quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

'ameaça crescimento' bbc brasil

Perfil de pesquisa no Brasil 'ameaça crescimento'

Atualizado em  28 de fevereiro, 2013 - 07:14 (Brasília) 10:14 GMT
Indústria automobilística em Manaus | Foto: Agência Brasil
Linha de produção de carros em Manaus; ausência de pesquisa pode limitar economia brasileira, diz relatório
A ausência de grandes avanços no Brasil em pesquisas em áreas como química, física, engenharia e geociências pode ser "um fator limitante no desenvolvimento econômico" do país, segundo um relatório do serviço de análise da Thomson Reuters.
O documento, assinado pelos pesquisadores Jonathan Adams, David Pendlebury e Bob Stembridge, analisou diversos indicadores ligados a pesquisa e inovação no Brasil, Rússia, Índia, China e Coreia do Sul - conjunto de países ao qual se refere pelo acrônimo "BRICKS".
Sua conclusão é que os países emergentes estariam conseguindo reduzir o abismo que os separa do mundo rico na área de inovação, mas haveria grandes diferenças entre eles - e segundo dados levantado pelo relatório, o Brasil estaria ficando para trás em vários indicadores.
Em número de pesquisadores e total de patentes, por exemplo, o país seria o último colocado. A parcela dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitas pelo setor privado também seria "anomalamente baixa" no Brasil, segundo a Thomson Reuters.
O maior destaque, porém, é dado ao fato de que o Brasil seria "obviamente diferente dos outros BRICKs" no que diz respeito a seu portfólio de pesquisas.
"Para Rússia, Índia, China e Coreia do Sul as áreas em foco são física, química, engenharia e estudos sobre os materiais", nota o relatório. Já no Brasil haveria mais avanços e esforços no que é definido como "economia do conhecimento da natureza" que inclui áreas como "ciências agrícolas", "estudo de plantas e animais" e "farmacologia e toxicologia".
"Para o Brasil seria possível dizer que a ausência de (pesquisas sobre) tecnologias e ciências físicas na lista de áreas prioritárias pode ser tornar um fator limitante para o desenvolvimento econômico", defende o documento.
A conclusão é tomada a partir do levantamento, em cada um desses países emergentes, das dez áreas de pesquisa responsáveis por uma maior parcela do total mundial de publicações em seu campo do conhecimento.
No caso do Brasil, além das três áreas mencionadas acima, a lista também inclui "microbiologia", "ecologia", "ciências sociais", "medicina clínica", "biologia e bioquímica", "neurociências" e "imunologia".
Para uma comparação, as áreas de maior contribuição da China incluiriam "estudos dos materiais", "ciências da computação", "engenharia", "matemática", "geociências", "física" e "química".
O país asiático também estaria avançando mais rápido que os outro cinco emergentes em quase todos os indicadores de inovação e pesquisa analisados pela Thomson Reuters.
"Os dados não só confirmam e quantificam o novo status de países que não estão no G7 (na área de pesquisa e inovação), mas também revelam complexidades individuais que estão por trás do rótulo de 'emergente'", diz.

DEJA LA CURIA, PEDRO

DEJA LA CURIA, PEDRO (Pedro Casaldáliga)

Deja la curia, Pedro,
desmantela el sinedrio y la muralla,
ordena que se cambien todas las filacterias impecables
por palabras de vida, temblorosas.

Vamos al Huerto de las bananeras,
revestidos de noche, a todo riesgo,
que allí el Maestro suda la sangre de los Pobres.

La túnica inconsútil es esta humilde carne destrozada,
el llanto de los niños sin respuesta,
la memoria bordada de los muertos anónimos.

Legión de mercenarios acosan la frontera de la aurora naciente
y el César los bendice desde su prepotencia.
En la pulcra jofaina Pilatos se abluciona, legalista y cobarde.

El Pueblo es sólo un «resto»,
un resto de Esperanza.
No Lo dejemos sólo entre guardias y príncipes.
Es hora de sudar con Su agonía,
es hora de beber el cáliz de los Pobres
y erguir la Cruz, desnuda de certezas,
y quebrantar la losa—ley y sello— del sepulcro romano,
y amanecer
de Pascua.

Diles, dinos a todos,
que siguen en vigencia indeclinable
la gruta de Belén,
las Bienaventuranzas
y el Juicio del amor dado en comida.

¡No nos conturbes más!
Como Lo amas,
ámanos,
simplemente,
de igual a igual, hermano.
Danos, con tus sonrisas, con tus lágrimas nuevas,
el pez de la Alegría,
el pan de la Palabra,
las rosas del rescoldo...
...la claridad del horizonte libre,
el Mar de Galilea ecuménicamente abierto al Mundo.


(Pedro Casaldáliga, Bispo)

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Buscas no Google podem ser racistas? fsp

