’s look at the latest Xinjiang information: And then during the time of writing, the news broke. Part of the Xinjiang story, is pure hard blackmail: the US-based nongovernmental organization (NGO) The Worker Rights Consortium (WRC) blackmailed, bribed, and extorted a Chinese company and its US cooperative partner for $300,000 by threatening to hype up fabricated “forced labor” issues related to China’s Xinjiang Uygur Autonomous Region. https://www.globaltimes.cn/page/202108/1230759.shtml The complete Xinjian story of forced labor, a genocide (with no dead people), prison camps et al is falling apart like an overripe watermelon that just smashed itself falling off the watermelon buggy and is not fit for eating any longer. While we are on the topic of extortion, Alex Rubinstein did some undercover work. He says: “Using a friend’s company on my application and adopting a fake persona, I attended a three-day summit on religious freedom where leading figures in the Democratic Party including Nancy Pelosi, USAID Director Samantha Power and Secretary of State Anthony Blinken joined up with anti-gay Evangelicals, a slew of shady NGOs and multiple bonafide cults to ratchet up pressure against China.”: From this ‘Davos of Religious Freedom’, we see top democrats, top republicans, the Christian far right, some clear cults, NGO’s with no history, and just about every anti-China organization in the world right across the spectrum. The objective? Balkanization under the guise of religious freedom as the new front in the new China cold war. This report is incredibly detailed and would need some time to read through. It is however recommended to understand the vast array of forces aligned in the new cold war against China. https://realalexrubi.substack.com/p/top-democrats-unite-with-christian And the 2nd part is out, titled: A Cult, a Fake Gov’t & US-funded NGOs Hold Panels Panning China https://realalexrubi.substack.com/p/cult-fake-govt-ngos And this is how medical philanthropy US to China actually operates: https://saker.community/2021/08/02/tarnished-american-philanthropy-in-china/ So, what is happening in China? Simply said, strong strong words. The recent visit of US Deputy Secretary of State Wendy Sherman, despite the usual initial nice and welcoming words apparently did not go down well. “A Chinese Foreign Ministry spokesperson said that the talks were in-depth, frank, and beneficial to the relationship between the two countries.” Days later the story changed materially. “We will no longer make unilateral efforts to maintain the public opinion atmosphere in China-US relations. Using illegal sanctions as a pretext, the US, aided by Canada, has effectively kidnapped a high-ranking Chinese corporate official, Meng Wanzhou, and is still threatening her with possible imprisonment. No other nation behaves so brazenly in defiance of international norms. “The basis for such changes is that Chinese society has become fed up with the bossy US and we hold no more illusion that China and the US would substantially improve ties in the foreseeable future. The Chinese public strongly supports the government to safeguard national dignity in its ties with the US and firmly push back the various provocations from the US. In the face of the malicious China containment and confrontational policy adopted by the two recent US administrations, the Chinese people are willing to form a united front, together bear the consequences of not yielding to the US, and win for the country’s future through struggles. In other words, Chinese society would unconditionally support whatever tough counterattacks the Chinese government would launch in the face of US-initiated conflicts in all directions toward China. The US should abandon forever the idea of changing China’s system and policies through sanctions, containment, and intimidation. We hope US allies in the Asia-Pacific, especially Japan and Australia, can weigh the situation. They should not act as accomplices of the US’ China containment policy and place themselves at the forefront of confronting China, or they are betting their own future.” https://www.globaltimes.cn/page/202107/1229704.shtml And this is the message that is still prevailing in China and internal to her people. Huawei’s Meng Wanzhou was in the dock in a Canadian court this last week but at the time of writing, I have not seen any reports.