sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Roosevelt

i like this: ''There's a great quote that saved me this past year by Theodore Roosevelt. A lot of people refer to it as the "Man in the Arena" quote. And it goes like this: "It is not the critic who counts. It is not the man who sits and points out how the doer of deeds could have done things better and how he falls and stumbles. The credit goes to the man in the arena whose face is marred with dust and blood and sweat. But when he's in the arena, at best he wins, and at worst he loses, but when he fails, when he loses, he does so daring greatly." 

A poem about shame
SHAME

Shame - take your shame I don’t need it
Take your criticism - given in a fit
You’ve shamed till I had no sense of self
You taught me I have no self worth - I am not worth one penny’s wealth
Your criticisms have told me - for you I can never do it good enough
And there were no “I love you’s” and all that other neat stuff
Telling me I was stupid and dumb
Made me fell like I would only be good company for a lowly bread crumb
All I ever wanted was to be accepted just for me
But you took that me away - and left me being a somebody I didn’t want to be
I became a people pleaser just for you
And even for you - that just wouldn’t do
You spanked me even when I was right
I felt there were times - you only wanted me out of sight
Even When I told the truth - you didn’t believe
It was only recently - the loss of my childhood I’ve been able to grieve
So take back your criticisms and shame
I wasn’t very good at it - it was a no win game
And while you’re at it - take back your blame - your guilt
There were no comfort for me - I would have much rather had - a nice soft quilt
Your shame, your guilt - made it hard for me to smile
I never felt comfortable laughing all that while
I needed your approval - when I was a little boy and to you I said “look daddy, look at what I have done”
Do you remember daddy - I was that little boy - the one you’d shun
Little Tommy will never be able to forgive you dad
These memories make Big Tom........sad
You are responsible for those mean, harsh, ugly words spoken
You are responsible for Little Tom’s heart broken
Yet I wish to put all that in the past
There’s a new me I’m building - and I want this Big Tom to last
My broken heart I’ve been able to mend
And these words of forgiveness to you I send
It is you dad I now forgive
For without this forgiveness - my life will be difficult to go on and live
I Love You Dad

Thomas Knudson

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Técnicas

11/11/2012 - 08h00

Como a ditadura ensinou técnicas de tortura à Guarda Rural Indígena

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LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Aquele 5 de fevereiro de 1970 foi um dia de festa no quartel do Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em Belo Horizonte. "Pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos do bairro do Prado, em desusado interesse", segundo reportagem da revista "O Cruzeiro", assistiram à formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (Grin).
Segundo a portaria que a criou, de 1969, a tropa teria a missão de "executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas". No palanque abarrotado, viam-se, sorridentes, autoridades federais e estaduais, civis e militares: o ministro do Interior, general José Costa Cavalcanti (um dos signatários do AI-5, de 13 de dezembro de 1968); o governador de Minas, Israel Pinheiro; o ex-vice-presidente da República e deputado federal José Maria Alkmin.

