domingo, 20 de janeiro de 2013

“O processo de Nuremberga” de Arkadi Poltorak


 
Não obstante algumas insuficiências do veredicto - nomeadamente as três absolvições – o Processo de Nuremberga foi um acontecimento histórico positivo. Relembrar esse processo e os crimes monstruosos que condenou é tanto mais necessário quando prosseguem e se alargam campanhas de falsificação da história e de branqueamento do fascismo. Quando o imperialismo volta a utilizar processos semelhantes de genocídio em massa. Quando forças de extrema-direita e fascistas reforçam a influência eleitoral e em vários casos ascendem ao poder ou participam nele.
Na Europa, as campanhas de branqueamento do fascismo ganharam amplitude nos últimos anos. Em livros, na televisão e em mesas redondas, historiadores, politólogos e sociólogos esforçam-se por negar, em Portugal, na Espanha, na Hungria, na Roménia que Salazar, Franco, Horthy e Antonesco tenham sido ditadores e qualificam os seus regimes de «autoritários”, afirmando que praticaram politicas musculadas. A própria ação das polícias políticas é minimizada. Os fascismos ibéricos, nomeadamente, teriam sido uma invenção dos comunistas.
Na Itália os políticos de direita vão mais longe. Partidos neofascistas têm exercido o poder e Mussolini é apresentado por destacados intelectuais como um estadista progressista, autor de uma obra revolucionária.
Assim se tenta apagar a memória em agressão à História.
Reli há dias um livro que adquiri na União Soviética e que então me lançou em profunda meditação sobre a «elite nazi» responsável pela tragédia da II Guerra Mundial: “O Processo de Nuremberga», de Arkadi Poltorak, o juiz que foi chefe do secretariado soviético do Tribunal Internacional que julgou os grandes criminosos de guerra nazis naquela cidade alemã.*
Foram 22 os militares e civis então julgados. Onze, entre os quais Goering, Keitel, Jodl, Ribbentrop, Rosenberg, Streicher, Kaltenbrunner, Seyss Inquart, Sauckel, Frank e Frick foram condenados à morte e enforcados.**
Rudolf Hess foi condenado a cumprir prisão perpétua.
Os almirantes Raeder e Doenits, e Albert Speer, Schirach e Neurath, condenados em penas pesadas, foram mais tarde amnistiados e faleceram em liberdade.
Hitler, Goebbels, Himmler suicidaram-se nos últimos dias da guerra para escapar ao castigo. Ley suicidou-se no carcere nas vésperas da audiência. Bormann, foragido, foi também condenado à morte.
Schacht, Von Papen, Fritzsche foram absolvidos apesar da oposição dos magistrados soviéticos.
Durante a audiência, que durou 250 dias, o tribunal examinou os originais de mais de 3000 documentos, interrogou 200 testemunhas e recebeu 300 000 depoimentos sob juramento. Muitas das provas eram documentos confiscados pelos exércitos aliados nos estados-maiores alemães, em repartições públicas, e esconderijos em minas de sal, paredes falsas e subterrâneos. Os advogados de defesa defenderam os réus sem restrições, como então nos tribunais ocidentais.
O Procurador-Geral americano, Robert Jackson, justificou o Tribunal Internacional com estas palavras:
«O que confere tanta importância a esta audiência é o facto de estes réus representarem influências nefastas que, muito tempo depois de os seus corpos se terem desfeito em pó, ainda inquietarão o mundo. Eles são o símbolo vivo do ódio racial, do reino do terror, da arrogância e da crueldade, da vontade de poder, são os símbolos de um nacionalismo e de um militarismo selvagens, de intrigas da vontade de poder, são os símbolos de um nacionalismo e de um militarismo selvagens, de intrigas e preparativos para uma guerra, no decurso da qual gerações inteiras foram na Europa transplantadas, em que homens foram exterminados, lares destruídos e toda a economia levada ao depauperamento.»
Roman Rudenko, o Procurador-Geral soviético, sublinhou na caracterização do Processo que era a primeira vez Historia da Humanidade que eram julgados criminosos que se tinham apossado de um Estado para fazerem dele instrumento de monstruosos crimes.
No veredicto emitido, o Tribunal Internacional recordou que «os campos de concentração se haviam tornado lugares de extermínio organizado e metódico», lembrando que os assassinos se compraziam em requintes de crueldade. Submetiam com frequência prisioneiros a torturas monstruosas, incluindo «diferentes experiências sobre a reação a grandes altitudes, ao tempo de vida na água gelada, ao efeito de balas envenenadas e a certas doenças contagiosas»
Numa inesquecível visita a Auschwitz em 1981 tive a oportunidade de ver abajures de pele humana, margarina e sabonetes confecionados com gordura humana, e maquinas que transformavam ossos humanos em adubos.