27/02/2013 - 15h06

ARWA MAHDAWI
DO "GUARDIAN"
Estudo de Harvard aponta viés racial nos resultados, mas a culpa não é do mecanismo de buscas, e sim dos nossos próprios preconceitos.
*
Lamento informar, leitores, mas segundo Harvard a internet é racista. Sugiro que você pare de usá-la imediatamente se não quiser denegrir seu nome por ser cliente do Google e de outros sites. Bom, na verdade talvez seja melhor esperar até terminar de ler...
Um recente estudo de Latanya Sweeney sobre buscas no Google apontou uma "discriminação significativa" nos anúncios exibidos, dependendo de se o nome buscado tem, estatisticamente falando, mais chances de ser de uma pessoa branca ou de uma pessoa negra.
Então, a procura por uma "Emma" no Google provavelmente não irá motivar nada mais sinistro do que um convite para ir atrás do telefone e endereço da Emma, ao passo que a busca por uma "Jermaine" pode gerar um anúncio de procura por um prontuário criminal. Na verdade, a pesquisa de Sweeney sugere que há uma chance 25% maior de você topar com um anúncio de buscas por prontuários criminais a partir de nomes "identificadores de negros" do que com nomes que soem como de pessoas brancas.
Paul Sakuma - 19.ago.2004/Associated Press
Sede do Google, na Califórnia
Sede do Google, na Califórnia
Mas o que exatamente isso significa? Será que o Google tem alguma ferramenta de identificação racial incrustada nos seus algoritmos? Bom, não exatamente. O Google já declarou inequivocamente que "não conduz nenhuma identificação racial", e a própria pesquisa admite que a discriminação provavelmente não é tão insidiosa assim. Em vez disso, ela propõe que as discrepâncias demográficas provavelmente derivam de algoritmos "inteligentes" que adaptam o posicionamento dos anúncios com base nos hábitos da massa de usuários. Em suma, escreve Sweeney, os resultados geram "questionamentos sobre se a tecnologia de anúncios do Google expõe um preconceito racial na sociedade, e como as tecnologias de anúncios e buscas podem se desenvolver para assegurar a justiça racial".
Uau - então alguém acaba de declarar que a sociedade tem preconceitos raciais? Parem as máquinas.
Embora o estudo de Harvard tenha alguns argumentos interessantes, ele é também um caso revelador de "dualismo digital" --a ideia de que as realidades on-line e off-line são separadas e distintas. Isso pode ter sido verdade décadas atrás, quando a internet era algo com que você estabelecia uma conexão discada para consultar promoções de videocassetes no AltaVista, mas essa é hoje uma ideia terrivelmente ultrapassada.
A maioria das pessoas atualmente vê o mundo virtual como um simples reflexo do mundo real. Na verdade, um relatório deste ano do Departamento Governamental para a Ciência proclama que "o Reino Unido é agora tanto um ambiente virtual quanto um lugar real".
A questão de como (e se) a tecnologia pode se livrar daquilo que Sweeney chama de "racismo estrutural" acarreta alguns paralelos interessantes com os debates sobre a linguagem, que ocorrem desde muito antes de o Google ser uma centelha no olhar de Sergey Brin. Veja, por exemplo, a expressão que usei no começo, "denegrir seu nome". É um termo bastante comum, e você dificilmente acusaria de racismo alguém que o use; no entanto, é um termo carregado.
Há séculos as pessoas tentam livrar a língua do seu "racismo estrutural", por meio da invenção de dialetos politicamente neutros. O esperanto, criado por um homem de nome maravilhoso, LL Zamenhof, foi o mais bem-sucedido desses esforços, concebido para transcender as nacionalidades e promover a paz, o amor, a harmonia, todas essas coisas boas. Não foi muito longe nesse sentido, mas conseguiu chegar a dezenas de milhares de falantes fluentes, além de cerca de mil falantes nativos. Pode-se dizer que o equivalente tecnológico ao esperanto seja a "criação sensível a valores" (VSD, na sigla em inglês), a crença de que a tecnologia deve, em seu processo de concepção, ser ativamente influenciada para levar em conta os valores humanos, em vez de simplesmente reagir a eles posteriormente. Embora pareça na superfície ser uma boa ideia, é um ninho de serpentes de questões éticas quando você vai mais fundo, abrindo um debate mais amplo sobre a ideia de valores universais e relativismo cultural.
Mas toda essa teoria é, talvez, um pouco erudita demais, e se afasta do ponto mais importante na pesquisa de Sweeney: que suas pegadas digitais têm profundas implicações na sua vida real. Como (não) disse Descartes: "Googlito ergo sum" - estou no Google, logo existo. E, se no Google você é um criminoso em potencial, isso tornará um tanto mais difíceis as suas chances de arrumar um emprego. Mas se livrar desse preconceito não é uma questão de algoritmos, é uma questão de mudança de atitudes.
Há uma interessante observação sobre isso na própria palavra "highbrow" ["erudito", ou literalmente "fronte alta"]: um termo que vem da frenologia, uma "ciência" do século 19 que usava o formato dos crânios humanos para justificar o racismo. Nas décadas de 1820 a 1840, quando a frenologia estava no auge, os empregadores costumavam solicitar uma referência de caráter a um frenologista local, para confirmar se você seria um bom empregado ou um criminoso em potencial. Naquela época, portanto, seu crânio servia como uma espécie de busca no Google. E não progredimos como sociedade mudando nossos crânios; mudamos o que havia dentro deles.
Tradução de RODRIGO LEITE

Movi8: Deus e o Diabo na Terra do Sol

Movi8: Deus e o Diabo na Terra do Sol

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Veríssimo Deus hipotético

Um religioso dirá que não faltam provas da existência de Deus e da sua influência em nossas vidas. Quem não tem a mesma convicção não pode deixar de se admirar com o poder do que é, afinal, apenas uma suposição. A hipótese de que haja um Deus que criou o mundo e ouve as nossas preces tem sobrevivido a todos os desafios da razão, independentemente de provas.

 Agora mesmo assistimos ao espetáculo de uma empresa multinacional às voltas com a sucessão no comando do seu vasto e rico império, e o admirável é que tudo — o império, a riqueza e o fascínio dos rituais e das intrigas da Igreja de Roma — seja baseado, há 2000 anos, em nada mais do que uma suposição.

Todas as religiões monoteístas compartilham da mesma hipótese, só divergindo em detalhes como o nome do seu deus. E todas têm causado o mesmo dano, em nome da hipótese.

Não é preciso nem falar no fundamentalismo islâmico, que aterroriza o próprio islã. Há o fundamentalismo judaico, com sua receita teocrática e intolerante para a sobrevivência de Israel.

O fundamentalismo cristão, que representa o que há de mais retrógrado e assustador no reacionarismo americano, e as religiões neopentecostais que se multiplicam no Brasil, quase todas atuando no limite entre o curandeirismo e a exploração da crendice. A Igreja Católica pelo menos dá espetáculos mais bonitos, mas luta para escapar do obscurantismo que caracterizou sua história nestes 2000 anos, contra um conservadorismo ainda dominante. A hipótese de Deus não tem inspirado as religiões a serem muito religiosas.

Há aquela parábola do Dostoievski sobre o encontro do Grande Inquisidor com Jesus Cristo, que volta à Terra — o filho da hipótese tornado homem — para salvar a humanidade outra vez, já que da primeira vez não deu certo. Os dois conversam na cela onde Cristo foi metido por estar perturbando a ordem pública, e o Grande Inquisidor não demora a perceber que a pregação do homem ameaçará, antes de mais nada, a própria Igreja, a religião institucionalizada e os privilégios do poder.

Não me lembro como termina a parábola. Desconfio que, se fosse hoje, deixariam o Cristo trancado na cela e jogariam a chave fora.