Guarda Rural Indígena

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Reprodução
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Cena do filme "Arara", de Jesco von Puttmaker, que mostra cenas da formatura da 1ª turma da Guarda Rural Indígena, em 1970
Lá estavam também o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), José Queirós Campos; o comandante da Infantaria Divisionária 4, general Gentil Marcondes Filho --que ganharia fama no comando do 1º Exército em 1981, quando militares-terroristas tentaram explodir o Riocentro; secretários de governo e o comandante da PM local, coronel José Ortiga.
Os 84 índios, recrutados em aldeias xerente, maxacali, carajá, krahô e gaviões, marcharam embandeirados e com fardas desenhadas para a ocasião: calça e quepe verdes, camisa amarela, coturnos pretos, três-oitão no coldre.
Feito o juramento à bandeira, quando prometeram "defender a nossa Pátria" (conforme registrou reportagem publicada pela Folha), desfilaram para mostrar o que aprenderam nos três meses de formação, sob as ordens do capitão da PM Manuel dos Santos Pinheiro, sobrinho do governador e chefe da Ajudância Minas-Bahia, o braço regional da Funai.
JUDÔ
A primeira apresentação, de alunos de judô do tradicional Minas Tênis Clube, deu um ar benigno de confraternização infantil. Depois das crianças, foi a vez de os índios --todos adultos-- exibirem seus conhecimentos de defesa pessoal. Também "deram demonstração de captura a cavalo e condução de presos com e sem armas", conforme publicaria o "Jornal do Brasil" no dia 6, com chamada e foto na primeira página, sob o título "Os Passos da Integração".
O que nenhum órgão de imprensa mostrou --eram tempos de censura-- foi o "gran finale". Os soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades --e de uma multidão que incluía crianças-- carregando um homem pendurado em um pau de arara.
Gravadas há 42 anos, as cenas vêm a público pelas mãos do pesquisador Marcelo Zelic, 49, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Zelic coordena uma pesquisa colaborativa feita pela internet intitulada "Povos Indígenas e Ditadura Militar: Subsídios à Comissão Nacional da Verdade".
ARARA
Pesquisando no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, Zelic topou com o DVD "Arara", fruto da digitalização de 20 rolos de filme 16 mm, sem áudio.
A etiqueta levava a crer que se tratava de material sobre a etnia arara --índios conhecidos nas cercanias de Altamira (PA) desde 1850. Mas, em vez do "povo das araras vermelhas", como se denominam até hoje seus 361 remanescentes (dados de 2012), era outra "arara" que nomeava a caixa.
Tratava-se de pau de arara, a autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura, usado desde os tempos da colônia para punir "negros fujões", como se dizia. Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados, atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome.
No clássico "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" (1835), que retrata a escravidão no país, o pintor francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848), membro da Missão Francesa de artistas e cientistas que dom João 6º patrocinou para estudar e retratar o país, mostra um negro sendo castigado no pau de arara.
Na ditadura militar (1964-85), porém, o pau de arara só aparecia sob a forma de denúncia, estampando jornais alternativos, em filmes e documentários realizados por militantes oposicionistas.
Entranhada nos porões, a tortura jamais recebera tratamento tão alegre e solto quanto naqueles 26 minutos e 55 segundos, que exibem o pau de arara orgulhosamente à luz do dia, em ato oficial, sob os aplausos das autoridades e de uma multidão de basbaques.
Fotógrafos e cinegrafistas cobriram o evento, mas a cena, que assusta pela impudência, ficou de fora dos jornais e das revistas. Sobrou, ao que se saiba, apenas camuflada sob o título inocente.
O filme é parte do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante quatro décadas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e doado em 1977 ao IGPA (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.
Descendente da nobreza alemã, mas nascido no Brasil, Von Puttkamer sabia o que era a repressão. Foi preso pela Gestapo quando concluía os estudos em química na Universidade de Breslau (Alemanha), por se recusar a se alistar no Exército durante a Segunda Guerra (1939-45). Safou-se ao provar que era cidadão brasileiro nato.
Trabalhou como fotógrafo no Tribunal de Nuremberg (1945-46), que julgou hierarcas nazistas por crimes de guerra. Já de volta, foi um dos fotógrafos oficiais da construção de Brasília (1956-60). Nos anos 1960, integrou pela primeira vez uma expedição em busca de tribos isoladas no Brasil central. Nunca mais largou os índios.
Deixou 43 mil slides, 2.800 páginas de diários de campo e filmes na bitola 16 mm que, desenrolados, chegariam a 330 km. São registros delicados e muitas vezes emocionantes da aproximação dos índios e de seu encontro com as frentes de exploração --e também das epidemias e mortandades por gripe, varíola e sarampo.
Em um documentário sobre Von Puttkamer, o sertanista Apoena Meirelles afirma: "Jesco nunca se promoveu, nunca enriqueceu, permaneceu no anonimato, mas seu trabalho possibilitou que se denunciasse e se documentasse muita coisa errada da política indigenista". É o caso das aulas de pau de arara.
GRIN
A formatura foi o ponto alto de uma longa preparação. Em 23 de novembro de 1969, reportagem no "Jornal do Brasil" mostrou os índios da Grin em sala de aula e contou o que aprendiam: princípios de ordem unida, marcha e desfile, instruções gerais, continência e apresentação, educação moral e cívica, educação física, equitação, lutas de defesa e ataque, patrulhamento, abordagem, condução e guarda de presos.
Em 12 de dezembro de 1969, nota no Informe JB, coluna política do "Jornal do Brasil", fazia troça de tipo racista dos "selvagens": "O presidente da Funai, Queirós Campos, dizia que a Guarda Indígena vai de vento em popa. Só há um problema, o do uniforme. Começa que não há jeito de fazer com que os futuros guardas usem botina ou qualquer tipo de sapato, [...] machuca-lhes os pés. O quepe já perdeu toda a tradicional seriedade porque é logo enfeitado com uma pena atravessada. Finalmente, a fivela e os botões não param no lugar certo pois, como tudo o que brilha, são invariavelmente colocados na testa e nas orelhas."
Na formatura, porém, botas, fivelas e botões tiniam, tudo no lugar e sem penachos ""o filme mostra o capitão Pinheiro se desdobrando para ajeitar os cintos dos soldados. A ressalva foram os cabelos: não houve quem convencesse os krahô a aparar as melenas que lhes desciam até os ombros. E assim eles desfilaram.
O ministro Cavalcanti discursou em nome do presidente Emílio Garrastazu Médici: "Nada até hoje me orgulhou tanto quanto apadrinhar a formatura [...] da Guarda Indígena, pois estou certo de que os ensinamentos recebidos por eles, neste período de treinamento intensivo, servirão de exemplo para todos os países do mundo".
No dia seguinte, "os índios líderes, hígidos, sadios, fortes e inteligentes", segundo Cavalcanti, embarcaram rumo a suas respectivas aldeias. Decolaram fardados, armados e com soldo mensal de 250 cruzeiros novos (pouco mais de R$ 1.000, em valor atualizado).
ANTROPOLOGIA
"Nunca vi cena como essa. Já vi muitos filmes antigos, de 1920, 1930, 40, 50, 60. Mas cena como essa do pau de arara nunca apareceu", disse Sylvia Caiuby Novaes, professora da USP, onde coordena o Lisa ""Laboratório de Imagem e Som em Antropologia. Ela assistiu ao filme "Arara" a convite da Folha.
"Isso, por um lado, é expressão do fato de os índios, naquele momento, muito antes dos celulares com câmeras, serem filmados o tempo todo. Desde os índios de 'cartão-postal' do Xingu, na época dos Villas Bôas, passando pelos 'índios gigantes', Silvio Santos filmando na Amazônia, os índios eram objeto no nosso olhar curioso", diz ela. "Eles eram aquilo que nós não éramos mais. O retrato da nossa alteridade. Moravam na 'Mata Virgem', eram [vistos como] puros, próximos da natureza."
Segundo a antropóloga, a cena do pau de arara demonstra a existência de uma "face muito sombria do contato entre o Estado brasileiro e os grupos indígenas". A face iluminada foram os esforços de "pacificação", encetada por iniciativa governamental e levada a cabo por homens corajosos e tantas vezes voluntaristas, como os irmãos Orlando e Cláudio Villas Bôas.
Primeiro como empregados e depois como líderes da Expedição Roncador-Xingu, os irmãos foram a ponta de lança do plano de ocupação do território brasileiro, a Marcha para o Oeste, anunciada à meia-noite de 31 de dezembro de 1937, em discurso radiofônico proferido por Getúlio Vargas, diretamente do Palácio Guanabara.
"O verdadeiro sentido de brasilidade é a Marcha para o Oeste", bradou Vargas. "No século 18, de lá jorrou o caudal de ouro que transbordou na Europa e fez da América o continente das cobiças e tentativas aventurosas. E lá teremos de ir buscar: dos vales férteis e vastos, o produto das culturas variadas e fartas; das entranhas da terra, o metal, com que forjar os instrumentos da nossa defesa e do nosso progresso industrial."
Os irmãos Villas Bôas embrenharam-se no Brasil central com a missão assinalada pelo presidente: "Encurtar distâncias, abrir caminhos e estender fronteiras econômicas". Construíram, por exemplo, 19 pistas de pouso ao longo de 1.500 km de picadas que abriram. Isso encurtou as viagens do Rio para os EUA, que, por falta de apoio em terra, eram bem mais longas, pois tinham de margear o litoral.
Os irmãos localizaram 14 povos indígenas desconhecidos. A maioria acabaria transferida para o Parque Nacional do Xingu, idealizado pelos irmãos Villas Bôas com o apoio do marechal Cândido Rondon (1865-1958), do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-97) e do sanitarista Noel Nutels (1913-73). O presidente Jânio Quadros, em 1961, assinou o decreto de criação do parque, garantindo uma área de 27.000 km2, quase uma Bélgica.
Já sob a ditadura, virou show midiático o trabalho de atração, contato e remoção dos índios encontrados no caminho das estradas em construção. Em abril de 1973, "O Cruzeiro" estampou na capa o título "Sensacional!", seguido pela chamada: "Orlando Villas Bôas fotografou com exclusividade os ÍNDIOS GIGANTES".
A foto mostrava os panará, então isolados e chamados de kreen-akarore. Além de ter suas terras invadidas por garimpeiros, estavam no meio do traçado da BR-163 ""que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA). Depois se viu que não se tratava de gigantes coisa nenhuma.
A população (ou o que restou dela) foi removida em 1975 para o Xingu, a 250 km da terra panará. "Fizemos isso porque eles estavam morrendo por causa do contato com os brancos", disse Orlando. Doenças e massacres já haviam eliminado dois terços dos panará.
REFORMATÓRIO
A Comissão Nacional de Verdade, cujos trabalhos incluem os crimes do Estado contra os índios, tem mostrado que, além de "atrair", "pacificar" e "remover", a política indigenista do regime de 64 também conjugou os verbos "reprimir", "punir" e "torturar". Obstinado em desenvolver um sistema de controle dos índios, o criador da Grin, capitão Pinheiro, ergueu em 1969 um reformatório-presídio para índios.
O Reformatório Krenak (assim chamado por ficar em terras dos krenak), em Resplendor (MG), perto da divisa com o Espírito Santo, funcionava como colônia penal e de trabalhos forçados, para "reeducar os desajustados e confinar os revoltosos que se recusavam a sair de suas terras tradicionais", explica Benedito Prezia, antropólogo e assessor do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade ligada à Igreja Católica e responsável pelas mais contundentes denúncias de desrespeito aos direitos humanos dos índios brasileiros durante o regime militar. "Aquilo era um verdadeiro campo de concentração étnico", diz o pesquisador.
Nos registros oficiais consta a chegada de 94 índios ao Krenak entre 1969 e 1972, quando foram transferidos para a Fazenda Guarani, pertencente à PM de Minas Gerais, no município de Carmésia. Os motivos alegados para as prisões eram "atrito com chefe do posto indígena", "vadiagem", "uso de drogas", "embriaguez", "prostituição", "roubo", "saída da aldeia sem autorização", "relações sexuais indevidas", "pederastia", "homicídio", "agressão à mulher", "problemas mentais". Mas são registros incompletos, que não permitem que se entenda o que se passava no local.
Para José Gabriel Silveira Corrêa, 39, professor de antropologia da Universidade Federal de Campina Grande (PB), a ditadura foi "um momento de recrudescimento das práticas de violência que eram comuns nos postos indígenas".
"Ao formar a Grin e o Presídio e Reformatório Agrícola Krenak", diz Corrêa, "Pinheiro tornou sistemáticas essas práticas e ainda deu a elas uma aparência de legalidade, já que ele era o representante oficial do órgão de tutela estatal."
Ele diz ter escutado diversos "relatos de aprisionamentos, trabalhos forçados, regime de prisão solitária, surras e desaparecimentos de presos". Era uma prática de violência recorrente, "mas o pior de tudo é que o capitão fez com que fosse praticada pelos próprios índios, submetidos que estavam a um regime policial".
Benedito Prezia aponta o "caráter perverso" de transformar índios em "agentes colaboradores no massacre de seu próprio povo". Mas nem nisso a ditadura foi original, ele salienta. "Relatos de jesuítas no século 17 já mencionam o uso de indígenas para capturar negros da Guiné que haviam fugido do jugo da escravidão", diz.
Em tempos de "Brasil Grande", de integração nacional ("integrar para não entregar", dizia a propaganda oficial) e da construção de estradas como a Transamazônica rasgando a floresta, os índios estiveram no centro do maior projeto estratégico do regime militar.
Apesar disso, curiosamente "a narrativa sobre os crimes da ditadura em relação aos direitos humanos quase nunca inclui a questão indígena", observa Marcelo Zelic. Ele arrisca uma hipótese: "No fundo, isso mostra como, mesmo nos círculos democráticos mais combativos, as populações indígenas ainda não são vistas como portadoras de direitos."
BALANÇO
Três anos depois da pomposa formatura da primeira turma da Grin, o jornalista José Queirós Campos, presidente da Funai, já tinha sido apeado do cargo e substituído pelo general Oscar Jerônimo Bandeira de Mello. Fazia-se o balanço das ações.
"Tudo deu errado", cravou o jornal "O Estado de S. Paulo" em outubro de 1973, em reportagem escondida na parte inferior da página 52, perto dos classificados.
Sobravam denúncias de espancamentos, arbitrariedades, insubordinação e até estupros cometidos pelos guardas que retornaram às aldeias. Na ilha do Bananal, um caboclo foi pego com quatro garrafas de cachaça (o que era proibidíssimo pela Funai). Apurou-se que foi obrigado "a praticar orgias com guardas carajás".
Os jornais relataram a tortura cometida por guardas indígenas contra um pescador, também flagrado com cachaça para uso pessoal. Preso, foi obrigado a ir caminhando até a delegacia, a cinco quilômetros de distância, sob golpes de borduna.
Outro agente da Grin usou o soldo que recebia para montar um bordel na aldeia. A situação chegou a tal ponto, ainda segundo "O Estado de S. Paulo", que o cacique carajá Arutanã, da ilha do Bananal, pediu à Força Aérea Brasileira (FAB) que extinguisse a Grin.
Em 1972, sem glórias, Pinheiro já havia sido destituído da Funai. Não se formaram novas turmas. No final da década a Guarda Rural Indígena começou a ser desmobilizada. Segundo Corrêa, isso não bastaria para extinguir suas práticas de violência. "Há relatos sobre índios que, atualmente, quando precisam punir alguém, levam-no às proximidades da casa do 'capitão' indígena, amarram-no em árvores e surram-no, revivendo antigas práticas ensinadas pelo órgão tutelar".
"O reformatório e a Guarda Indígena são apenas exemplos do muito que há a investigar pela Comissão Nacional da Verdade", diz Zelic. "Outros casos já estão em levantamento, como o dos guarani-caiová, que sofreram algo que beira o genocídio nas remoções feitas durante a ditadura."
E conclui: "Só assim, com a verdade, a sociedade não índia entenderá a necessidade de respeitarmos as terras e os direitos dos povos indígenas".

domingo, 11 de novembro de 2012

Igreja

A PRESENÇA DA OPUS DEI NA POLITICA NO BRASIL E NA AMÉRICA LATINA




Bento XVI saúda D. Javier Echevarría Rodríguez, Bispo titular de Cilibia, Prelado da Prelazia Pessoal do Opus Dei, Foto Flickr (Escritório de informação do Opus Dei

Título original: A Ópus Dei na América Latina
  A Opus Dei atua também no monopólio da imprensa. Controla o jornal "El Observador", de Montevidéu, e exerce influência sobre órgãos tradicionais da oligarquia como "El Mercurio", no Chile, "La Nación", na Argentina e "O Estado de São Paulo", no Brasil.
O elo com a imprensa é o curso de pós-graduação em jornalismo da Universidade de Navarra em São Paulo, coordenado por Carlos Alberto di Franco, numerário e comentarista do "Estadão" e da Rádio Eldorado.
O segundo homem da Opus Dei na imprensa brasileira é o também numerário Guilherme Doring Cunha Pereira, herdeiro do principal grupo de comunicação do Paraná ("Gazeta do Povo").