O livro de Poltorak chama a atenção para uma realidade esquecida: os magnatas da indústria e da finança do III REICH, Krupp, Voegler, Lowenfeld, Schroeder, Tyssen, Schnitzler contribuíram ativamente para a subida de Hitler ao poder, apoiaram as suas guerras de agressão, alguns colaboraram na estratégia da «solução final» cujo desfecho foram as camaras de gás e os formos crematórios. Só um deles, Gustav Krupp, compareceu em Nuremberga como reu, mas adoeceu e não foi ali julgado. Os americanos acabaram, aliás, por devolver à família Krupp as suas fabulosas indústrias que durante a guerra tinham ganho milhões utilizando o trabalho escravo nas fábricas de armamento.
No prefácio ao livro de Poltorak, o procurador soviético, L. Smirnov, presidente do Supremo Tribunal da URSS, cita os planos de Hitler para eliminar milhões de eslavos. A referência é oportuna. O genocídio dos judeus, amplamente conhecido, é justamente condenado pela humanidade.
Mas quantos americanos e europeus leram algo sobre o «plano de despovoamento» de que Hitler se orgulhava? Poucos.
Em conversa com Raushning, um familiar seu, o Führer, apos a invasão da URSS, explicou-lhe “a técnica do despovoamento”. O objetivo era exterminar 30 milhões de russos e polacos, «seres de raças inferiores que se multiplicam como larvas» e abrir os territórios ocupados do Leste à colonização alemã.
LÁGRIMAS POR NUREMBERGA
Transcorridos 66 anos sobre o veredicto de Nuremberga, os dirigentes das grandes potências ocidentais e influentes media internacionais evitam o tema. Tornou-se incómodo.
A Alemanha é atualmente o motor da Comunidade Europeia. Sucessivos governos da CDU e do SPD amnistiaram criminosos de guerra nazis. Dezenas de milhares nunca foram presos e julgados e muitos ocuparam altos cargos na Administração, no Exercito, na Policia, inclusive nos tribunais da Republica Federal. Alguns marechais da Wehrmacht envelheceram rodeados de respeito e admiração.
Na Grã- Bretanha e nos Estados Unidos as críticas a Nuremberga não se fizeram aliás esperar.
Lord Hankey, diplomata prestigiado, definiu o Processo como «perigoso precedente para o futuro”. O jornalista Belgion Montgomery, comentando a audiência, escreveu: «se um simples mortal tivesse caído da lua em Nuremberga …havia de pensar que estava no reino do absurdo total».
Influentes média ocidentais, sobretudo nos EUA, não esconderam ao longo do Processo a sua simpatia por alguns dos réus.
Os Estados Unidos promoveram a saída clandestina para o seu país de centenas de ex-nazis acusados de crimes graves, incluindo cientistas e militares que desempenharam funções importantes em universidades e na própria Administração.
Em Nuremberga, ao longo da audiência, alguns dos mais destacados nazis, inicialmente arrogantes, mudaram de atitude. Goering, Keitel, Jodl, Doenitz, na esperança de salvarem a pele atribuíram a maioria dos crimes de que eram acusados a outros réus, sobretudo a Himmler, a Kaltenbrunner e Bormann. Os aristocratas, Von Papen e Neurath, e o banqueiro Schacht, criticaram Hitler e as SS, elogiaram com frequência os EUA e não dirigiam sequer a palavra ao SS Kaltenbrunner.
Não obstante algumas insuficiências do veredicto - nomeadamente as três absolvições – o Processo de Nuremberga foi um acontecimento histórico positivo. Conforme salienta Arkadi Poltorak no seu livro, «o perigo que ameaçara a humanidade uniu no seio do Tribunal Internacional, como nos campos de batalha, homens de diferentes países e continentes, representantes de diferentes sistemas sociais».
As nuvens da guerra fria já se formavam, entretanto, no horizonte. Foi durante o julgamento que Churchill pronunciou o famoso discurso de Fulton, impregnado de anticomunismo.
Mas era então inimaginável que, transcorridas menos de sete décadas, o capitalismo se implantaria na Rússia, apos a desagregação da União Soviética, e que crimes monstruosos contra a humanidade voltariam a ser cometidos, desta vez pelas potências que, aliadas à URSS, tinham combatido e derrotado o Reich hitleriano.