Internet

"A internet deu poder às pessoas que não o tinham ao possibilitar o acesso a todo tipo de informação em nível global. Mas, ao mesmo tempo, há um contrapeso a isso, um poder que usa a internet para acumular informação sobre nós todos e utilizá-la em benefício dos governos e das grandes corporações. Hoje não se sabe qual destas forças vai se impor. Nossas sociedades estão tão intimamente fundidas pela internet que ela se tornou um sistema nervoso de nossa civilização. Neste sistema nervoso há vários aparatos do Estado. O Google é excelente para obter conhecimento, mas também está fornecendo conhecimento sobre os usuários. Ele sabe tudo o que você buscou há dois anos. O problema é que o Google é uma empresa sediada nos Estados Unidos;passa informação ao governo de maneira rotineira. Informação que é usada para outros propósitos que não o conhecimento. É algo que nós, no Wikileaks, sofremos em primeira mão e que vem ocorrendo com muita gente"  Julian Assange


A OPINIÃO DE UM MILITAR BRASILEIRO DA AERONÁUTICA
.
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“Pérsia era o Centro, Grécia era a periferia.
Pérsia era culta, Grécia era bárbara. Veio o tempo;
Grécia era o centro, Roma era a periferia.
Grécia era culta, Roma era bárbara. Veio o tempo;
Roma era o centro, Bizâncio era a periferia.
Roma era culta, Bizâncio era bárbara. Veio o tempo;
Bizâncio era o centro, os árabes estavam na periferia.
Bizâncio era culta, os árabes eram bárbaros. Veio o tempo;
Os árabes estavam no centro, a Península Ibérica era a periferia.
Os árabes eram cultos, a Península Ibérica era bárbara. Veio o tempo;
A Península Ibérica era o centro, a Inglaterra era a periferia.
A Península Ibérica era culta, a Inglaterra era bárbara. Veio o tempo;
A Inglaterra era o centro, a América era a periferia.
A Inglaterra era culta, a América era bárbara. Veio o tempo;
A América é o centro. A América é culta. O tempo virá…”
A INFLUÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL
Por Manuel Cambeses Júnior*
As dimensões geográficas, demográficas e econômicas do Brasil, seu potencial, sua privilegiada posição geopolítica e geoestratégica no continente sul-americano, voltado de frente para o continente africano, o tornam o único possível rival à influência hegemônica dos Estados Unidos no Hemifério Ocidental Sul.
Assim, a estratégia estadunidense geral visa preservar a aproximação com o Brasil, aumentar a sua influência sobre a elite brasileira, convencê-la da inevitabilidade, irresistibilidade e dos benefícios da influência hegemônica e da liderança norte-americana no hemisfério. Em segundo lugar, cooperar para que o país se mantenha como ponto de equilíbrio ao sul, mas que ao mesmo tempo não de desenvolva, econômica e militarmente, em níveis que possam torná-lo competitivo com os Estados Unidos, em termos de influência econômica e política, na região do Hemisfério Ocidental.
Desta forma, ao mesmo tempo em que se aplicam ao Brasil alguns dos objetivos estratégicos em nível mundial e para a América Latina, é possível identificar objetivos estratégicos específicos da superpotência hegemônica para o Brasil.
Do ponto de vista de sua estratégia militar, os EUA têm procurado, em primeiro lugar, manter a influência americana sobre a doutrina e o equipamento militar brasileiro, enquanto, a partir da queda do Muro de Berlim e dentro do enfoque geral de desarmamento da periferia, argumentam que a inexistência de inimigos, ameaças, visíveis no momento atual, fazem prever uma era de paz perpétua, em que as Forças Armadas brasileiras devem ser reduzidas em efetivos e se adaptar à luta contra os “novos inimigos”, quais sejam, o narcotráfico, o terrorismo, etc. Em segundo lugar, sua estratégia tem como objetivo evitar o surgimento de uma indústria bélica brasileira de nível competitivo e, muito em especial, evitar a aquisição pelo Brasil de tecnologias de armas modernas e de destruição em massa.
A estratégia política norte-americana em relação ao Brasil tem como seu principal objetivo apoiar os governos brasileiros que sejam receptivos à iniciativas políticas americanas no hemisfério e em geral e, simultaneamente, manter canais abertos ao diálogo com a oposição, mesmo a oposição a esses governos “simpáticos”. Como corolário desse objetivo maior, a estratégia estadunidense procura evitar a articulação brasileira com outros Estados que possa pôr em risco a hegemonia e a capacidade de negociação americana.
Um aspecto de sua estratégia tem sido convencer a sociedade e o governo brasileiro da “culpa exclusiva” brasileira pela situação de direitos humanos no país e pela situação de subdesenvolvimento em geral e até eliminar o conceito de “desenvolvimento”, substituindo-o pela noção de injustiça. A lapidar frase “O Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto” reflete, cabalmente, a equivocada percepção de um amplo setor da intelectualidade brasileira, e que é, cada vez mais, desmentida cotidianamente pela realidade.
No campo econômico, a estratégia americana tem como objetivo máximo assegurar a maior liberdade de ação possível para as empress americanas, evitar o surgimento de empresas competidoras fortes de capital brasileiro no Brasil e, como corolário, reduzir o papel do Estado como investidor, regulamentador e fiscalizador da atividade econômica. Secundariamente, porém certamente de forma complementar, procura sugerir com insistência a adoção de políticas de “crescimento” econômico com base em vantagens comparativas estáticas e propugnar o combate assistencial à pobreza de preferência a uma estratégia de desenvolvimento econômico e social.
A estratégia ideológica, que é central para todas as demais, procura convencer a elite e a população brasileira do desinteresse e do altruísmo americano em suas relações com o Brasil, inclusive com o objetivo de garantir o apoio da elite brasileira à idéia de liderança americana benéfica no continente e no mundo. Para atingir tais objetivos, a estratégia estadunidense considera como imprescindível garantir o livre acesso dos instrumentos de difusão do American Way of Life à sociedade brasileira e formar grupos de influência norte-americana no Brasil e, como meio, formar a elite brasileira em instituições americanas.
Como reverter essa influência nefasta para a Nação? Eu diria que através de medidas governamentais – abrangendo o amplo espectro da tecitura social -, no sentido de esclarecer a sociedade brasileira das mazelas do Neoliberalismo e do “atrelamento automático” aos ditames da superpotência mundial. Faz-se mister conscientizar e mobilizar as elites brasileiras no sentido de que dispam-se do comodismo e assumam atitudes corajosas objetivando reeducar as nossas lideranças e o povo em geral, criando condições favoráveis ao florescimento de uma atitude mais nacionalista, mais patriótica e mais favorável ao surgimento de um desenvolvimento autóctene, sem a intromissão de potências estrangeiras em assuntos de natureza interna, em nosso País.
(no volume 3 do livro Temas Estratégicos: Reflexões de um “Velha Águia”, junho/2005)
*Coronel-Aviador, conferencista especial da Escola Superior de Guerra, membro titular do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica (INCAER).
http://www.reservaer.com.br/biblioteca/e-books/reflexao3/

INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA
O Potencial Econômico da América do Sul
(http://www.senado.gov.br/comissoes/cre/ap/AP20120227_Darc_Costa.pdf)

Maria Izabel Noronha: Devemos ajudar a proteger Isadora Faber

publicado em 24 de fevereiro de 2013 às 12:40


NOTA À IMPRENSA DA APEOESP, via e-mail
Em nome da  APEOESP – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado — de São Paulo quero manifestar minha indignação com relação às ameaças e agressões que vem sofrendo a estudante Isadora Faber, de Santa Catarina, bem como sua família.
A estudante, que criou uma página em uma rede social para denunciar o sucateamento da escola pública em que estuda, na cidade de Florianópolis, já teve sua casa apedrejada e recebeu ameaça de morte pela mesma rede social que utiliza para reivindicar melhorias na sua escola. A autora da denúncia exige que a estudante delete a página na internet, sob pena de sofrer um atentado.
Assinalo que a responsabilidade pela situação das escolas é do Poder Público, que deve prover os meios para que professores e estudantes possam desenvolver de forma tranquila o processo educativo. Sem valorização profissional do magistério e condições de trabalho para os professores e de ensino-aprendizagem para os estudantes não será possível melhorar a qualidade do ensino.
A ameaça à estudante se inscreve no quadro geral de violência presente no Estado de Santa Catarina há vários meses. A população catarinense vive em permanente insegurança, sem que as autoridades locais sejam capazes de controlar a situação. O Governo Federal acaba de enviar tropas da Força Nacional para aquele estado, num esforço para combater o crime organizado e reestabelecer a ordem social.
Autoridades federais, estaduais e toda a sociedade não podem assistir passivamente a este tipo de situação. Devemos assegurar que nada aconteça a esta jovem, que exerce com coragem seu direito de cidadã, denunciando a precariedade da educação pública em seu estado e cobrando das autoridades competentes providências para melhorá-la.
Devemos disseminar a participação social na gestão democrática da educação pública, como forma de construir um sistema educacional que atenda verdadeiramente os anseios e necessidades de todos. Devemos nos orgulhar do trabalho de Isadora Faber e ajudar a protegê-la das forças obscurantistas que querem calar a sua voz. Cabe ao Estado, no seu sentido mais amplo, garantir a segurança e a vida desta pequena cidadã brasileira.
Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidente da APEOESP

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Rosa Branca - BBC

Há 70 anos, nazistas executavam jovens líderes da 'Rosa Branca'

Atualizado em  22 de fevereiro, 2013 - 15:04 (Brasília) 18:04 GMTLiselotte Furst-Ramdohr, na época da guerra e atualmente (Foto: Domenic Saller)
Liselotte chegou a ser presa pela Gestapo
Há exatos 70 anos neste dia 22 de fevereiro, três estudantes alemães foram executados em Munique, condenados por liderar um movimento de resistência contra Adolf Hitler.
Desde então, os membros do grupo Rosa Branca se transformaram em heróis nacionais da Alemanha. Liselotte Furst-Ramdohr é uma das remanescentes deste grupo e falou com a BBC.
Eles começaram sua campanha de resistência passiva em 1943, quando a Segunda Guerra estava no auge, em Munique, o centro do poder nazista.
Na época, Liselotte tinha 29 anos e já era viúva, o marido dela tinha morrido no fronte russo. Um amigo, Alexander Schmorell, a apresentou ao grupo Rosa Branca.
"Ainda posso lembrar Alex me contando sobre o grupo. Ele nunca usou a palavra 'resistência', ele apenas disse que a guerra era terrível, com batalhas e tantas pessoas morrendo e que Hitler era um megalomaníaco, então eles tinham que fazer alguma coisa", conta Liselotte, hoje com 99 anos.
Ela lembra que o grupo não conseguia entender como o povo alemão foi levado tão facilmente a apoiar o Partido Nazista e sua ideologia.

Panfletos e riscos

O sexto panfleto produzido pelo grupo Rosa Branca

O panfleto foi contrabandeado para fora da Alemanha e, depois, cópias dele foram jogadas sobre o país pelas aeronaves aliadas.
"O dia do ajuste as contas chegou, a juventude da Alemanha ajustando as contas com a tirania mais repulsiva que nossa nação já viu...
Para nós, há apenas um slogan: Lute contra o Partido! Saia da hierarquia do Partido que quer nos manter em silêncio!
O nome alemão será desonrado para sempre se a juventude alemã não se rebelar, para vingar e expiar de uma vez, para destruir seus algozes e construir uma nova Europa espiritual. Estudantes! A nação alemã olha para nós!"
Alexander Schmorell e seus amigos, Christoph Probst e Hans Scholl, começaram a escrever panfletos que tentavam convencer os alemães a se juntarem à resistência ao regime nazista.
Com a ajuda de um pequeno grupo de colaboradores, eles distribuíam estes panfletos por endereços que sorteavam a partir da lista telefônica.
Alguns eram entregues pessoalmente em endereços de Munique e outros eram levados por mensageiros de confiança para outras cidades.
Liselotte nunca entregou estes panfletos, mas escondeu o material em um armário de vassouras em seu apartamento.
Ela também ajudou Schmorell a fazer estêncis para grafites de frases como "Abaixo Hitler". Nas noites de 8 e 15 de fevereiro o grupo Rosa Branca estampou a frase nos muros de Munique.
Os ativistas arriscavam a vida com estas atividades e Liselotte lembra que todos eram jovens e ingênuos.