Os jornalistas Alberto Dines e Mário Augusto Jakobskind denunciam que a organização controla também a Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP (na sigla em espanhol).
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Analisando a estrutura de classes dos países latino-americanos, Darcy Ribeiro identificava como segmento hegemónico dentro das classes dominantes o corpo de gerência das transnacionais. Ponta de lança do imperialismo, é ele quem dita ordens e impõe ideologias às demais fracções e, em muitos casos, organiza-as politicamente. A desnacionalização das economias latino-americanas na década de 90 agravou este quadro. A alteração de mais relevo no perfil da classe dominante verificada no bojo deste processo é o crescimento da influência da Opus Dei. Sustentada pelo capital espanhol, a organização controla jornais, universidades, tribunais e entidades de classe, sendo hoje peça chave para se compreender o processo político no continente, inclusive no Brasil, onde quer eleger Geraldo Alckmin presidente da República.

Procissão Católica na Espanha, berço da Opus Dei.
Mas o que é afinal, a Opus Dei (em latim, Obra de Deus)?
Em seu campo original de atuação, é a vanguarda das tendências mais conservadoras da Igreja Católica. "Este concílio, minhas filhas, é o concílio do diabo" teria dito seu fundador, Josemaria Escrivá de Balaguer, sobre o Vaticano II, no relato do jornalista argentino Emilio J. Corbiere no seu livro "Opus Dei. El totalitarismo católico".
Fundada na Espanha em 1928, a organização foi reconhecida pelo Vaticano em 1947. Em 1982, foi declarada uma prelatura pessoal, o que, sob o Direito canónico, significa que só presta contas ao papa e que seus membros não se submetem à jurisdição dos bispos. "A relação entre Karol Wojtyla e a Opus Dei" conta o teólogo espanhol Juan José Tamayo Acosta "atinge seu êxito nos anos 80-90, com a irresistível ascensão da Obra à cúpula do Vaticano, a partir de onde interveio altivamente, primeiro no esboço e depois na colocação em prática do processo de restauração da Igreja católica sob o protagonismo do papa e a orientação teológica do cardeal alemão Ratzinger."
Fontes ligadas à Igreja Católica atribuem o poder da Obra à quitação da dívida do Banco Ambrosiano, fraudulentamente falido em 1982.
Obscurantismo e misoginia são traços que marcam a organização. Exemplos podem ser encontrados nas denúncias de ex-adeptos como Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – Universidade de São Paulo (USP), que recentemente escreveu junto com mais dois ex-membros, o juizMárcio Fernandes e o médico Dário Fortes Ferreira, o livro "Opus Dei – os bastidores". Em entrevista ao programa Biblioteca Sonora, da Rádio USP, Jean Lauand conta que a Obra tem um "Index" de livros proibidos que abrange praticamente toda a filosofia ocidental desde Descartes. Noutra entrevista, à revista Época, Jean Lauand denuncia as estratégias de fanatização dos chamados numerários, leigos celibatários que vivem em casas da organização: "Os homens podem dormir em colchões normais, as mulheres têm de dormir em tábuas. São proibidas de segurar crianças no colo e de ir a casamentos". É obrigatório o uso de cinturões com pontas de ferro fortemente atados à coxa, como prática de mortificação que visa refrear o desejo. Mas os danos infligidos pelo fanatismo não se limitam ao corpo.
No site que mantém com outros dissidentes (http://www.opuslivre.org/), Jean Lauand revela que a Obra conta com médicos especialmente encarregados de receitar psicotrópicos a numerários em crise nervosa.
A captação de numerários dá-se entre estudantes de universidades e escolas secundárias de elite. Centros de estudos e obras de caridade servem de fachada. A Opus Dei tem forte presença na USP, em especial na Faculdade de Direito, onde parte do corpo docente é composta por membros e simpatizantes,como o numerário Inácio Poveda e o diretor Eduardo Marchi. Outro expoente da organização na USP é Luiz Eugênio Garcez Leite, professor da Faculdade de Medicina e autor de panfletos contra a educação mista. A Obra atua também na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade de Brasília (UnB).

Fazendo a América
Mas a Opus Dei é mais que um tema de saúde pública. Ela tem, desde a origem, uma clara dimensão política. Durante a ditadura de Franco, praticamente fundiu-se ao Estado espanhol, ao qual forneceu ministros e dirigentes de empresas e órgãos governamentais. No fim da década de 40, inicia sua expansão rumo à América Latina. Não foi difícil conquistar adeptos entre oligarquias como as da Cidade do México, Buenos Aires e Lima, que sempre buscaram diferenciar-se de seus povos apegando-se a um conceito conservador de pretensa hispanidade. Um dos elementos definidores desse conceito é exatamente o integralismo católico.
Alberto Moncada, outro dissidente, conta em seu livro "La evolución del Opus Dei": "os jesuítas decidiram que seu papel na América Latina não deveria continuar sendo a educação dos filhos da burguesia, e então apareceu para a Opus Dei a ocasião de substituí-los – ocasião que não hesitou em aproveitar".
No Brasil, a organização deitou raízes em São Paulo no começo da década de 50, concentrando sua atuação no meio jurídico. O promotor aposentado e ex-deputado federal Hélio Bicudo conta que por duas vezes juízes tentaram cooptá-lo. Seu expoente de maior destaque foi José Geraldo Rodrigues Alckmin, nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)por Médici em 1972 e tio do atual governador de São Paulo. Acontece que nos anos 70, o poder da Opus Dei era embrionário. Tinha quadros em posições importantes, mas sem atuação coordenada. Além disso, dividia com a Tradição, Família e Propriedade (T.F.P.) as simpatias dos católicos de extrema-direita.
Era natural, da mesma forma, que, alguns quadros dos regimes nascidos dos golpes de Estado de 1966 e 1976, na Argentina, e 1973, no Uruguai, fossem também quadros da Opus Dei. Mas segundo se lê no livro de Emilio J. Corbiere , sua atuação era ainda dispersa, o que não os impediu de controlar a Educação na Argentina durante o período Onganí (1966-70).
Já no Chile, a Opus Dei foi para o pinochetismo o que havia sido para o franquismo na Espanha. O principal ideólogo do regime,Jaime Guzmá, era membro activo da organização, assim como centenas de quadros civis e militares.

No México, a Obra conseguiu fazer Miguel de la Madrid presidente da República em 1982, iniciando a reversão da rígida separação entre Estado e Igreja imposta por Benito Juárez entre 1857 e 1861.

Internacional reacionária
A Opus Dei não criou o reacionarismo católico, antes, teve nele sua base de cultura. Mas sistematizou-o doutrinariamente e organizou politicamente seus adeptos de uma forma quase militar. Hoje, funciona como uma espécie de Internacional reaccionária, congregando, coordenadamente, adeptos em todo o mundo.
Concorrem para isto, nos anos 90, o ápice do poder da Obra no Vaticano e a invasão da América Latina por transnacionais espanholas.
A Argentina entregou suas estatais de telefonia, petróleo, aviação e energia á Telefónica, Repsol, Iberia e Endesa, respectivamente. A Telefónica controla o sector também no Peru e em São Paulo. A Iberia já havia engolido a LAN, do Chile, onde a geração de energia também é controlada pela Endesa. Bancos espanhóis também chegaram ao continente neste processo.
No Brasil, o Santander comprou o Banespa e o Meridional, enquanto que o BBVA recebeu os ativos do Excel através do Proer, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
"A Opus Dei tem sido para o modelo neoliberal o que foram os dominicanos e franciscanos para as cruzadas e os jesuítas frente à Reforma de Lutero" compara José Steinsleger, colunista do diário mexicano "La Jornada".
A organização atua também no monopólio da imprensa. Controla o jornal "El Observador", de Montevidéu, e exerce influência sobre órgãos tradicionais da oligarquia como "El Mercurio", no Chile, "La Nación", na Argentina e "O Estado de São Paulo", no Brasil. O elo com a imprensa é o curso de pós-graduação em jornalismo da Universidade de Navarra em São Paulo, coordenado por Carlos Alberto di Franco, numerário e comentarista do "Estadão" e da Rádio Eldorado. O segundo homem da Opus Dei na imprensa brasileira é o também numerário Guilherme Doring Cunha Pereira, herdeiro do principal grupo de comunicação do Paraná ("Gazeta do Povo"). Os jornalistas Alberto Dines e Mário Augusto Jakobskind denunciam que a organização controla também a Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP (na sigla em espanhol).
Sedeada na Espanha, a Universidade de Navarra é a jóia da coroa da Opus Dei no negócio do ensino. Sua receita anual é de 240 milhões de euros. Além disso, a Obra controla as universidades Austral (Argentina), Montevideo (Uruguai), de Piura (Peru), de Los Andes (Chile), Pan Americana (México) e Católica André Bello (Venezuela).
Dentro da igreja católica, a Opus Dei emplacou, na última década, vários bispos e Cardeais na América Latina. O mais notável é Juan Luís Cipriani, de Lima, no Peru, amigo íntimo da ditadura de Alberto Fujimori. Em seu estudo "El totalitarismo católico em el Peru", o jornalista Herbert Mujica denuncia que quando o Movimento Revolucionário Tupac Amaru tomou a embaixada do Japão, em 1997, Juan Luís Cipriani, valendo-se da condição de mediador do conflito, instalou equipamentos de escuta que possibilitaram à polícia invadir a casa e matar os ocupantes.
Na Venezuela, a Obra teve papel essencial no fracassado golpe de 2002 contra Hugo Chávez. Um dos articuladores da tentativa foi José Rodríguez Iturbe, nomeado ministro das Relações Exteriores. Também participou da articulação à embaixada da Espanha, governada na época pelo neo-franquista Partido Popular (PP).
Após os reveses na Venezuela, as esperanças da Opus Dei voltaram-se para Joaquím Laví, no Chile, e Geraldo Alckmin, no Brasil, hoje seus quadros políticos de maior destaque. Joaquím Laví foi derrotado nas últimas eleições presidenciais chilenas em Dezembro. Resta o Brasil, onde a Obra tenta fazer de Geraldo Alckmin presidente e formar um eixo geopolítico com os governos Álvaro Uribe (Colombia) e Vicente Fox (México), aos quais está intimamente associada.