O imperialismo contemporâneo empenha-se em apagar da Historia a memória do fascismo.
Dai a atualidade permanente do belo livro de Arkadi Poltorak sobre o Processo de Nuremberga.
*O Processo de Nuremberga, Arkadi Poltorak, Edições Progresso, Moscovo 1989
**Durante o Processo de Nuremberga foram julgados somente 22 grandes criminosos de guerra. Posteriormente as quatro potências aliadas - Reino Unido, EUA,URSS e França - e os tribunais alemães julgaram dezenas de civis e militares nazis. As penas foram na maioria dois casos suaves.
 
 
 
Lev Smirnov
20.Jan.13 :: 
Lev Smirnov  
O diário.info publica hoje o prefácio de Lev Smirnov ao livro “O processo de Nuremberga” de Arkadi Poltorak. Smirnov teve um papel muito destacado no referido julgamento, bem como no processo de Tóquio, em que foram igualmente julgados fascistas japoneses.
A exigência da constituição de um Tribunal Militar Internacional para julgar os monstruosos crimes nazi-fascistas fora apresentada pelo Governo Soviético ainda em Outubro de 1942, e tivera eco imediato numa declaração de Roosevelt. É importante a referência, porque esta exigência soviética é apresentada cerca de um ano antes da abertura da “2ª frente”, ou seja, numa altura em que recaía fundamentalmente sobre o Exército Vermelho a tarefa de enfrentar a gigantesca máquina de guerra nazi-fascista. É apresentada num momento em que ainda não está em marcha a contra-ofensiva em Stalingrado, em que ainda não se travou a batalha decisiva de Koursk.
A constituição do Tribunal Militar Internacional e o processo de Nuremberga não constituíram, como alegam alguns reaccionários, um “julgamento dos vencidos pelos vencedores”. Tratou-se de um julgamento com todas as garantias jurídicas, em que responsáveis por crimes de uma escala e barbaridade sem precedentes foram condenados, não como derrotados, mas como executores da mais monstruosa engrenagem de extermínio que o imperialismo foi até hoje capaz de engendrar.


Na noite de 9 de Maio de 1945, no edifício da Escola de Engenharia de Karlhorst, nos arredores de Berlim, foi assinado o acto de rendição incondicional da Alemanha hitleriana.
O desfecho da Segunda Guerra Mundial, a mais sangrenta e devastadora da história da humanidade, há muito que estava previsto. Tinham cessado em Berlim os combates de rua, no Reichstag drapejava a bandeira vermelha. Hitler, o mentor de toda a camarilha nazi, suicidara-se, ele que tinha imposto aos fascistas alemães a tarefa de conquistar o mundo e declarara com arrogância: “Mesmo que não sejamos bem-sucedidos, arrastaremos na nossa ruína metade do mundo… 1918 não se repetirá. Não capitularemos nunca».
A heróica façanha do povo soviético fez abortar os abomináveis projectos dos hitlerianos. A civilização foi salva ao preço de imensos esforços e sacrifícios de toda a. coligação anti­hitleriana e, em primeiro lugar, da URSS. Hitler não conseguiu destruir metade do mundo mas os nazis, durante a guerra de agressão por eles desencadeada, cometeram crimes monstruosos, sem precedentes na História.
Esses crimes eram concebidos e friamente calculados à medida que se iam elaborando os metódicos planos de agressão. Ao prepararem-Se para anexar a Checoslováquia, os generais hitlerianos do Alto
Cornando projectaram, conjuntamente com os SS do Serviço de Segurança de Himmler, a actividade de Einsatzgruppen que deviam não só suprimir os elementos oposicionistas mas também promover o extermínio em massa dos povos eslavos deste país, com vista à «germanização» total dos territórios invadidos. Ao mesmo tempo que preparavam o plano de invasão da União Soviética, dito “Plano Barbarossa», os carrascos hitlerianos davam os últimos retoques à “disposição relativa a uma jurisdição especial para a zona Barbarossa>>, documento monstruoso em que as atrocidades contra a população civil e os prisioneiros de guerra se erigiam em política de Estado.
Muito tempo antes da agressão contra a URSS, dizia Hitler a Rauschning, familiar seu: «Devemos desenvolver a técnica do des povoamento. Se me perguntar o que entendo por despovoamento, responder-lhe-ei que encaro isso como a supressão de unidades raciais inteiras. E vê o que tenho intenção de fazer. É essa, na globalidade, a minha tarefa. A natureza é cruel e é por isso que nós podemos ser também cruéis. Tenho o direito de exterminar milhões de seres de raças inferiores que se multiplicam como larvas.”