Filme e prisão

Hans Scholl (esq.) e sua irmã, Sophie, foram presos e executados (Getty)
Hans Scholl (esq.) e sua irmã, Sophie, foram presos e executados
Uma das integrantes do grupo que ficou famosa foi a irmã mais jovem de Hans Scholl, Sophie, retratada em um filme indicado ao Oscar, Uma Mulher Contra Hitler.
Liselotte lembra que Sophie sentia tanto medo que costumava dormir na cama do irmão.
"Hans também tinha muito medo, mas eles queriam continuar pela Alemanha. Eles amavam o país", ela conta.
No dia 18 de fevereiro os irmãos planejaram sua ação mais ousada: distribuir os panfletos contra Hitler na Universidade de Munique.
Os dois deixaram pilhas de panfletos em volta da escadaria central. Sophie ainda tinha alguns nos braços e os atirou de cima de um balcão para que eles caíssem em cima dos estudantes.
Ela foi vista por um funcionário da universidade, que chamou a Gestapo, a temida polícia secreta do Estado. Hans Scholl ainda tinha o rascunho do próximo panfleto em seu bolso, que ele tentou engolir, mas foi pego pela Gestapo.
Os irmãos foram presos, julgados, considerados culpados e executados na guilhotina, junto com o amigo e colaborador Christoph Probst, no dia 22 de fevereiro de 1943.
As últimas palavras de Hans Scholl antes da execução foram: "Longa vida à liberdade!".

Pânico

O resto do grupo entrou em pânico e Alexander Schmorell foi para o apartamento de Liselotte, onde ela o ajudou a comprar roupas novas e um passaporte falso. Ele tentou fugir para a Suíça mas, devido à neve, teve que voltar.
Ao voltar para Munique, ele foi capturado depois da denúncia de uma ex-namorada que o viu entrar em um abrigo tentando escapar de um bombardeio. Schmorell foi executado.
Liselotte Furst-Ramdohr foi presa no dia 2 de março.
Cópias das sentenças contra os membros do grupo Rosa Branca na Corte de Munique (Getty)
Cópias das sentenças contra os membros do grupo Rosa Branca na Corte de Munique
"Dois homens da Gestapo vieram ao apartamento e reviraram tudo de cabeça para baixo. Eles olharam minhas cartas e um deles disse: 'acho que você tem que vir conosco'. Eles me levaram para a prisão da Gestapo no Wittelsbach Palais, de bonde - eles ficaram atrás do meu banco para que eu não fugisse", afirmou.
Ela passou um mês sob custódia da Gestapo, sendo interrogada sobre o grupo Rosa Branca. Depois deste tempo, ela foi libertada sem acusações. A Gestapo esperava que ela delatasse ou os levasse para o resto do grupo e ela foi seguida pela polícia secreta por algum tempo depois de sua libertação.
Liselotte fugiu de Munique para Aschersleben, perto de Leipzig, onde se casou novamente e abriu um teatro de marionetes.

Panfleto final

O último panfleto do grupo Rosa Branca foi contrabandeado para fora da Alemanha e interceptado pelos Aliados. No outono de 1943 milhões de cópias deste panfleto foram jogadas sobre a Alemanha por aeronaves aliadas.
Desde o fim da guerra, os membros do grupo se transformaram em figuras de destaque no país. A sociedade alemã procurava modelos positivos saídos do período nazista, algo que Liselotte não aprova.
"Na época, eles teriam executado todos nós", afirma Liselotte se referindo à maioria dos alemães.
Atualmente ela vive sozinha em uma pequena cidade perto de Munique. Alexander Schmorell foi transformado em santo pela Igreja Ortodoxa Russa em 2012.
"Ele teria rido muito se soubesse. Ele não era santo, era apenas uma pessoa normal", disse Liselotte.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Sobre baratas e homens

Sobre baratas e homens Estadão

‘A quem interessa perpetuar a violência?’ Filha de Rubens Paiva volta na história e pede julgamento dos que assassinaram seu pai e torturaram sua família