Entranhas mafiosas
Além das dimensões religiosa e política, a Opus Dei tem uma terceira face: a de sociedade secreta de cunho mafioso. Em seus estatutos secretos, redigidos em 1950 e publicados em 1986 pelo jornal italiano "L´Expresso", a Obra determina que "os membros numerários e supernumerários saibam que devem observar sempre um prudente silêncio sobre os nomes dos outros associados e que não deverão revelar nunca a ninguém que eles próprios pertencem à Opus Dei."

Inimiga jurada da Maçonaria, ela copia sua estrutura fechada o que frequentemente serve para encobrir atos criminosos.
Entre os católicos, a Opus Dei é conhecida como "Santa Máfia",Emilio J. Corbiere lembra os casos de fraude e remessa ilegal de divisas nas empresas espanholas Matesa e Rumasa, em 1969, onde parte dos activos desviados financiaram a Universidade de Navarra. Bancos espanhóis são suspeitos de lavagem de dinheiro do narcotráfico e da máfia russa. A Opus Dei também esteve envolvida nos episódios de falência fraudulenta dos bancosComercial (Uruguai, pertencente à família Peirano, dona de "El Observador") e de Crédito Provincial (Argentina).
Na Argentina os responsáveis pelas desnacionalizações da petrolífera YPF e das Aerolineas Argentinas, compradas por empresas espanholas, em dois dos maiores escândalos de corrupção da história do país, tiveram sua impunidade assegurada pela Suprema Corte, onde pontificava António Boggiano, membro da Opus Dei.
No Brasil, as pretensões de controlo sobre o Judiciário esbarram no poder dos Maçons.
A Opus Dei controla, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo através da manipulação de promoções. Segundo fontes do meio jurídico paulista, de 25 a 40% dos juízes de primeira instância no estado pertencem à organização – proporção que se repete entre os promotores, no tribunal, a proporção sobe para 50 a 75%.
Recentemente, o tribunal, em julgamento secreto, decidiu pelo arquivamento de denúncia contra Saulo Castro Abreu Filho, braço direito de Geraldo Alckmin, acusado de organizar grupos de extermínio desde a secretaria de Segurança, e contra dois juízes acusados de participação na montagem desses grupos.
A fusão dos tribunais de Justiça e de Alçada, determinada pela Emenda Constitucional n.º 45, foi uma medida da equipe do ministro da Justiça, Mácio Thomaz Bastos, para reduzir o poder da Obra no judiciário paulista, cuja orientação excessivamente conservadora, principalmente em questões criminais e de família, é motivo de alarme entre profissionais da área jurídica.

por Henrique Júdice Magalhães
Blog GeoSapiens leia Como a Obra faz sofrer a família
http://entrancodeviceversa.blogspot.com.br/2012/10/a-presenca-da-opus-dei-na-politica-no.html

A Bunda

Bunda
 de Drummond:
A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda
redunda.

Confirmada ligação entre criatividade e doenças mentais


07/11/2012
Redação do Diário da Saúde
Confirmada ligação entre profissões criativas e doenças mentais
Artistas e cientistas são mais comuns em famílias com histórico de várias condições psiquiátricas.[Imagem: Wikipedia]
Criatividade e doenças mentais
Pessoas com profissões criativas são tratadas com mais frequência de doenças mentais do que a população em geral.

Há uma associação particularmente forte entre os escritores e a esquizofrenia.

Estas são as conclusões de um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Karolinska (Suécia), o mais abrangente já feito até hoje.

Sempre houve suspeitas e indicações sobre ligações entre profissões criativas e saúde mental, mas o assunto tem sido objeto de controvérsia entre os pesquisadores.

O presente estudo acompanhou 1,2 milhão de pacientes e seus familiares, identificados até primos de segundo grau.

Artistas e cientistas
O estudo inicial mostrou que artistas e cientistas são mais comuns em famílias onde estão presentes o transtorno bipolar e a esquizofrenia, em comparação com a população em geral.
A equipe então expandiu a pesquisa para várias outras condições psiquiátricas, como transtorno esquizoafetivo, depressão, síndrome de ansiedade, abuso de álcool, uso de drogas, autismo, TDAH, anorexia nervosa e suicídio.

Eles também incluíram pacientes em atendimento ambulatorial em vez unicamente pacientes hospitalizados.

Os novos resultados confirmaram as conclusões anteriores, sobretudo a de que uma determinada doença mental - o transtorno bipolar - é mais prevalente em todo o grupo de pessoas com profissões artísticas ou científicas, tais como bailarinas, pesquisadores, fotógrafos e escritores.
Escritores
Especificamente os escritores são mais comuns em famílias com a maioria das outras doenças psiquiátricas, incluindo esquizofrenia, depressão, ansiedade e abuso de substâncias.

Os escritores também são quase 50% mais propensos a cometer suicídio do que a população em geral.

Além disso, os pesquisadores observaram que as profissões criativas são mais comuns em familiares de pacientes com esquizofrenia, transtorno bipolar, anorexia nervosa e, em menor medida, autismo.


Tirando proveito da criatividade

Segundo Simon Kyaga, um dos autores do estudo, os resultados são suficientes para reconsiderar algumas abordagens às doenças mentais.

"Quando se considera que determinados fenômenos associados com a doença do paciente são benéficos, isto abre o caminho para uma nova abordagem para o tratamento," disse ele.

Estas novas abordagens poderão se valer do fato de que a criatividade pode ser treinada, algo eventualmente facilitado pela predisposição familiar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Estadao II

Muito além dos tormentos de Alex

Apesar da fama internacional, o prolífico escritor inglês, de múltiplos talentos, continua subestimado em sua genialidade