Com vista à aplicação deste programa de canibais foram inventados venenos de efeito rápido como o “Ciclone A» e o «Ciclone B>>, máquinas de matar como os Gaswagen, mecanismos para triturar os ossos humanos, aparelhos para os transformar em adubos; foram descobertos métodos para tratar a pele humana para fins industriais. Foram fundadas firmas especiais para elaborar diversos tipos de fornos crematórios para uso nos campos de exterminação.
Toda a guerra de agressão desencadeada pelo imperialismo é um terrível crime contra a paz e a humanidade. Mas em todo o historial bélico nunca tinha sido vista actividade criminosa tão intensa e tão propagada como a do hitlerismo durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo os desígnios de Hitler e dos seus cúmplices, o fim dessa guerra devia marcar o início de novos malefícios para os povos subjugados.
Pelo menos doze milhões de homens foram assassinados nos campos de concentração e nos centros de exterminação em massa em que os Einsatzgruppen se dedicavam às suas «operações especiais” nas câmaras de gás, no decurso de odiosas experiências e por outros meios selvagens. Após a guerra, os hitlerianos contavam exterminar ainda mais trinta milhões de eslavos. Estes horripilantes cálculos assumiam a forma de ordens e instruções.
Mas a despeito dos desígnios desses maníacos, a guerra culminou no esmagamento total da máquina política e militar hitleriana. Chegou para eles a hora de expiarem as suas perversidades.
O Tribunal Militar Internacional não podia deixar de ser instituído, porque a opinião pública mundial jamais teria tolerado que os criminosos ficassem impunes. Já na Declaração dos dirigentes das três potências da coligação anti-hitleriana, publicada em Outubro de 1943, eram prevenidos os oficiais alemães e os membros do partido nazi que tivessem directamente participado nas atrocidades, massacres e execuções em territórios ocupados de que seriam “enviados para os países em que os seus abomináveis actos tinham sido cometidos, a fim de aí serem julgados e punidos segundo as leis desses países libertados”. «Que aqueles que ainda não mancharam as mãos no sangue dos inocentes - dizia mais adiante essa mesma Declaração - tenham cuidado em não se juntarem às fileiras dos culpados, porque as três Potências Aliadas persegui-los-ão até ao fim do mundo e entregá-los-ão aos seus acusadores para que seja feita justiça”. A Declaração constatava, por outro lado, que não se referia ao caso dos grandes criminosos de guerra alemães cujos actos não diziam respeito a um lugar geográfico determinado e que esses seriam punidos por decisão comum dos Governos Aliados.
A exigência de que fosse instituído um Tribunal Militar Internacional para julgar os dirigentes criminosos do regime nazi está contida na Declaração do Governo Soviético de 14 de Outubro de 1942 «Sobre a responsabilidade dos invasores hitlerianos e dos Seus cúmplices que cometeram crimes nos países ocupados da Europa”. Porta-voz de toda a humanidade progressista, o Governo Soviético declarava que castigar com severidade os desmascarados caudilhos do bando hitleriano devia ser considerado como um premente dever para com as viúvas e órfãos, pais e amigos das vítimas inocentes torturadas e levadas à morte por ordem dos acima mencionados criminosos. O Governo Soviético achava necessário fazer comparecer perante um Tribunal Internacional e punir com todo o rigor da lei qualquer chefe da Alemanha fascista que, no decurso da guerra, tivesse caído nas “mãos das autoridades dos países em luta contra a Alemanha hitleriana”.
Na mesma época, em Outubro de 1942, sob pressão da opinião pública americana, o presidente Franklin Roosevelt interveio, ele também, contra os bonzos nazis. Declarou ele que essa camarilha de chefes e seus ferozes cúmplices devia ser “denunciada, detida e julgada segundo o código penal”.
A instituição do Tribunal Internacional de Nuremberga respondia pois inteiramente ao desejo de os povos verem castigar com toda a severidade os grandes criminosos de guerra hitlerianos, bem como às declarações oficiais dos governos da coligação anti•hitleriana publicadas durante a guerra.
O processo, estritamente conduzido segundo as regras usuais da justiça, incluindo o direito à defesa atribuído aos réus, permitiu examinar meticulosa e objectivamente as provas de culpabilidade de pessoas concretas e, mais ainda, desempenhou um primordial papel na revelação de todos os horrores do fascismo engendrado pelo capital monopolista alemão.