23 de fevereiro de 2013 | 16h 36


VERA PAIVA*
Em férias do primeiro colegial, segui para Londres, para a casa de Fernando Gasparian, industrial exilado e melhor amigo do meu pai. Uma manhã, na entrada da escola de inglês, colegas me mostravam as manchetes de jornais europeus: “Você viu?” Era fevereiro de 1971. Na capa, a notícia da prisão de meus pais e minha irmã de 15 anos. Estava escrito: “Rubens Paiva foi preso, torturado e, dizem, jogado ao mar”. Escondiam há dias o que havia acontecido... para me proteger, ou sem saber o que falar. Passei semanas entre Londres e Paris, recebendo olhares de compaixão e a solidariedade de exilados, também sem saber o que dizer a uma menina, órfã da ditadura, talvez... Mais uma. Gilberto Gil me consolou na casa de Violeta Arraes. No Brasil, temiam que eu fosse presa no aeroporto. Só voltei para a família arrasada e para a escola no final de março.
Veja também:
link Ecossalsichas
Eunice, Rubens Paiva, d. Ceci Paiva (mãe de Rubens), as filhas Eliana, Ana Lúcia, Beatriz e Marcelo - Álbum de família
Álbum de família
Eunice, Rubens Paiva, d. Ceci Paiva (mãe de Rubens), as filhas Eliana, Ana Lúcia, Beatriz e Marcelo
Recorro a outras cenas e perguntas, um recurso metodológico precioso na vida acadêmica, no calor da confirmação pela Comissão da Verdade de que Rubens Paiva foi torturado e assassinado nas dependências do DOI-Codi.
Passamos décadas sem saber como explicar a ausência do pai ou poder construir um luto. “Desaparecido”. Cruelmente, ficava posto em nossas mãos decidir se ele tinha morrido ou não, e quando. Foi só em 2011, quando o livro Segredo de Estado (de J. Tércio) detalhou como foi sua prisão e morte, com base em boa pesquisa jornalística e documentos agora validados pela Comissão da Verdade, e uma exposição itinerante sobre a história de Rubens Paiva foi inaugurada, que descobrimos - família e amigos vivos - como cada um viveu seu luto em anos diferentes.
Milhares de famílias tiveram e ainda têm essa experiência desde os anos de chumbo. Há muito deixamos de ser “um punhadinho de gente”, estereotipada como “subversiva”, “terrorista” ou “bandida”. Pessoas com ou sem partido, de todas as cores, etnias, religiões, 42 anos depois ainda têm seus parentes encarcerados arbitrariamente, torturados, mortos e desaparecidos “em resistência” à ação policial ou pela ação de bandidos na guerra civil que, de fato, só se generalizou quando humanos viraram baratas. Sim, baratas.
Há dez anos, a convite de Serginho Groisman, fomos debater com o cel. Erasmo Dias, que, como o delegado Fleury, assombrou minha geração. Perguntei: “Como o senhor se sente, deputado eleito e usufruindo das nossas conquistas democráticas? Como avalia sua entrada na PUC jogando bombas em mulheres grávidas, com cavalos em sala de aula?” Lutávamos pelo direito a eleições livres, por democracia, pelo nosso direito de discordar. A resposta do coronel, vaiada pela jovem plateia do programa Altas Horas: “Eu era autoridade. Tinha que fazer valer o princípio de autoridade, não importa se eram meninas comunistas ou baratas, o que fosse, tinha que reprimir”. Imagens de época exibem Erasmão na TV com a prova da “subversão terrorista”: faixas de papel-manilha rosa pintadas à mão pedindo liberdades democráticas e justiça. “Era isso a subversão?”, espantam-se os que não viveram esse tempo.
Nos anos seguintes, enquanto a democracia se reconstruía (1980-1990), adeptos da linha dura cultivaram cuidadosamente a noção de que “direitos humanos são para bandido”. Ou, como diria Paulo Maluf, “há humanos com direitos e humanos sem direitos”.
Posições mais ou menos elaboradas de como produzir um mundo melhor sempre dividiram a humanidade. O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos define que as pessoas nascem livres e iguais em dignidade, com direitos inalienáveis que fundamentam a liberdade, a justiça e a paz no mundo. Parecia evidente a noção de dignidade no momento de sua proclamação por uma Assembleia-Geral das Nações Unidas em 1948, horrorizada com a verdade e encarando a memória do nazifascismo e as cenas de Hiroshima e Nagasaki. Logo a Guerra Fria deixou clara a coexistência histórica, mais ou menos tensa, de diferentes noções de autonomia e dignidade associadas à humanidade.
Seguiram-se outras perguntas: por que não mulheridade como sinônimo de humanidade? A escravidão continuada no racismo é liberdade? A destruição da natureza e o consumismo desenfreado são sinônimos de dignidade? Heterossexualidade é a única liberdade? Boaventura Santos, propondo o uso emancipador dos direitos humanos, alerta que a humanidade que nos iguala acumula diferentes tradições e noções de dignidade: as herdadas do judaísmo, do cristianismo e outras tradições culturais, como o darma, hindu, ou a umma, da tradição islâmica, que devemos considerar no diálogo democrático.
Retomando as perguntas e revirando cenas: que noção de dignidade você gostaria de deixar como legado no Brasil para seus netos? Sintetizo, buscando o debate: um país onde se viva em paz, mais justo, onde todas as crianças possam crescer educadas e com saúde, brincar nas ruas como um dia foi possível, afirmar sua singularidade, debater livremente suas ideias, resolver pacificamente suas diferenças, ganhar e perder sustentando com dignidade a luta diária.
Provoca-lhe revolta diária a guerra civil brasileira que mata mais que na Síria e no Afeganistão? Você repudia os bandidos que, em guerra e armados (pelo Estado e não) copiam décadas de violência de Estado impunes, prendem, torturam, matam e desaparecem com crianças, jovens, adultos e velhos? Trata-se de um genocídio, se analisamos os números de mortos entre jovens negros e entre os mais pobres, indígenas ou homossexuais (às vezes basta “parecer um”). Fica horrorizado/a quando lê sobre o assassinato brutal de uma mulher corajosa, juíza carioca que investigava policiais corruptos, assassinos, torturadores? Continuo: aceitaria que seus filhos/as e netos/as fossem amigos de um torturador?
Como filha de Rubens e Eunice Paiva, respondi à jornalista na semana retrasada: se encontrasse os que torturaram minha família há 42 anos, gostaria que fossem julgados, com direito à defesa, como exige a Constituição de 1988, conhecida como a dos Direitos Humanos, essa que ajudamos a construir, pelos quais meu pai morreu e os quais minha mãe viveu defendendo.
Direito de bandidos? Baratas? Defenderei que usufruam o que negaram a meu pai e três gerações de idealistas que, com suas noções diversas de liberdade e dignidade, lotaram prisões clandestinas ou oficiais, submetidos às leis de exceção e à ação extraoficial de um Estado ditatorial e torturador.
Muitos militares e trabalhadores, empresários e fazendeiros, religiosos, muitos editores, jornalistas, professores e estudantes, médicos, juízes e advogados apoiaram abertamente a ditadura civil-militar. Muitos outros, não. Entre eles, gente nos quartéis.
Civis gostaram bastante que parte dos militares, convencidos pela ideologia de segurança nacional em tempos de Guerra Fria e cheios de ambição pessoal pelo poder, representassem seus interesses (nacionais e internacionais) sem ter que mostrar a cara, sem ter que enfrentar o debate apaixonado e democrático de hoje. Outros se arrependeram rapidamente, porque não concordavam com a redução de pessoas a baratas, apesar de temerem pelos interesses que governo eleito e movimentos sociais da época expressavam - acesso ao trabalho digno e decente, educação e terra para todos e, como defendia meu pai desde a juventude e como deputado, que o petróleo achado em território brasileiro - tão disputado nos últimos anos em tempos de pré-sal - fosse usado em benefício dos brasileiros e não de um punhado de multinacionais.
Ações ditatoriais foram “um mal necessário”, como justificou em 2010 o ministro Marco Aurélio Mello? Votos como o dele sustentaram no STF a Lei da Anistia vigente, contestada nas cortes internacionais por deixar torturadores impunes e manter vivo seu exemplo. Temia-se o quê, a memória comprometida com o “mal necessário”? Alemães convivem com a verdade dos museus preservados do Holocausto; americanos, com a memória de Hiroshima e Nagasaki; inúmeros países dão conta de julgamentos pós-comissões da verdade, que devolveram a países como Argentina, Chile, Uruguai e África do Sul o direito de ensinar às novas gerações que desse mal nunca deveríamos necessitar. Já no Brasil... A quem interessa perpetuar essa cultura da violência que divide o mundo entre homens e baratas?
“O que você faria se encontrasse os torturadores de seu pai?” Essa é uma pergunta que pode ser feita a qualquer um no Brasil de hoje. Eles estão impunes e soltos, dos dois lados da guerra civil, reproduzindo essa cultura iniciada na escravidão e perpetuada nas ditaduras à qual sempre foi possível resistir: d. Paulo Evaristo Arns, conosco pelos direitos humanos, resistia ao setor de sua Igreja que sempre teme mudanças; os empresários José Mindlin e a família Ermírio de Moraes e o banqueiro Walter M. Salles se recusaram a contribuir para a caixinha de empresários que financiava os horrores dos centros de extermínio de opositores, como mostra o documentário de Litewski, Cidadão Boilesen.
Funcionários da reitoria nos entregavam ao Dops e essa semana justificaram, inventaram, que “iam nos acompanhar”. Muitos mais foram solidários, como quando o futuro senador Romeu Tuma (lembram?) nos interrogava na Polícia Federal. Falando sobre o movimento estudantil que defendíamos e a democracia que construímos, o delegado Tuma perguntava: “Seu pai faz o quê? Onde ele está?” Diante de minha resposta de que ele saberia melhor, respondia: “Ora, está lá em Cuba com outra família...”.
Essa mentira, humilhante e torturante, foi sepultada pela Comissão da Verdade. Espero que as novas gerações pensem com sua cabeça, enfrentem a memória histórica, recusem a mentira e teorias autoritárias do “mal necessário”. No mundo que desejo construir para meus netos, militares e policiais deixariam de proteger a cultura da tortura, e a violência não ficaria impune pelas mãos de operadores de direito; os que têm algo a dizer perderiam o medo, usariam o direito ao sigilo garantido pela Comissão da Memória e da Verdade para trazer a paz e fazer o bem. Repito o que minha geração, encurralada pelo Erasmão no Viaduto do Chá em maio de 1977, gritava pacificamente: “Hoje, consente quem cala”.
*VERA PAIVA É PROFESSORA DO INSTITUTO DE PSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E FILHA DO DEPUTADO RUBENS PAIVA