09 de novembro de 2012 | 19h 24

Caetano W. Galindo - O Estado de S.Paulo

Ele foi o “pequeno Wilson”, que passou a vida encarando o “grande Deus”. Foi o sargento Wilson, do exército colonial de Sua Majestade.
Ele era Mr. Wilson, o professor de inglês que trabalhou na Inglaterra, na Malásia e em Brunei. Foi o linguista que inventou um idioma paleolítico para o filme A Guerra do Fogo.
Ele foi o poliglota que aprendeu persa, russo e traduziu poesia inglesa para o malaio.
Ele foi o paciente que recebeu um dia um diagnóstico de câncer no cérebro e, desesperado, resolveu escrever montes de livros, o mais rápido possível, para tentar garantir um dinheirinho post mortem para a mulher e a filha. Ele foi o paciente que recebeu um diagnóstico equivocado.
Ele era o maestro Burgess, que compôs óperas, sonatas, quartetos, sinfonias. Foi o roteirista do Jesus de Nazaré, de Zeffirelli.
Carreiras, profissões, caminhos.
Mas acima de tudo o homem John Burgess Wilson (Harpurhey, Manchester, 25 de fevereiro de 1917-Londres, 22 de novembro de 1993) foi duas coisas.
De um lado, o prolífico escritor (nunca ia dormir sem ter escrito pelo menos mil palavras) que produziu livros acadêmicos, jornalismo, crítica musical, contos, poesia, romances, biografias, uma autobiografia (em dois volumes, O Pequeno Wilson e o Grande Deus e You’ve Had Your Time) e mais de 30 romances, alguns sob o pseudônimo de Joseph Kell (em seu ro romance de estreia, Time for a Tiger, de 1956, usou pela primeira o “Anthony”, que acrescentara após o John original ao ser crismado).
De outro lado, ele sem dúvida foi o sujeito que ostentava o pior penteado da história da literatura. (Não é possível falar seriamente de alguém que escreveu Enderby por Dentro, um dos livros mais engraçados deste mundinho azul, sem recorrer ao humor.)
*
Contudo, nem o penteado (por incrível que pareça) nem aquela outra fieira de carreiras respondem pela sobrevivência esperneante do nome de Burgess até os dias de hoje, quase 20 anos depois da sua morte, aos 76 anos, em 1993.
São os romances, camarada.
São os romances.
Mas a graça no fundo é que a singularíssima produção do Burgess romancista só pôde existir, e só pôde existir tal como é, porque ele foi aquelas outras coisas todas.
Sem o falso tumor, não haveria romancista. Ponto.
Sem a experiência no Oriente, não haveria a “trilogia malaia”. Sem a vivência em terra estrangeira, o poliglota e o linguista não teriam tido tanto material, o que não teria possibilitado a ideia do nadsat russo-inglês de Laranja Mecânica.
No entanto, sem, principalmente, o músico, o romancista não teria tido um ouvido tão apurado e um apreço tão grande pela estrutura geral das obras (ele moldou um romance todo, Mozart and the Wolf Gang, na Sinfonia 40 de Mozart, e um outro, Napoleon Symphony: A Novel in Four Movements, sobre a Heroica, de Beethoven); sem o maestro, o prosador não seria dotado de uma estima tão acentuada pelo som e pelos quadros desse som.
É bobagem, porém, fingir que mesmo esse pacote tão gordo, que mesmo esse caldo tão grosso explique, em qualquer medida, o surgimento e a possibilidade da obra de Burgess. Há que se recorrer à boa e velha - e velha por demais, segundo alguns - noção de gênio.
*
Eu, como muitos leitores, cheguei a Burgess via Laranja Mecânica. Na verdade, foi o primeiro livro que li em inglês, decidido a arriscar por querer ouvir aquela música no original e por já conhecer mais que bem a trama. Pois eu, como muitos leitores, cheguei ao livro pelo filme.
A estranha distopia sarcástica e ácida em que o jovem baderneiro Alex se diverte enquanto busca excessos de sexo, drogas e violência, ao mesmo tempo em que se entrega de corpo e alma a excessos de Beethoven, influenciou e influencia gerações e gerações de leitores.
Mas o livro seria pouco interessante se, porventura, se resumisse a isso. Afinal, o problema ético central é que Alex acaba se vendo traído por seus drugues e preso e, na prisão, recebe a oferta de comutar sua pena pela participação num estranho experimento behaviorista, que pretende condicioná-lo a odiar a violência. O dito Método Ludovico consiste em injetar nas veias de Alex certos químicos que lhe causam náusea e uma sensação de pânico, ao mesmo tempo em que ele é exposto a vídeos de ultraviolência, a imagens que anteriormente lhe provocavam excitação e prazer (a imagem de Malcolm McDowell preso a uma cadeira, com os olhos mantidos abertos por ferragens é uma das mais icônicas da história do cinema).
A cultura pop era algo que Burgess via com muito receio: daí o papel redentor de Beethoven no livro. Ela, entretanto, é um dos grandes temas de uma obra que, bem ou mal, publicada em 1962, caricatura a mesma Inglaterra que via nascer os Beatles e os Stones. Além disso, livre-arbítrio, ética, violência, literatura (um escritor será o agente da liberdade de Alex), amadurecimento (especialmente no famoso último capítulo que Kubrick não usou no filme) são temas que garantem que a sobrevivência do livro se deva a muito mais que ao nadsat (adolescente). E a competência com que tudo isso se trança no romance me fez, e fez a muitos, ir buscar mais. E, naquele universo de mais de 50 livros, há de fato muito mais.
Apenas na ficção, há os dois retratos biográficos lapidares dos rivais Shakespeare e Marlowe (Nada como o Sol e A Dead Man in Deptford), sendo que este último se conclui com a mais bela descrição do assassinato de Marlowe que se pode imaginar.
Há o estranhíssimo romance de espionagem escatológico (no sentido religioso, e não no sentido American Pie do termo) Tremor of Intent.
Há a incrível trilogia Enderby, da qual apenas o primeiro volume foi traduzido no Brasil (exatamente Enderby por Dentro), num trabalho primoroso de Paulo Henriques Britto.
Há os romances inspirados por Mozart e Beethoven, há a curiosíssima odisseia em oitava rima que é seu último romance, Byrne.
E não dá para esquecer o resto.
Além de uma história da literatura inglesa, por exemplo, apenas sobre Joyce ele produziu dois livros fundamentais, sendo que um deles, Homem Comum Enfim, ainda é a melhor introdução à obra do autor de Ulysses disponível em português.
Recentemente se disse, quando Poderes Terrenos ficou empatado numa eleição para escolher o romance inglês mais importante do último quarto do século 20, que esse período ainda será conhecido como a era de Burgess... Pode bem ser. Poucos escritores terão sido tão produtivos. Poucos outros terão mantido o nível de qualidade e invenção que ele sustentou numa carreira tão variada.
Mas pouquíssimos terão feito as duas coisas.
E, no entanto, há que se reconhecer que Burgess continua algo subestimado, tanto cá quanto lá.
*
Tenho para mim que talvez até mesmo o sucesso pop da adaptação de Laranja Mecânica possa ter-lhe pespegado certa imagem de coisa passageira. Ou, como se aventa nos meios críticos britânicos, ele pode ter sido vítima da maldição do autor cômico, ou no mínimo da leve uruca que envolve o autor com uma visão intrinsecamente cômica de mundo e de arte e de homem. E eles precisam ser mais levados a sério.
Ele precisaria ser levado mais a sério.
Porque acima de tudo há justamente aquele Poderes Terrenos, épico bizarro sobre um escritor de segunda e um religioso de terceira, que cobrem todo o século 20, conhecem tudo e a todos e deveriam plantar o nome do autor bem firmemente nos cânones do tempo.
Sozinho, podia bastar. E ainda ele tem dezenas de irmãos...
Laranja Mecânica é um livro genial. Não reste dúvida. Burgess, contudo, está muito longe de se resumir a ele. Como eu mesmo demorei um pouco a saber.
Foi preciso, por exemplo, que Cristovão Tezza um dia me dissesse que Poderes Terrenos tinha uma das melhores primeiras frases de todos os tempos, para eu me deparar com: “Era a tarde do meu octogésimo primeiro aniversário e eu estava na cama com o meu catamito quando Ali anunciou que o arcebispo tinha chegado para falar comigo.”
Há que se levar um bufão desse nível mais a sério do que o sério que se quer.
CAETANO W. GALINDO É PROFESSOR DA UFPR E TRADUTOR. VERTEU PARA O PORTUGUÊS ULYSSES, DE JAMES JOYCE, ENTRE OUTROS TÍTULOS

estadao

A condição humana, no incômodo limite entre o bem e o mal

Exclusivo: no ensaio a seguir, escrito em 1973, o autor de 'Laranja Mecânica' explica as razões de seu livro