O medo de um justo castigo levou Hitler ao suicídio, bem como Himmler e Goebbels. Também acossado por esse pavor, Ley, o repressor dos sindicatos alemães, matou-se na sua cela da prisão de Nuremberga. Mas a maioria dos mais activos cúmplices de Hitler tiveram de responder pelas suas atrocidades. Traduzidos em justiça perante o Tribunal Militar Internacional, eles foram julgados e condenados à merecida pena.
Foram levados a julgamento:
Hermann Wilhelm Goeríng, marechal do Reich, comandante da Força Aérea da Alemanha hitleriana, braço direito de Hitler desde 1922, fundador e chefe dos destacamentos de choque (SA), um dos organizadores do incêndio do Reichstag e da tomada do poder pelos nazis;
Rudolf Hess, adjunto de Hitler no partido nazi, ministro sem pasta, membro do Conselho Secreto, membro do Conselho de Ministros para a Defesa do Reich;
Joachim Von Ribbentrop, responsável do partido nazi para as questões de política externa, depois embaixador na Inglaterra e ministro dos Negócios Estrangeiros;
Robert Ley, um dos dirigentes do partido nazi, chefe da chamada «Frente do Trabalho»;
Wilhelm Keitel, marechal-de-campo, chefe do estado-maior supremo da Wehrmacht (OKW);
Ernst Kaltenbrunner, obergruppenfuhrer SS, chefe do Gabinete principal da Segurança do Reich (RSHA) e da Polícia de Segurança, braço direito de Himmler;
Alfred Rosenberg, adjunto de Hitler para as questões de “formação espiritual e ideológica» dos membros do partido nazi, ministro do Reich para os territórios ocupados do Leste;
Hans Frank, chefe do partido nazi para as questões jurídicas, presidente da Academia de Direito, depois ministro da justiça, governador-geral da Polónia;
Wilhelm Frick, ministro do Interior, responsável pelo protectorado da Boémia-Morávia;
Julius Streicher, um dos fundadores do partido nazi, Gauleiter da Francónia (1925-1940), instigador de pogroms judeus em Nuremberga, editor do diário anti-semita Der Sturmer, «ideólogo» do anti-semitismo;
Walther Funk, ministro-adjunto da Propaganda, depois ministro da Economia, presidente do Reichsbank e comissário-geral para a Economia de Guerra, membro do Conselho de Ministros para a Defesa do Reich e membro do Comité Central de Planificação;
Hjalmar Schacht, primeiro conselheiro de Hitler para as questões económicas e financeiras;
Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, magnata da indústria, director e co-proprietário das fábricas Krupp, organizador do rearmamento da Alemanha;
Erich Raeder, Grande-almirante, ex-comandante das forças navais da Alemanha (1935-1943), almirante-inspector da Marinha de Guerra;
Karl Doenítz, Grande-almirante, comandante da frota de submarinos, depois comandante das Forças Navais da Alemanha e sucessor de Hitler no cargo de chefe do Estado;
Baldur von Schirach, organizador e dirigente da Hitlerjugend (juventude Hitleriana), Gauleiter do partido nazi e governador de Viena;
Fritz Sauckel, Obergruppenfuhrer SS, encarregado da administração da mão-de-obra requisitada nos países ocupados;
Alfred Jodl, general do exército, chefe do Gabinete de Operações do OKW;
Franz von Papen, importante espião e sabotador internacional, chefe da espionagem alemã nos Estados Unidos durante a Primeira Guerra Mundial, um dos organizadores da tomada do poder pelos hitlerianos, embaixador na Áustria e na Turquia;
Arthur Seyss-Inquart, um dos chefes do partido nazi, Statthalter da Áustria, vice-governador geral da Polónia, comissário dos territórios dos Países Baixos;
Albert Speer, amigo intimo de Hitler, ministro do Armamento, um dos directores do Comité Central de Planificação;
Konstantin von Neurath, ministro sem pasta, presidente do Conselho Secreto de Ministros e membro do Conselho de Defesa, chefe do protectorado da Boémia-Morávia;
Hans Fritzsche, secretário de Estado da Propaganda sob a autoridade de Goebbels, depois chefe da radiodifusão;
Martin Bormann (1) , chefe da chancelaria do partido, secretário e homem de confiança de Hitler.
