quinta-feira, 5 de julho de 2012

Mulheres



Olá a todos. Meu nome é Daniel, estou no final do meu doutorado em Física na Alemanha (a graduação e mestrado foram no Brasil). Há tempos venho prometendo escrever algo pra enviar pra esse espaço, mas depois do post sobre a campanha vergonhosa da União Europeia (Science: It's a Girl Thing!), essa é uma boa hora.
Quero falar um pouco de alguns estereótipos e preconceitos que rolam dentro do mundo acadêmico de ciências exatas. Compartilhar um pouco da minha própria experiência.
Primeiro um background. Cresci com uma cabeça "liberal". Achava tradições e padrões a maior bobagem. Achava atitudes machistas uma das coisas mais nojentas da nossa sociedade. Porém, quando entrei no curso de Física, aos poucos fui mudando. Aos poucos fui "entrando na onda" da grande maioria, isto é, homens que parecem que estão no cio (ou tentam mostrar que estão). E eu que sempre achara ridículo cantadas rudes e olhadas inconvenientes, me vi encarando qualquer calça jeans um pouco mais apertada.
Nesse mesmo ambiente, um preconceito se formou. Mulheres não eram boas em Física nem Matemática. Bom, talvez algumas pudessem sim ser boas nisso. Mas só aquelas "mais masculinas", menos atraentes. Mulheres bonitas e inteligentes? Nem pensar!
Hoje, olhando pra trás, lembro de uma colega que correspondia àquele padrão de beleza que estamos acostumados: loira e sexy. E de fato, ela era muito bonita. Além disso, ela sempre mantinha ótimas notas, tinha uma facilidade incrível pra aprender determinados assuntos, e era bastante determinada. Ótimo, não? Não. Essa segunda parte era ignorada por muita gente. Sempre tinha alguém pra fazer a piada de que a nota boa foi por causa do decote. E sempre tinha (muita) gente pra rir da piada.
No mestrado, já em outra cidade, eu via a mesma atitude (inclusive entre amigos do doutorado também). Quanto mais bonita, menos respeito. Se a feia tira nota boa, é (talvez) mérito dela. Se a gata tira nota boa, é porque seduziu o professor, ou porque recebeu aulas particulares do doutorando brilhante.
E as pesquisadoras? Se publica muitos artigos, é porque deve ter alguém (marido, amigo, amante) pra ajudar a escrever. Passou num concurso para professora? Alguém (homem, claro) deve ter mexido os pauzinhos pra facilitar.
De fato, conversando esses dias com uma amiga, ela me disse que para ganhar algum respeito no curso a garota precisa se masculinizar. Virar "bróder". Talvez leitoras que cursam exatas vão se identificar com isso. Feminilidade e respeito parecem ser coisas antagônicas num mundo machista.
E não pára por aí. Até as mulheres inteligentes costumam ser vistas de maneira diferente. Homens podem ser geniais; mulheres são "dedicadas". Homens aprendem, mulheres decoram. Existe a mentalidade (errada!) de que todo caderno de mulher inteligente é super organizado, enquanto o homem inteligente faz as contas de cabeça ou em guardanapos.
E finalmente chego ao doutorado. A mentalidade da Europa com relação à misoginia é bem diferente. Não vou dizer que não existe machismo, mas posso dizer que muita coisa aqui é de dar inveja. Até hoje nunca presenciei nenhum comentário machista vindo de nenhum colega. Não posso dizer se o pensamento não existe ou se ele fica bem escondido (o "politicamente correto" por aqui é forte).
Aos poucos fui voltando ao normal -- gosto de pensar que "normal" é tratar mulheres como pessoas. Não digo que estou 100%, mas o ambiente menos machista e a ajuda de canais como o blog da Lola me ajudam a manter a sanidade.
Não preciso dizer que os preconceitos que eu tinha não se sustentam mais, né? Vejo mulheres "arrebentando" em qualquer campo de pesquisa. Na minha área, por exemplo, posso citar no topo da lista as irmãs Becker, autoras de trabalhos revolucionários em Teoria de Cordas, na década de 90, e autoras de um dos livros mais utilizados sobre o assunto, e a Lisa Randall, autora de um dos modelos mais utilizados para explicar porque a gravidade é tão fraca. Digo "no topo da lista", pois eu poderia encher esse post com nomes de importantes cientistas mulheres só na minha área de atuação.
Infelizmente, nem tudo são flores por aqui. Existe um problema sério, comum também nas Américas: a falta de mulheres em ciência.* As motivações da União Européia com aquele vídeo vergonhoso são honestas. Ultimamente eles têm investido bastante em políticas para mudar esses números. 
Por exemplo, a maioria dos financiamentos de pesquisa possui cláusulas pedindo que, na medida do possível, professores tentem balancear o número de mulheres e homens em seus grupos -- no contrato do meu financiamento, por exemplo, pedem um mínimo recomendado de 40%. O "na medida do possível" vem do fato de que muitas vezes não existem inscrições suficientes. Mesmo aceitando todas as mulheres que se inscrevem (e os anti-cotas vão à loucura!), o número ainda é muito baixo. Mas as políticas de inclusão têm tido bons resultados (deixando de fora aquele vídeo, claro).
Embora as mulheres estejam aos poucos conquistando espaço numa área por muito tempo predominantemente masculina, ainda parece existir uma mentalidade de que meninas devem fazer outra coisa. Nenhuma menina bonitinha quer ficar descabelada como o Einstein, né? E as poucas que insistem nesse caminho têm que enfrentar não só os desafios acadêmicos, como também o preconceito, disfarçado ou não, de seus pares. Sexo frágil? Acho que não, hein?

* Existem alguns países onde a situação é inversa, e o número de mulheres em ciência pode chegar a ser até maior que o de homens. O Irã, por exemplo, tem números impressionantes! Um dos possíveis motivos, vindo de amigos iranianos, é que lá como a sociedade é ainda bastante patriarcal, o homem precisa casar logo e "prover" a casa e a mulher. Ciência é algo que demanda tempo e não traz retorno imediato. O que torna uma carreira quase impossível para os homens iranianos, mas bastante convidativa às mulheres.