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Apagam-se as luzes da Berlinale | Direto da Redação - 11 anos

Apagam-se as luzes da Berlinale | Direto da Redação - 11 anos

Apagam-se as luzes da Berlinale | Direto da Redação - 11 anos

Apagam-se as luzes da Berlinale | Direto da Redação - 11 anos

Para que serve a tortura?

Para que serve a tortura?


Recife (PE) - Nesta quinta-feira, Contardo Calligaris na Folha de São Paulo deu à sua coluna o mesmo título desta agora. Diz ele:  
“O saco plástico do capitão Nascimento funciona. Os ‘interrogatórios’ brutais do agente Jack Bauer, na série "24 Horas", funcionam. E, de fato, como lembra ‘A Hora Mais Escura’, de Kathryn Bigelow, que acaba de estrear, o afogamento forçado e repetido de suspeitos detidos em Guantánamo forneceu as informações que permitiram localizar e executar Osama bin Laden.
Nos EUA, na estreia do filme, alguns se indignaram, acusando-o de fazer apologia da tortura. Na verdade, o filme interroga e incomoda porque nos obriga a uma reflexão moral difícil e incerta: a tortura, nos interrogatórios, não é infrutuosa -se quisermos condená-la, teremos que produzir razões diferentes de sua inutilidade”.
Antes de mais nada, vale ressaltar que há muito o cinema norte-americano naturaliza a tortura, a injustiça, a exclusão. Desde Hollywood ele tem sido sentinela avançado do modo capitalista, na propaganda dos valores da formação do homem norte-americano. De passagem, lembro um filme de Ford (sim, do grande Ford) em que John Wayne ouve a seguinte frase do empregado do hotel: "você e o cachorro sobem, mas o índio não". O que dizer de 007, por exemplo, em sua cruzada contra os comunistas? O que falar dos mexicanos e índios, sempre pintados como bandidos desde a nossa infância? O que dizer da ausência de interioridade nos personagens negros que apareciam em seus filmes, sempre em posição subalterna ou de pianista para o amor do casal romântico?
O fundamental é que no fim do texto Calligaris conclui:
“Uma criança foi sequestrada e está encarcerada em um lugar onde ela tem ar para respirar por um tempo limitado. Você prendeu o sequestrador, o qual não diz onde está a criança sequestrada. Infelizmente, não existe (ainda) soro da verdade que funcione. A tortura poderia levá-lo a falar. Você faz o quê?”. 
Esse é um recurso de justificativa da tortura é manjado. Seria algo como:
- Você é capaz de matar uma criança?
- Não, claro que não.
- E se a criança fosse uma terrorista?
- Crianças não são terroristas.
- E se ela estivesse domesticada, com lavagem cerebral, que a tornasse uma terrorista?
- Ainda assim, de modo algum eu a veria como uma terrorista.
- E se essa criança trouxesse o corpo cheio de bombas?
- Eu preferiria morrer a matá-la.
- E se essa criança, com o corpo de bombas, entrasse para explodir uma creche?
- Não sei.
- E se nessa creche estivessem os seus filhos e as pessoas que você ama?
- Neste caso...
E neste caso estariam justificados os fuzilamentos de meninos que atiram pedras em tanques de Israel. E neste caso, num desenvolvimento natural, estaria justificado até o assassinato dos que lutam contra a opressão, porque mais cedo ou mais tarde se tornarão terroristas. E para que não vejam nisto um exagero, citamos as palavras de Kenneth Roth, da Human Rights Watch: `Os defensores da tortura sempre citam o cenário da bomba-relógio. O problema é que tal situação é infinitamente elástica. Você começa aplicando a tortura em um suspeito de terrorismo, e logo estará aplicando-a em um vizinho dele` ".
É monstruoso, é um atestado absoluto do desprezo pela pessoa, que na mídia se discuta hoje não a moralidade da tortura, mas a sua eficiência. Esse deslocamento de humanidade – que sai da moral para descer no mais útil -  é sintomático de que não basta mais ser brutais em segredo, na privacidade, escondido. Não. Há de se proclamar que princípios fundamentais da barbárie sejam fundamentos de cidadania. Assim como os defensores  da ditadura têm a petulância de vir a público dizer que apenas se matavam terroristas, portanto, nada de mais; assim como o cão hidrófobo que leva o nome de Bolsonaro – e nesse particular, ele é da mesma raça e doença dos fascistas em geral – zomba sobre os cadáveres de socialistas, agora nas tevês, no cinema, passam à justificação moral da tortura.
Perigo à vista. Nós, os humanistas, temos adotado até aqui uma atitude passiva, ordeira, o que é um claro suicídio. Esse ar de bons-moços que andam pela violência como Cristo sobre as águas, além de suicídio, porque nos afundaremos todos,  é, antes do desastre,  um recolhimento da ética para os fundos que defecam.   
Entendam. Longe está este colunista da valentia e poderosas forças. Mas nós que não sabemos atirar balas ou socos,  temos que agir com as armas que a dura vida nos ensinou: escrevendo. E como temos sido omissos.  