09 de novembro de 2012 | 19h 01

ANTHONY BURGESS
Sou, por ofício, um romancista. Acredito tratar-se de um ofício inofensivo, ainda que não venha a ser considerado respeitável por alguns. Romancistas colocam palavras vulgares na boca de seus personagens e os descrevem fornicando e fazendo necessidades. Além disso, não é um ofício útil, como o de um carpinteiro ou de um confeiteiro. O romancista faz o tempo passar para você entre uma ação útil e outra; ajuda a preencher os buracos que surgem na árdua trama da existência. É um mero recreador, um tipo de palhaço. Ele faz mímica e gestos grotescos; é patético ou cômico e, às vezes, os dois; ele faz malabarismo com palavras, como se estas fossem bolas coloridas.
Texto integra a edição comemorativa dos 50 anos do romance, que chega às livrarias dia 22 - Reprodução
Reprodução
Texto integra a edição comemorativa dos 50 anos do romance, que chega às livrarias dia 22
O uso que ele faz das palavras não deve ser levado excessivamente a sério. O presidente dos Estados Unidos usa palavras; o médico, o mecânico, o general do exército ou o filósofo usam palavras; e essas palavras parecem estar relacionadas ao mundo real, um mundo em que impostos precisam ser arrecadados e depois evitados; carros precisam ser dirigidos; doenças, curadas; grandes pensamentos, pensados; batalhas decisivas, travadas. Nenhum criador de enredos ou personagens, por maior que seja, deve ser considerado um pensador sério, nem mesmo Shakespeare. Na realidade, é difícil saber o que o escritor criativo realmente pensa, pois ele se esconde atrás de suas cenas e de seus personagens. E quando os personagens começam a pensar e a expressar seus pensamentos, não se trata, necessariamente, dos pensamentos do escritor. Macbeth pensa uma coisa e Macduff, algo diametralmente oposto; as ponderações do Rei não são as mesmas de Hamlet. Até mesmo o dramaturgo trágico é um palhaço, soprando uma melodia triste em um trombone velho. E então seu ânimo trágico se esgota e ele se torna um bufão, cambaleando por aí e plantando bananeiras. Nada que deva ser levado a sério.
Por vezes, entretanto, um mero recreador como eu pode ser tragado a contragosto para a esfera do pensamento "sério". Ele se vê forçado a dar sua opinião sobre questões profundas. A causa dessa obrigação pode ser um repentino interesse público por um de seus romances - um livro que ele tenha escrito sem considerar profundamente o significado, cujo objetivo era render algum dinheiro para pagar o aluguel, mas que acabou adquirindo uma importância não prevista pelo autor. Ou pode ser um romance em que, graças a uma preocupação ou a um rancor irredutível em relação a algo que acontece no mundo real, o romancista - para seu próprio arrependimento - cria algo menos recreativo do que o normal; algo mais assemelhado a um sermão ou a uma declaração homilética ou didática - e a elaboração de tais coisas não é, na realidade, a função do romancista. No momento, encontro-me escrevendo um livro bastante diferente de qualquer outro que eu tenha escrito, e o motivo pelo qual escrevo não é tanto o interesse público por um de meus romances, mas o interesse público por um filme realizado a partir de um dos meus romances.
Tanto o romance quanto o filme chamam-se Laranja Mecânica (Clockwork Orange). Publiquei o livro pela primeira vez em 1962, e desde aquele ano conquistou leitores nos dois lados do Atlântico, o suficiente para garantir sua contínua impressão. No entanto, dez anos depois de corrigir as provas de gráfica, seu título e conteúdo tornaram-se conhecidos por milhões, não apenas milhares, graças à adaptação cinematográfica bastante fiel feita por Stanley Kubrick. Vi-me convocado, então, a explicar o verdadeiro significado, tanto do livro quanto do filme, em todas as mídias públicas dos Estados Unidos, e também em algumas da Europa, e minha explicação tem sido, mais ou menos, a seguinte.
Primeiramente, o título. Ouvi a expressão "tão estranho quanto uma laranja mecânica" pela primeira vez em um pub londrino, antes da 2.ª Guerra Mundial. Trata-se de uma gíria cockney antiga que se refere a uma esquisitice ou insanidade tão extrema que chega a subverter a natureza - afinal, que noção poderia ser mais bizarra do que uma laranja mecânica? A imagem atraiu-me não somente como algo fantástico, mas também como algo obscuramente significativo; surreal, mas também obscenamente real. O casamento forçado de um organismo com um mecanismo; de uma coisa com vida, que amadurece, é doce, suculenta, com um artefato frio e morto - seria apenas um conceito assustador? Descobri a relevância desta alegoria para o século 20 quando, em 1961, comecei a escrever um romance sobre curar a delinquência juvenil. Li em algum lugar que seria uma boa ideia liquidar o impulso criminoso por meio de terapia de aversão; fiquei estarrecido. Comecei a investigar as implicações dessa noção em um breve trabalho de ficção. O título Laranja Mecânica parecia estar ali, esperando para se vincular ao livro: era o único nome possível.
O herói, tanto do livro quanto do filme, é um jovem delinquente chamado Alex. Dei-lhe esse nome por causa de seu caráter internacional (você não veria um rapaz inglês ou russo chamado Chuck ou Butch), e também graças às suas conotações de ironia. Alex é uma redução cômica de Alexandre, o Grande, talhando seu caminho pelo mundo e conquistando-o. Mas Alex se torna o conquistado - impotente, mudo. Ele fazia sua própria lei (a lex); torna-se uma criatura sem uma lex e sem léxico. Os trocadilhos ocultos, claro, não se relacionam com o verdadeiro significado do nome Alexandre, que é "defensor dos homens".
No início do livro e do filme, Alex é um ser humano dotado, talvez exageradamente, de três características que consideramos atributos essenciais do homem. Ele se deleita com o uso de uma linguagem articulada e até inventa uma nova forma de comunicação (a esta altura, ele está longe de ser aléxico); ele ama a beleza, que encontra, acima de tudo, na música de Beethoven; ele é agressivo. Com seus companheiros - menos humanos do que ele, pois não dão importância à música - ele aterroriza as ruas de uma grande cidade, à noite. Essa cidade poderia ser qualquer uma, mas eu a visualizei como uma espécie de amálgama entre minha nativa Manchester, Leningrado e Nova York. A época poderia ser qualquer uma, mas é, essencialmente, o hoje. Alex e seus amigos roubam, mutilam, estupram, vandalizam; acabam matando. O jovem anti-herói é preso e punido, mas punição não é suficiente para o Estado. Como a prisão não é um inibidor muito eficiente para o crime, o Home Office ou o Ministério do Interior introduz uma forma de terapia de aversão que garante, em apenas duas semanas, eliminar propensões criminosas para sempre.
Alex, em sua inocência, abraça a oportunidade de ser "curado". Ele tem tanta fé na indestrutibilidade de sua própria libido que se considera mais do que um desafio para os especialistas em comportamento do Estado. Injetam-lhe uma substância que provoca náusea extrema, e a deflagração da náusea é deliberadamente associada a violentos. Em pouco tempo, ele não consegue ver cenas de violência sem se sentir desesperadamente enjoado. Fazer amor era, para ele, apenas um aspecto da agressão; portanto, até mesmo observar uma parceira sexual desejável desperta a náusea avassaladora. Ele é forçado a andar por uma corda bamba de "bondade" imposta. A sociedade fica satisfeita e mal pode esperar por um milênio livre do crime.
Mas homens não são máquinas, afinal, e o limite entre um impulso humano e outro é sempre difícil. O tratamento de Alex consistiu em assistir a filmes violentos e sentir a náusea induzida. Tais filmes empregaram trilhas sonoras de música sinfônica como "amplificadores emocionais". Após seu tratamento, o delinquente reformado descobre que não consegue mais ouvir Beethoven sem se sentir desesperadamente doente. O Estado foi longe demais: invadiu uma região além de seu pacto com os cidadãos; fechou para sua vítima um universo de belezas amorais, a visão de ordem paradisíaca que grandes peças musicais transmitem. Perturbado por uma gravação da Nona Sinfonia, Alex tenta cometer suicídio, causando perplexidade e despertando compaixão entre os elementos liberais da sociedade; Alex, então, é submetido a uma terapia hipnopédica que o restaura à sua condição "livre" anterior. Despedimo-nos de Alex enquanto ele sonha com novos e mais elaborados métodos de agressão. A intenção era a de um final feliz.
O que tentei argumentar, com o livro, era o fato de que é melhor ser mau a partir do próprio livre-arbítrio do que ser bom por meio de lavagem cerebral científica. Quando Alex tem o poder da escolha, opta apenas por violência. Entretanto, existem outras áreas de escolha, como ilustra seu amor pela música. Na edição inglesa do livro (mas não na norte-americana, tampouco no filme), há um epílogo que mostra Alex crescendo, aprendendo a desgostar de seu antigo estilo de vida, pensando no amor como algo maior do que uma forma de manifestar violência; até mesmo imaginando-se como marido e pai. Tal caminho sempre esteve aberto; ele, enfim, opta por segui-lo. Antes uma laranja podre, ele agora se preenche com algo mais próximo da doçura humana decente.
Liberdade de escolha é mesmo tão importante? O homem é capaz disso? O termo "liberdade" tem algum significado intrínseco? São questões que preciso perguntar e tentar responder. Devo registrar que fui ridicularizado e criticado por expressar meus receios em relação ao poder do Estado moderno - seja na Rússia, na China ou na que poderíamos chamar de Anglo-América - de reduzir a liberdade individual. A literatura já denunciou esse poder em livros como Brave New World (Admirável Mundo Novo), de Aldous Huxley, e 1984, de George Orwell, mas pessoas "sensatas", que não se comovem muito com textos criativos, garantem que há pouco com o que se preocupar. O livro Beyond Freedom and Dignity (O Mito da Liberdade), de B.F. Skinner, foi lançado na mesma época em que Laranja Mecânica surgiu nas telas, pronto para demonstrar as vantagens do que poderíamos chamar de lavagem cerebral benéfica. Nosso mundo está em má situação, diz Skinner, com os problemas das guerras, da poluição ambiental, da violência civil, da explosão demográfica. O comportamento humano precisa mudar - isso, diz ele, é autoevidente, e poucos discordariam - e, para tanto, precisamos de uma tecnologia para o comportamento humano. Podemos deixar de fora dessa equação o homem interior, o homem que encontramos quando discutimos com nós mesmos, o ser oculto que se preocupa com Deus, com a alma e com a realidade absoluta. Precisamos enxergar o homem de fora, considerando especialmente o que leva uma característica do comportamento humano transferir-se de um indivíduo para outro. A abordagem behaviorista do homem, da qual o professor Skinner é um grande expoente, prega que ele é levado a vários tipos de ações por estímulos de aversão e não aversão. Medo do chicote fazia o escravo trabalhar; medo da demissão ainda faz o escravo do salário trabalhar. São tais reforços negativos para a ação que o professor Skinner condena; o que ele deseja ver são reforços positivos. Você ensina truques a um animal de circo não por meio da crueldade, mas da bondade. (Skinner deveria saber disso: muito de seu trabalho experimental foi realizado com animais; alguns de seus avanços em condicionamento animal aproximavam-se de um nível circense bastante elevado.) Com os estímulos positivos certos - aos quais respondemos não de maneira racional, mas por meio de nossos instintos condicionados -, todos nós poderemos nos tornar cidadãos melhores, submissos a um Estado cujo objetivo maior é o bem-estar da comunidade. Não devemos, diz tal argumento, temer o condicionamento. Precisamos ser condicionados para salvar o ambiente e a raça. Mas precisa ser condicionamento do tipo certo.
Segundo o discurso skinneriano, é o tipo errado de condicionamento que transforma o herói de Laranja Mecânica em um nauseado modelo de não agressão. O fato de eu mesmo considerar qualquer tipo de condicionamento um erro deve ser atribuído, imagino, à força da tradição religiosa na qual fui educado. Eu fui, pode-se dizer, condicionado por ela, mas minha consciência aprova as convicções que sinto em meu âmago. Minha família é de Lancashire, um condado ao norte do Reino Unido que foi uma fortaleza da fé católica. A Reforma Protestante, que transformou a Inglaterra no que ela é hoje, nunca chegou a Lancashire ou, caso tenha chegado, o fez de maneira suave e moderada, nas infiltrações pacíficas dos períodos mais tolerantes que seguiram as sangrentas imposições dos Tudors. O tipo de protestantismo que floresceu na época de Cromwell e criou uma nova estirpe de mercadores burgueses era calvinista. Predestinação era seu eixo doutrinal. O homem não teria arbítrio sobre a própria salvação; seu estado futuro havia sido predeterminado por Deus.
O catolicismo rejeita uma doutrina que parece enviar alguns homens arbitrariamente ao Paraíso, e outros, de maneira não menos arbitrária, para o Inferno. Seu destino, diz a teologia católica, está em suas mãos. Não há nada que o impeça de pecar, se você quiser pecar; ao mesmo tempo, não há nada que o impeça de se aproximar dos canais de graça divina que são a garantia de sua salvação. O fato de duas doutrinas opostas - a do livre-arbítrio e a da predestinação - poderem coexistir na mesma fé religiosa requer explicação. Primeiramente, há a omnisciência de Deus. Se Deus sabe tudo, Ele sabe se eu serei condenado ou salvo: meu destino derradeiro foi, digamos, reservado desde o início dos tempos. Mas se Deus dá ao homem o poder da livre escolha, poderia parecer que Ele está deliberadamente renunciando à Sua consciência sobre o que o homem fará com esse poder. Um Deus onisciente e onipotente, em um gesto de amor pelo homem, limita tanto Seu poder quanto Seu conhecimento.
Sean O'Faolain, em sua autobiografia, relata uma incapacidade de conciliar o livre-arbítrio do homem com o conhecimento total de Deus, o que foi resolvido certo dia por um súbito insight mágico ou milagroso, antes de uma corrida de táxi em Manhattan. O'Faolain chegou à seguinte conclusão: toda e qualquer ação do homem continuava uma ação livre até ser executada. Uma vez executada, tornava-se algo que Deus havia determinado que acontecesse. Ele e o taxista ficaram bêbados para celebrar a descoberta.
Mas os calvinistas sempre dispuseram de munição pesada para defender a campanha da predestinação. Na direção do exército do livre-arbítrio, eles miram o canhão da Queda. Adão caiu por causa do pecado original da desobediência; ele transmitiu a culpa por esse pecado a todos os seus descendentes. Os homens são predispostos a pecar; não são criaturas livres. A resposta ortodoxa para isso é, claro, a de que Jesus Cristo morreu para que os homens fossem libertados, mas o calvinismo parece não se entusiasmar com tal fato. As teocracias construídas pelos calvinistas, cidades-estados ou comunidades inteiras governadas por homens da fé autoeleitos, foram sempre caracterizadas por uma espécie de melancolia chuvosa. Veja a Massachusetts de Cotton Mather; a Genebra do próprio João Calvino. Para eles, permitir que os homens determinassem o próprio destino era uma marca da depravação católica. Homens são pecadores, homens não evitarão o pecado (por que deveriam, se estão predestinados ao Paraíso ou ao Inferno, independentemente do que façam?) Homens precisam ser obrigados a serem bons; as mulheres, filhas da pérfida Eva, ainda mais. O calvinismo é repleto de reforços negativos.
Não é meu objetivo ensinar teologia elementar, e certamente não é minha intenção considerar o mundo contemporâneo a partir desse ângulo da fé herdada. Estou apenas demonstrando que certos termos que emprestamos da teologia têm validade em uma abordagem secular de nossos problemas. Por ser uma pessoa cuja religião tem sido hesitante por 40 anos, seria hipocrisia de minha parte pregar que, para acabarmos com as guerras e regenerar os rios poluídos, deveríamos nos voltar para Deus. O que sugiro é que a religião e outras disciplinas seculares ou antropocêntricas, como filosofia, psicologia e sociologia, têm algo em comum: uma consciência sobre a contínua infelicidade do homem. E, talvez, certas palavras de origem arcaica, como "bem", "mal" e "livre-arbítrio", até mesmo "pecado original", não precisam ser substituídas por terminologia pseudocientífica apenas por serem derivadas de uma abordagem teocêntrica do homem.