Além disso, as potências que instituíram o Tribunal Internacional declararam-no competente para julgar os assuntos das seguintes organizações criminosas: «destacamentos de protecção” do partido hitleriano (SS); polícia secreta ou Gestapo (incluindo o Serviço de Segurança); direcção do partido hitleriano; destacamentos de choque (SA); gabinete do Reich; Estado-Maior General e Alto Comando das Forças Armadas Alemãs. Os seus processos trouxeram à luz do dia o funcionamento do complexo e global mecanismo de que os nazis se serviam para levarem a cabo os seus odiosos planos.
Roman Rudenko, o procurado geral soviético, salientou ao caracterizar o processo de Nuremberga que era a primeira vez que eram julgados criminosos que se tinham apossado de todo um Estado para dele fazerem instrumento dos seus monstruosos crimes.
Pouco mais de seis meses mediaram entre o Dia da Vitória contra a Alemanha hitleriana e a inauguração do Tribunal Militar Internacional. Nestes entrementes tinha sido elaborado o Estatuto do Tribunal e as normas de funcionamento, recolhidas e sistematizadas as provas essenciais da Acusação, redigida a nota de culpa, ultimado e coordenado o funcionamento de um aparelho bastante complicado, representando as quatro Potências Aliadas.
Apesar da relativa brevidade da investigação, o volume de provas produzidas pela Acusação era considerável. O tribunal examinou mais de 3 mil documentos autênticos, interrogou duas centenas de
testemunhas (centenas de outras foram interrogadas por ordem sua por comissões especiais) e recebeu trezentos mil depoimentos sob juramento.
Muitas das provas eram documentos confiscados pelos exércitos aliados nos estados-maiores alemães, nos edifícios públicos e outros locais. Alguns foram descobertos em minas de sal, em subterrâneos, dentro de paredes falsas.
O livro relata a ambiência dos trabalhos do Tribunal Militar Internacional. As dezenas de homens de leis que nele representavam a URSS, os EUA, a Grã-Bretanha e a França eram, na sua maioria, magistrados altamente qualificados. Diferiam quanto às ideias políticas e jurídicas. Mas, salvo raras excepções, colaboraram frutuosamente ao longo de todo o processo e foram unânimes na sua aspiração de procurarem a verdade, de reconstituírem um quadro completo dos crimes hitlerianos e infligirem o justo castigo aos culpados.
Essa unanimidade foi favorecida pelo próprio carácter dos actos dos inculpados, pela inaudita crueldade e desumano cinismo dos seus crimes. O falecido Robert Jackson, procurador-geral americano, disse muito justamente na sua declaração da abertura:
“As nossas descrições e as nossas provas darão motivo ao vosso asco, ides dizer-me que vos privei do sono. Mas trata­se de coisas que o mundo deve saber e que não nos compete camuflar aos olhos do mundo civilizado. A Alemanha tornou-se uma imensa câmara de torturas, por todo o mundo foram ouvidos os gritos das vítimas. Eu sou um dos que no decorrer da guerra recebi todas essas narrativas de atrocidades com a maior das desconfianças. Mas as provas são agora formais, direi mesmo que nem sequer uma única palavra poderá ser contraditada. Os réus apenas podem negar a sua responsabilidade pessoal». .
As predições de Jackson confirmaram-se. Se nas primeiras sessões do Tribunal os réus se tentaram debalde desculpar, seguidamente, no decorrer da argumentação, foram literalmente esmagados pelas provas. Os numerosos documentos, os depoimentos das vítimas e testemunhas eram irrefutáveis.
Arkadi Poltorak, que participou no processo de Nuremberga do primeiro ao último dia como chefe do secretariado soviético no Tribunal Internacional, soube transmitir a atmosfera que reinava na sala de audiências e nos corredores, pintou com fidelidade os retratos de alguns réus. Réus esses que convém uma vez mais recordar. A história dos seus crimes e do seu fim vergonhoso ultrapassa em muito o quadro das biografias individuais.
Quando as feridas causadas ao mundo pela agressão hitleriana ainda sangravam, o procurador-geral Jackson dizia:
«O que confere tal importância a esta audiência é que estes réus representam influências nefastas que, muito tempo depois de os seus corpos se terem desfeito em pó, inquietarão ainda o mundo. Eles são os símbolos vivos do ódio racial, do reino do terror, da arrogância e da crueldade, da vontade de poder, são os símbolos de um nacionalismo e de um militarismo selvagens, de intrigas e de preparativos para uma guerra no decurso da qual gerações inteiras na Europa foram transplantadas, em que homens foram exterminados, lares foram destruídos e toda a economia levada ao depauperamento. A tal ponto eles se identificaram com as suas ideologias e com as forças que eles próprios manipulavam que todo o acto de compaixão a seu respeito constituiria um triunfo e um encorajamento dado a todos os males que aos seus nomes se associam. A nossa civilização não pode admitir qualquer compromisso com estas correntes maléficas, que ressurgiriam com novo alento se não opuséssemos a estes homens, em que subsistem essas correntes, toda a nossa força e todo o nosso poder”.
