terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Paulo Wright não está em Cuba



Luiz Manfredini *

Esquadrinhando meus livros, dia desses, me deparei com um volume de não mais que 130 páginas, já um pouco empoeirado (a edição é de 1993), sob o título “O coronel tem um segredo” e o subtítulo “Paulo Wright não está em Cuba”. Folheei o livro, detendo-me aqui e ali no relato sensível de Delora Jan Wright, filha do reverendo Jaime Wright (que trabalhou com dom Paulo Evaristo Arns no projeto “Brasil: nunca mais”) e sobrinha de Paulo.


 Naveguei por trechos do livro e pelos escaninhos da minha memória, buscando mais uma vez capturar das névoas do passado a figura desse revolucionário destemido, sensível e fervoroso que em julho próximo completaria 80 anos. Em algum dia de setembro de 40 anos atrás ele foi preso e trucidado pela ditadura.

Filho de missionários norte-americanos da Igreja Presbiteriana que se estabeleceram no Brasil em 1923, Paulo nasceu em Herval, Oeste catarinense, em julho de 1933. Desde cedo foi dedicado militante cristão em favor das causas sociais. Aos 23 anos, depois de formar-se em sociologia e política pelo “College of the Ozarks”, em Arkansas (EUA), tirou sua carteira de trabalho como servente em São Paulo. Desejava, como registrou Delora Wright, “viver a vida, os sacrifícios, as alegrias e as dores de um trabalhador”. Mais tarde, já casado em Joaçaba (SC), empregou-se como torneiro mecânico e ajudou a fundar o sindicato local dos metalúrgicos e organizou os trabalhadores da construção civil e da indústria de papel e papelão. Dois anos depois, de volta a São Paulo, empregou-se como operário da Lambretta do Brasil e associou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Durante o dia trabalhava na fábrica e, à noite, lecionava sociologia no Instituto Metodista. Em 1960 era secretário regional da União Cristã de Estudantes do Brasil. Depois voltou à Joaçaba, onde disputou a Prefeitura.

Nessa época de grande efervescência política no Brasil – o final do governo JK, o efêmero governo de Jânio Quadros e o início do período João Goulart – Paulo disseminou palestras e conferências, participou de movimentos como o que defendia a revolução cubana e organizou 27 cooperativas de pescadores. Eleito deputado estadual em 1962, no ano seguinte aproximou-se da recém-fundada Ação Popular, organização reformista de origem católica à qual se dedicaria por inteiro nos dez anos seguintes, sua última década de vida.

A cassação do seu mandato parlamentar pelos militares golpistas, em maio de 1964, lançou Paulo Wright para um breve exílio no México e em Cuba. Breve porque, já em 1965, estava de volta ao Brasil, agora clandestino. O nome Paulo perdia-se nas sombras, dando lugar ao de João, o mais usado por ele – entre outros – na vida subterrânea. Tornou-se dirigente nacional da AP, acompanhou a rota da organização do reformismo à revolução, mas não se incorporou ao PCdoB como fez a maioria dos seus companheiros entre 1972 e 1973. Tornou-se marxista-leninista, certamente sem deixar de ser cristão. Como afirmou o cardeal Arns, no prefácio do livro de Delora, Paulo Wright era “um cristão que teve a coragem de levar suas convicções às últimas consequências”.

Recentemente o “Vermelho” dedicou um editorial aos que “foram quadros políticos sem igual na esquerda brasileira, homens extraordinários, guerreiros do povo brasileiro”, dedicados “à luta pelo ideal comunista, pela revolução político-social e o socialismo”, e que “deram suas vidas à democracia, às causas patrióticas, aos direitos do povo, à solidariedade internacional”. Paulo Wright foi um desses gigantes da história. Haroldo Lima e Aldo Arantes, que na direção da AP divergiram de Paulo Wright quanto à incorporação da organização ao PCdoB, passando a trilhar caminhos diversos, o homenagearam nas “Palavras finais” de seu livro “História da Ação Popular: da JUC ao PCdoB”: “Manifestamos nosso respeito à memória de Paulo Stuart Wright, combatente sério e dedicado que, preso pela ditadura militar fascista, em setembro de 1973, foi torturado e morto, tendo-se portado com dignidade revolucionária”.

Entre 1968 e 1973, ou seja, entre os meus 18 e 23 anos, mantive vários encontros com Paulo Wright em Curitiba, São Paulo, no interior de Santa Catarina e em Salvador, cobertos sempre pelo manto da clandestinidade. Jovem em busca de exemplos modelares, aprendi a admirar profundamente aquela figura de larga bonomia, paciente para ouvir com atenção a todos, dedicado ao extremo às suas convicções e à luta revolucionária. Nosso último encontro foi no início de setembro de 1973, em São Paulo. Circulamos de carro pela cidade e estacionamos numa ruazinha estreita e arborizada do Morumbi. O povo vibrava no estádio e nós, dentro de um fusca, conversávamos sobre os desafios da revolução brasileira. Ali permanecemos um bom tempo, após o que Paulo se despediu e seguiu pela ruazinha com seu andar cansado. Dias depois embarcaria num trem urbano com destino a Santo André para nunca mais aparecer.

Prestei a Paulo Wright singela homenagem em meu romance “Memória de Neblina”, fazendo-o encontrar-se com dois personagens, Sebastião e Lau, num “aparelho” da clandestinidade, dias após a decretação do Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968.

“Paulo Wright entrou pela porta dos fundos, maneiroso como sempre, sorridente como sempre, desempenhando o papel de tio do Sebastião, o tio César, de passagem pela cidade. (...) Alto, forte, a cabeleira puxada para trás, em ondas, aqueles bigodões cuja contundência era amenizada pelos olhos azuis que conferiam à sua fisionomia uma aura de bondade quase ingênua”.

Passaram a tarde num quartinho do sótão. Conversaram sobre a grave situação do País e as perspectivas revolucionárias.

“Paulo Wright, voz de brisa primaveril adestrada no mundo dos segredos, enveredou a conversa para a vida de cada um dos dois, tão jovens e tão dispostos”.

“Logo em seguida os deixou”.

“Lau e Sebastião nunca mais o viram”.

“Quatro anos depois Paulo Wright foi tragado pela violência que previra e desapareceu no oceano de sombras do regime. Seu nome nunca deixou de frequentar a lista dos desaparecidos, sobre os quais jamais se teve notícia alguma”.
* Jornalista e escritor em Curitiba, representa no Paraná a Fundação Maurício Grabois e é autor de “As moças de Minas”, “Memória de Neblina”, “Sonhos, utopias e armas” e “Vidas, veredas: paixão”.

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