"Chamávamos o tabuleiro de xadrez de branco - chamamo-lo de negro", diz o bispo Blougram no poema de Robert Browning. Em outras palavras, uma perspectiva otimista da vida humana é tão válida quanto uma pessimista. Mas de que vida estamos falando? A de toda a raça ou a do imperceptível fragmento dela que cada um de nós chama de "eu"? Creio que sou otimista em relação ao homem: acredito que sua raça sobreviverá; acredito que, por mais doloroso e lento que seja o caminho, ele resolverá seus grandes problemas, simplesmente por ter consciência deles. Quanto a mim mesmo, tudo o que posso dizer é que estou ficando velho, minha visão está ficando embaçada, meus dentes requerem atenção constante, não posso comer ou beber como antes, fico entediado com cada vez mais frequência. Não consigo me lembrar de nomes, meu raciocínio funciona lentamente, tenho espasmos de inveja dos jovens e de ressentimento por minha própria decadência iminente. Se eu tivesse fé ardente na sobrevivência pessoal, essa melancolia da senescência poderia ser imensamente abrandada. Mas perdi tal fé, e é pouco provável que eu a recupere. Às vezes, tenho desejo de aniquilação imediata, mas a ânsia de permanecer vivo sempre se sobrepõe. Existem compensações - o amor, a literatura, a música, a rica vivência na cidade sulista em que passo a maior parte do meu tempo -, mas elas são muito incertas. Existe um consolo maior e mais duradouro - o fato de que sou livre para escrever o que desejar, de não ter de seguir nenhum relógio, de não precisar chamar nenhum homem de "senhor" e submeter-me a ele por medo. Mas tal liberdade traz seus próprios remorsos: sinto-me culpado se não trabalho; sou meu próprio tirano. As coisas que tenho agora me eram mais necessárias quando eu era jovem. Lembro-me da máxima de Goethe: "Cuidado ao desejar qualquer coisa na juventude, pois você a terá na meia-idade".
Reconheço que estou em melhores condições do que a maioria, mas não acho que tenha optado por me eximir da agonia e da ansiedade que atormentam homens e mulheres escravos de vidas que não escolheram, habitantes em comunidades que odeiam. Penso, especialmente, nos cidadãos de grandes centros comerciais e industriais - Nova York, Londres, Bombaim, a minha própria Manchester. "Você comerá seu pão com o suor do seu rosto": o Livro de Gênesis resume perfeitamente. A manutenção de uma sociedade complexa depende, cada vez mais, de trabalhos repetitivos, trabalhos sem prazer ou criatividade. As coisas que comemos, as roupas que vestimos, os lugares em que moramos tornam-se progressivamente padronizados, pois a padronização é o preço que pagamos pelos preços que podemos pagar. A vida simplesmente passa para a maioria de nós, como a hora em um despertador. Acabamos por nos acostumar com o ritmo imposto pela nossa necessidade de subsistência; em pouco tempo, passamos a gostar de nossas amarras.
Um dos slogans do superEstado no romance 1984, de George Orwell, é "Liberdade é escravidão". Uma das interpretações possíveis é a de que o fardo de tomar as próprias decisões é, para muitas pessoas, intolerável. Estar vinculado à necessidade de decidir por conta própria é ser escravo de seus próprios ímpetos. Lembro-me de quando me alistei no exército britânico, aos 22 anos. Inicialmente, me ressenti da disciplina, da remoção de até mesmo a mais ínfima liberdade (como o direito de comer quanto e o que fosse desejado e o direito de ir ao banheiro quando o próprio corpo, e não uma corneta, determinasse). Em pouco tempo, minha redução a mero mecanismo começou a me agradar, a me acalmar. Participar de um esquadrão obedecendo ordens com o restante do grupo, proibido de fazer perguntas ou questionar regulamentos - eu estava, depois de quatro anos de rigorosa vida acadêmica, em férias da necessidade de precisar escolher o tempo todo. Depois de seis anos, posso simpatizar com o civil que não gosta de tomar as próprias decisões (onde comer, em quem votar, o que usar). É mais fácil receber orientações: fume tal cigarro - 90% menos alcatrão; leia tal livro - 75 semanas na lista de best-sellers; não veja tal filme - é pseudoarte.
Talvez exista algo de positivo na submissão social, considerando que a vida dos trabalhadores tem muito pouco espaço para o individualismo: é doloroso ser um especialista em Spinoza à noite e um operário durante o dia. E existe algo em nossa natureza gregária que faz com que desejemos nos submeter. Até mesmo os rebeldes anticonformistas encontram suas próprias conformidades: o "uniforme" de cabelo longo, barba, calças de algodão trançado, miçangas e amuletos, por exemplo, e o invariável gosto por maconha e músicas de protesto tocadas no violão. Uma pessoa precisa se acomodar em um padrão de trabalho para que possa comer e alimentar a família; uma pessoa pode achar agradável, natural ou conveniente acomodar-se em seus gostos sociais. Porém, quando os padrões de conformidade são impostos pelo Estado, as pessoas têm o direito de se assustar. Infelizmente, a conformidade política que leva a um uniforme, a uma bandeira, a um slogan, a uma mordaça no livre discurso tende a funcionar a partir de uma disposição para a obediência em áreas não políticas.
Talvez não tenhamos obrigação nenhuma de gostar de Beethoven ou de detestar Coca-Cola, mas é, pelo menos, concebível que sejamos obrigados a não confiar no Estado. Thoreau escreveu sobre o dever da desobediência civil; Whitman disse, "Resista muito, obedeça pouco". Para esses liberais, e muitos outros, a desobediência é uma coisa boa. Em pequenas comunidades sociais (paróquias inglesas, cantões suíços), o sistema que governa pode, ocasionalmente, ser adequado à sociedade governada. Porém, quando a comunidade social cresce, transforma-se numa megalópole, num Estado, numa federação, o sistema de governo se distancia, torna-se impessoal, até desumano. Ele toma nosso dinheiro para propósitos que, aparentemente, não aprovamos; trata-nos como estatísticas abstratas; controla um exército; apoia uma força policial cuja função nem sempre parece ser de proteção.
Tudo isso, claro, é uma generalização que poderia ser considerada bobagem preconceituosa. Eu, particularmente, desconfio de políticos ou representantes do Estado (poucos escritores e artistas confiam) e acredito que as pessoas entram na política por duas razões: uma negativa, a de não terem talento para mais nada; outra positiva, a de que ter poder é sempre delicioso. Contra isso deve ser considerada a verdade de que o governo cria leis saudáveis para proteger a comunidade e, no grande mundo internacional, pode ser a voz de nossas tradições e aspirações. Mas ainda é fato que, em nosso século, o Estado foi responsável pela maior parte de nossos pesadelos. Nenhum indivíduo ou associação livre de indivíduos poderia ter chegado às técnicas de repressão da Alemanha nazista, ao massacre de bombardeios intensos ou à bomba atômica. Departamentos de guerra podem pensar em termos de milhões de mortos, enquanto o homem médio pode apenas fantasiar sobre o assassinato de seu chefe. O Estado moderno, seja em um país totalitário ou democrático, tem poder demais, e provavelmente estamos certos em temê-lo.
É relevante o fato de que os livros agourentos de nossa época não sejam sobre novos dráculas ou frankensteins, mas sobre o que poderia ser chamado de distopias - utopias invertidas, em que um governo megalítico imaginário leva a vida humana a um extraordinário extremo de miséria. Sinclair Lewis, em It can't happen here (um romance curiosamente negligenciado), apresenta uma América do Norte que se tornou fascista, e as características desse fascismo são tão norte-americanas quanto torta de maçã. O sardônico e grosseiro presidente estilo Will Rogers usa as cláusulas de uma constituição escrita por otimistas jeffersonianos para criar um despotismo que, aos olhos ignorantes da maioria, parece, inicialmente, mero senso comum. A vitória de intelectuais com cabelos longos e anarquistas verborrágicos sempre agrada ao homem médio, apesar de poder, na realidade, significar a supressão do pensamento liberal (a constituição norte-americana foi escrita por intelectuais de cabelos longos) e a eliminação da divergência de opiniões políticas. O livro 1984, de Orwell - uma visão aterradora que talvez tenha evitado uma realidade aterradora: ninguém espera que o ano de 1984 seja igual ao de Orwell - mostra o descarado amor pelo poder e pela crueldade que muitos líderes políticos escondem sob as flores da retórica "inspiradora". O "Núcleo do Partido" da Inglaterra futura de Orwell exerce controle sobre a população por meio da falsificação do passado, para que ninguém possa recorrer a uma tradição morta de liberdade; por meio da delimitação da língua, para que pensamentos de rebeldia não possam ser formulados; por meio de uma epistemologia de "duplipensar", que faz o mundo exterior parecer o que os governantes querem que pareça; e por meio de simples tortura e lavagem cerebral.
A visão norte-americana e a inglesa se aproximam ao pressupor que os instrumentos aversivos do medo e da tortura são as inevitáveis técnicas do despotismo, que busca controle total sobre o indivíduo. Mas, no longínquo ano de 1932, Aldous Huxley, em seu Admirável mundo novo, demonstrou que a submissa docilidade que poderosos Estados buscam de seus súditos pode ser mais facilmente alcançada por meio de técnicas não aversivas. Condicionamento pré-natal e na infância resulta em escravos contentes com a própria escravidão, e a estabilidade é reforçada não por meio de chicotes, mas de um contentamento imposto pela ciência. Este, claro, é um caminho que o homem pode seguir se realmente deseja um mundo sem guerras, crises populacionais, angústias dostoievskianas. As técnicas de condicionamento estão disponíveis, e talvez, em breve, a condição do mundo assuste o homem o suficiente para que ele as aceite. Porém, como diz Huxley por meio de seu herói, um selvagem incivilizado criado em uma reserva indígena, a felicidade não é, na verdade, o que queremos. O homem é, quase por definição, uma criatura inquieta - criativa, destrutiva, inclinada ao entusiasmo e à dor. O jovem selvagem exige o que o admirável mundo novo não pode oferecer: infelicidade; e se suicida.
"O homem", diz G. K. Chesterton, "é uma mulher" - ele não sabe o que quer. Há poucos de nós que não rejeitam imediatamente os pesadelos orwelliano e huxleiliano. De certa maneira, preferiríamos uma sociedade repressiva, repleta de polícias secretas e arame farpado, em vez de uma condicionada pela ciência, em que ser feliz significa fazer a coisa certa. Todos nós poderíamos concordar com o professor Skinner: uma sociedade bem governada e condicionada é algo excelente para uma nova raça - uma espécie de homem racionalmente convencida da necessidade de ser condicionada, desde que o condicionamento seja baseado em recompensas, não em punições. Mas não somos essa nova raça, e teimamos em não ser nada além do que somos - criaturas conscientes das próprias falhas e mais ou menos determinadas a fazer algo para resolvê-las, e fazê-lo de nossa própria maneira. Poderíamos até pensar em termos de dois seres humanos: nós mesmos, homens livres ou imperfeitos; e o novo homem, que ainda surgirá (criação do próprio homem, não da natureza), a quem talvez possamos chamar de neoantropos, um nome que soa como um estrangulamento.
Curiosamente, ou talvez não, as figuras históricas que mais reverenciamos são aqueles homens e mulheres que lutaram contra a repressão e foram até martirizados por defender os justos ou bons. Prometeu, Sócrates, Jesus Cristo, sir Thomas More, Giordano Bruno, Galileu - a lista é extensa, e a história continua a aumentá-la com heróis como os Kennedys e Martin Luther King Jr. É como se, perversamente, precisássemos da intolerância por não conseguirmos seguir adiante sem heróis. O que os grandes intransigentes fazem por nós é lembrar-nos de certos conceitos absolutos, como bem e mal. Foi a ocupação nazista da França que fez Jean-Paul Sartre formular uma nova filosofia para o homem, que soa como uma teologia, apesar de não ser. Ao falar sobre a "era de assassinos" prevista por Rimbaud, Sartre, em seu Que É a Literatura?, diz:
Fomos ensinados a levar a sério. Não é nossa culpa nem nosso mérito, se vivemos em uma época em que a tortura era um fato diário. Chateaubriand, Oradour, a Rue des Saussaies, Dachau e Auschwitz demonstraram que o Mal não é uma aparência, que saber sobre ele não o afasta, que não se opõe ao Bem como uma ideia confusa é oposta a uma ideia clara... Apesar do que desejamos, chegamos a essa conclusão, que parecerá chocante para almas elevadas: o Mal não pode ser redimido.
O estagnado, exaurido e corrupto período dos anos 1930 na França representou uma espécie de condição mecânica, um lúgubre funcionamento da máquina humana. Quando os franceses estavam submetidos à menor liberdade possível, sob ocupação, vivendo um paradoxo tipicamente humano, eles estavam, enfim, livres para recuperar um senso de dignidade da liberdade humana. Ocorreu a Resistência; houve a última e irredutível liberdade de dizer "não" ao mal. Trata-se de um direito indisponível em uma sociedade preocupada com reforços de comportamento. O fato de um homem poder se dispor a sofrer tortura e morte em nome de um princípio é o tipo de perversidade insana que faz pouco sentido no laboratório dos behavioristas.
Tendemos a usar o termo "mal" sem estarmos dispostos a defini-lo. Não se trata exatamente de um sinônimo para "ruim", pois não podemos falar de uma laranja malvada, exceto poeticamente, ou sobre uma performance maldosa de violino. Certamente não é um sinônimo para "errado". "Certo" e "errado" são, sabemos, termos com referências variadas - em outras palavras, o que é certo em determinada época pode ser errado em outra. Em um período de guerra contra a Alemanha, pode ser tão errado ter amizade com alemães que você corre o risco de ser morto por isso. Em um período de paz, pode ser certo ser amigável com eles, ou, pelo menos, algo de importância neutra. É certo obedecer quaisquer leis que estejam em voga em determinado momento, e errado insultá-las propositalmente. Não podemos levar o certo e o errado muito a sério, pois eles mudam e oscilam com frequência. Precisamos de conceitos absolutos, como "bem" e "mal". Nossa atitude em relação ao bem é curiosamente descompromissada ou indiferente; estamos mais acostumados a ser instruídos a não fazer o mal do que estimulados a fazer o bem.
O mal é sempre o mal, e pode ser considerado, talvez, algo essencialmente destrutivo, uma negação consciente e deliberada da vida orgânica. É sempre maldade matar outro ser humano, mesmo que, às vezes, seja certo fazê-lo. Talvez seja maldade matar qualquer organismo, até mesmo o gado e as ovelhas que precisamos para nossa nutrição. Ser um carnívoro não é certo nem errado, pelo menos na sociedade ocidental: é algo de significado neutro. O hinduísmo é tão veemente em relação à santidade de toda vida que se opõe à matança de qualquer coisa, seja por comida ou até, em certas situações, por autoproteção. É permitido usar uma rede contra mosquitos, mas não mata-moscas. Eu já vi operários hindus paralisando grandes empreendimentos imobiliários para proteger a vida subterrânea que subiu à superfície com o movimento de uma pá. O Oriente e o Ocidente acreditam, essencialmente, na santidade da vida, mas o Ocidente é mais pragmático em relação a ela. Em uma espécie de extensão metafórica, o Ocidente vai mais longe do que o Oriente no que diz respeito ao mal (não apenas ao errado) atribuído à destruição de um artefato, especialmente se tal artefato for uma obra de arte. Uma obra de arte é, de certa maneira, orgânica, e rasgar uma pintura ou demolir uma escultura não é apenas uma ofensa contra a propriedade; é uma ofensa contra a vida.
Poder-se-ia considerar o princípio do mal no âmbito da conduta em que a destruição de um organismo não é intencional. É errado forçar crianças a consumir drogas, mas poucos negariam que é, também, maldade: a capacidade de autodeterminação daquele organismo está sendo prejudicada. Mutilar é maldade. Atos de agressão são maldosos, apesar de sermos propensos a encontrar fatores atenuantes no espírito passional da vingança ("um tipo de justiça selvagem", definiu Francis Bacon) ou no desejo de proteger os outros de esperados, senão praticados, atos de violência. Todos nó guardamos, na imaginação ou na memória, imagens do mal em que não há sequer um sopro de atenuação - quatro jovens sorridentes torturando um animal, um estupro em gangue, vandalismo a sangue frio. Aparentemente, o condicionamento forçado de uma mente, por melhor que seja a intenção social, é maldade. / Tradução de Henrique B. Szolnoky
Copyright The Clockwork Condition (A Condição Mecânica) © The Estate of Anthony Burgess