Os princípios do Tribunal de Nuremberga, aprovados e homologados na qualidade de princípios do Direito Penal internacional pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, há quem os gostaria de votar ao esquecimento. O governo da República Federal da Alemanha já tentou amnistiar todos os criminosos nazis. Dezenas de milhares de facínoras culpados dos maiores crimes continuam a
gozar de impunidade na Alemanha ocidental. Mais ainda, muitos deles ocupam altos cargos na Administração, no Exército, na Polícia, na Justiça.
Há tempos atrás, Robert Kempner, antigo vogal americano (Poltorak menciona-o no seu livro) usou da palavra perante os estudantes de Nuremberga e fez notar com razão que na República Federal da Alemanha não se procedia a qualquer inquérito sobre os casos de mais de sete mil funcionários do «Departamento Central de Segurança”, esse mesmo RSHA cujo criminoso chefe Kaltenbrunner tinha sido enforcado por decisão do Tribunal Internacional. Continuam também impunes numerosos membros dos tribunais que condenaram à morte resistentes antifascistas e outros adversários do nazismo.
Os que assistiram ao processo de Nuremberga recordarão para sempre o interrogatório do Obersturmbarmfuhrer SS Hoess, ex­comandante do campo de concentração de Auschwitz. Quando lhe perguntaram se era verdade que os torcionários SS tinham queimado crianças vivas nos fornos crematórios, ele de imediato respondeu pela afirmativa. Depois acrescentou: «As crianças de tenra idade eram invariavelmente exterminadas, porque não eram capazes de trabalhar. . . Muitas vezes as mulheres escondiam-nas debaixo das roupas, mas quando as encontrávamos, claro, levávamo-las para exterminar». Hoess confessou que durante o período em que foi chefe do campo (Maio de 1940 a Setembro de 1943) foram gaseadas em Auschwitz dois milhões e quinhentas mil pessoas e outras quinhentas mil morreram de doença ou de fome. E a documentação recolhida pela comissão mista polaco-soviética revela que o número total dos mortos de Auschwitz ultrapassa os quatro milhões.
No seu veredicto, o Tribunal Militar Internacional constata que os campos de concentração tornaram-se afinal lugares de exterminação organizada e metódica. Os assassinos compraziam-se em requintes de crueldade. Submetiam com frequência homens vivos a experiências desumanas, incluindo diferentes experiências respeitantes às grandes altitudes, ao tempo em que seres humanos podem viver na água gelada, ao efeito de balas envenenadas e a certas doenças contagiosas. Foi experimentada a esterilização de homens e mulheres por meio de raios X e de outros métodos.
Os ideólogos do revanchismo esforçam-se por caluniar o processo de Nuremberga, por fazer cair no esquecimento e pôr em dúvida as atrocidades hitlerianas, por apresentar o julgamento e toda a actividade do Tribunal Militar Internacional como um ajuste de contas de vencedores para vencidos. Tentativas vãs, bem entendido, em relação àqueles que se lembram dos acontecimentos do tempo da guerra. Mas é importante que os que nasceram durante ou depois da guerra saibam também a verdade.
O veredicto do Tribunal Internacional foi justo. O tribunal condenou a agressão hitleriana e puniu severamente os principais criminosos de guerra nazis. Declarou criminosas as principais organizações
e instituições fundadas pelos hitlerianos para levarem a cabo os seus abomináveis planos. Não teve com certeza razão ao não declarar como criminosos o Estado-Maior General e o Alto Comando da Ale-
manha hitleriana. O juiz soviético salientou o facto na sua declaração particular. Mas apesar dessa divergência de pontos de vista num tão importante aspecto, ainda assim o Tribunal Militar Internacional
inscreveu no seu veredicto, a propósito dos oficiais superiores hitlerianos:
«Eles são grandemente responsáveis pelas desgraças e sofrimentos de milhões de seres humanos. Desacreditaram a honrosa profissão militar. Sem a conduta destas centenas de chefes das Forças Armadas, os intuitos agressivos de Hitler e dos outros nazis teriam permanecido teóricos e estéreis. Se bem que eles, nos termos do Estatuto, não tenham constituído um grupo, formaram sem sombra de dúvida uma casta militar implacável. O militarismo. alemão contemporâneo atingiu, como o seu recente aliado, o nacional-socialismo, uma breve expansão, comparável ou superior à das gerações anteriores.