Trecho de Laranja Mecânica, de Anthony Burgess (tradução de Fábio Fernandes, editora Aleph):
"-- Então, o que vai ser, hein?
Éramos eu, ou seja, Alex, e meus três druguis, ou seja, Pete, Georgie e Tosko, Tosko porque ele era muito tosco, e estávamos no Lactobar Korova botando nossas rassudoks pra funcionar e ver o que fazer naquela noite de inverno sem-vergonha, fria, escura e miserável, embora seca. O Lactobar Korova era um mesto de leite-com, e possa ser, Ó, meus irmãos, que tenhais esquecido de como eram esses mestos, pois as coisas mudam tão skorre hoje em dia e todo mundo esquece tão depressa, porque também quase não se lê mais os jornais mesmo.
Bom, o que vendiam ali era leite-com-tudo-e-mais-alguma-coisa. Eles não tinham autorização para vender álcool, mas ainda não havia leis contra prodar algumas das novas veshkas que costumavam colocar no bom e velho moloko, então você podia pitar com velocet, sintemesc, drencrom ou alguma outra veshka que lhe daria uns belos de uns quinze minutos muito horrorshow só ali, admirando Bog e Todos os Seus Anjos e Santos no seu sapato esquerdo com luzes espocando por cima da sua mosga. Ou você podia pitar leite com faca dentro, como a gente costumava dizer, e isso te aguçava e te deixava pronto para um vinte-contra-um do cacete, e era isso o que estávamos pitando naquela noite com a qual começo esta história".
LARANJA MECÂNICAAutor: Anthony Burgess
Tradução: Fábio Fernandes
Editora: Aleph (352 págs., R$ 79; lançamento previsto para o próximo dia 22)