O mundo deve saber que muitos destes homens ridicularizaram o juramento militar. Eles tinham de obedecer, dizem agora, quando isso lhes convém para a defesa; eles desobedeceram, dizem também, quando se verifica que estavam ao corrente dos crimes ou que guardaram silêncio, assistindo à perpetração dos crimes cometidos nas mais vastas e horrorosas proporções a que o mundo jamais teve a infelicidade de assistir”.
O livro de Poltorak fala-nos de um passado recente., Mas este testemunho vivo, colorido, fiel, mais não fez do que evocar acontecimentos que se tomaram históricos. Muitos factos aqui relatados permitem analisar no seu devido valor o presente, compreender que forças maléficas dirigem a actividade dos actuais ideólogos e pragmatistas da política revanchista, em que abismos de sofrimento os autores de uma nova guerra estão prestes a lançar a humanidade.
O hitlerismo, engendrado pelo capital monopolista alemão, subiu ao poder, consolidou-se e pôde cometer os seus incontáveis crimes graças ao apoio e participação imediata da reacção imperialista internacional. Como todo o fascismo, foi uma ditadura terrorista declarada das mais reaccionárias forças imperialistas. Os industriais e grandes financeiros alemães - os Krupp, os Voegler, os Loewenfeld, os Schroeder, os Schnitzler, etc. - estavam por trás dos bandidos SS. Não contentes em pôr ao serviço da agressão hitleriana todo o potencial económico da Alemanha, estes reis não coroados do capital participaram directamente nos crimes mais horrendos dos hitlerianos, assassinando dezenas de milhares de vítimas no decurso de experiências atrozes, extenuando milhões de deportados reduzidos à escravatura e matando-os a seguir nas câmaras de gás cujos tóxicos eram fornecidos pela «IG Farbenindustrie», uma das mais poderosas associações monopolistas.
Poltorak relata em pormenor as manobras criminosas de Hjalmar Schacht, esse emissário do capital monopolista alemão ao governo hitleriano, estreitamente ligado aos maiores monopólios internacionais, O tribunal de Nuremberga, é sabido, absolveu Schacht por uma maioria de três votos contra um só (o do juiz soviético). Mas os milhares de pessoas que lerem este livro não o absolverão. Verão com toda a clareza qual foi o seu papel no desenvolvimento da conspiração nazi contra a paz, contra a humanidade.
O autor destrói a lenda da «oposição» de Schacht ao regime hitleriano. Aquando da derrocada do hitlerismo, o medo do castigo levou muitos dos seus criadores a declararem-se em «oposição». Uns, como Schacht e os participantes na conjura dos generais, fizeram-no mais cedo; outros, como Himmler e Goering, imediatamente antes da catástrofe. O facto é que até à agonia desta vergôntea do capital monopolista alemão, Schacht, o homem de confiança das forças reaccionárias, serviu fielmente Hitler e o seu regime. Na altura em que foi condecorado com a insígnia de ouro do partido nazi, saiu um texto oficial dedicado aos seus méritos, onde era dito não sem razão: «Ele soube ajudá-lo (ao partido nazi― L. Smirnov) bem melhor do que se tivesse sido seu membro».
O livro de Poltorak não pode evidentemente substituir as obras especializadas sobre o Tribunal Militar Internacional. Seria desejável que o leitor, depois de ter lido este livro, consultasse os estenogramas do processo publicados na URSS em muitos exemplares. Mas por outro lado há que salientar que este livro contém muitas coisas de que os estenogramas não dão nem poderiam dar conta.
O processo dos grandes criminosos de guerra da Alemanha hitleriana permanecerá para sempre como uma chamada de atenção eficaz para com as tenebrosas forças do militarismo. Os generosos princípios que inspiraram toda a sua actividade, o seu equitativo julgamento continuam a servir a luta pela paz e a segurança no mundo.
L. SMIRNOV
Presidente do Supremo Tribunal da URSS, vogal da URSS no processo de Nuremberga


1- Bormann foi julgado por falta de comparência em juízo segundo o Artigo 12 do Estatuto do Tribunal.

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