Nota de Repúdio

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” repudia a nomeação de Carlos Alberto Augusto ao cargo de Delegado de Polícia de 2ª classe do município de Itatiba (SP), publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo.
O delegado é réu num processo criminal movido pelo Ministério Público Federal (MPF/SP), pelo crime de sequestro qualificado do corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em junho de 1971. Junto com ele, são réus o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do Doi-Codi no período de 1970 a 1974 e o delegado aposentado Alcides Singillo. A denúncia, movida pelo procurador Sérgio Suiama foi acolhida pela Justiça Federal em 23-10-2012.
Carlos Alberto Augusto é acusado de envolvimento em desaparecimentos e de comandar sessões de tortura no Dops (Departamento de Ordem Política e Social), durante a ditadura militar (1964-1985).
No Dops, trabalhou de janeiro de 1970 a 1977 onde foi apelidado de “Carlinhos Metralha”, pois costumava andar pelos corredores do departamento portando uma metralhadora. Augusto era subordinado de Sérgio Paranhos Fleury, de quem defende a memória, organizando homenagens, como uma missa convocada para celebrar 30 anos da morte de Fleury, ocorrida em 2009: “familiares, amigos, ex-policiais do Dops e informantes contam com sua presença à missa”.
Augusto ajudou a organizar o massacre da Chácara São Bento, ocorrido em São Bento, em Pernambuco, em 1973. Na ação, feita com a participação do agente infiltrado Cabo Anselmo, de quem Augusto é amigo, seis militantes da organização VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) foram executados.

Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”
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Cuba hoje


Cuba hoje: uma versão diferente da que se vê na mídia
"Cuba sem Bloqueio"A Radical Livros está lançando “Cuba Sem Bloqueio: a revolução cubana e seu futuro, sem as manipulações da mídia dominante”, de Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad. Como anuncia o título, trata-se de um trabalho que mostra a realidade cubana atual de forma clara e direta, sem as mistificações criadas pelos meios de comunicação dominantes.
Qualquer fato contrário à revolução cubana merece destaque nessa imprensa, como exemplifica o caso de um ato do grupo dissidente Damas de Branco, que reuniu dez pessoas em Havana e foi chamada de capa de O Estado de S. Paulo. Qual outra manifestação desse tamanho mereceria tal tratamento? Contrariamente, qualquer notícia favorável à revolução é ignorada, como quando a revista Veja entrevistou o pedagogo e economista Martin Carnoy, que estava no Brasil para lançar o livro “A vantagem acadêmica de Cuba: por que seus alunos vão melhor na escola”, e conseguiu não falar no ensino cubano.
O mesmo aconteceu quando a Unesco divulgou os resultados das duas pesquisas comparativas sobre o ensino na América Latina, uma de 1997 e outra de 2007: a grande imprensa brasileira abriu um bom espaço para falar sobre o desempenho do Brasil, mas não mencionou que os estudantes cubanos ficaram em primeiro lugar em ambas.
Exemplos como esses se multiplicam. Por isso, o título do livro alude a uma Cuba “sem bloqueio”, referindo-se, neste caso, ao bloqueio de informação correta sobre o país, erguido pelos oligopólios da comunicação. É devido a esse bloqueio que a realidade de Cuba continua pouco conhecida entre nós.
Para furar esse “bloqueio informativo”, os autores pesquisaram tanto em fontes cubanas como estrangeiras. Foram consultados livros, pesquisas acadêmicas, estatísticas e estudos de instituições cubanas e multilaterais (como o Banco Mundial e a ONU), publicações de think tanks como o Conselho de Relações Exteriores (Council on Foreign Relations) dos Estados Unidos, além de periódicos, fontes de internet e outras.
Nos 12 capítulos compostos com base no material assim reunido, Hideyo Saito e Antonio Gabriel Haddad dão vida a um processo de construção social que procura enfrentar seus problemas, encarados como consequência de erros e de dificuldades políticas e econômicas de toda ordem, mas também de agressões e de obstáculos criados pelas potências dominantes.
O livro mostra, assim, a existência de uma grande mobilização popular no país, tendo como evento central o debate em torno do aperfeiçoamento do socialismo cubano. Cubanos de todos os estratos sociais participam livremente dessas discussões, por vezes com grande acuidade crítica. Essa efervescência se reflete em conversas particulares, em assembleias, em obras artísticas, em publicações acadêmicas especializadas ou na mídia local.
Definitivamente, “Cuba Sem Bloqueio” não fala sobre um paraíso terrestre. Mas levanta em alto e bom som a questão: “Quantos países capitalistas exibem uma sociedade razoavelmente harmônica, sem concentração de riqueza, sem miséria, sem fome, sem analfabetismo, sem violência social e sem crianças abandonadas”, como a de Cuba? Uma possível resposta está em sua introdução, quando cita Noam Chomsky: “O que é intolerável para essa mídia (‘o verdadeiro crime de Cuba’) são os êxitos cubanos, que podem servir de exemplo para povos de países subdesenvolvidos”.
Título: Cuba sem bloqueio: a revolução cubana e seu futuro, sem as manipulações da mídia dominante
Autores: Hideyo Saito (texto final) & Antonio Gabriel Haddad
ISBN: 978-85-98600-15-4
Formato: 16 x 23 cm
Número de páginas: 448 p.
Preço: R$ 45,00

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

in FSP

20/02/2013 - 16h11

Escândalo da carne de cavalo traz lado sombrio do consumo, diz estudo da ONU

FIONA HARVEY
DO "GUARDIAN
Os habitantes do mundo rico deveriam tornar-se "semitarianos" --ou seja, comerem a metade da quantidade de carne à qual estão acostumados, sem precisarem abrir mão totalmente dela--, para evitar causar danos graves ao meio ambiente. A recomendação é de cientistas que apresentaram o quadro mais claro até agora de como as práticas agropecuaristas estão destruindo o mundo natural.
Os cientistas disseram que o escândalo da carne de cavalo trouxe à tona o lado sombrio de nosso desejo por carne, que alimentou um comércio de animais de corte não documentados e refeições prontas de preço baixo e rótulos enganosos. "Existe risco para a cadeia alimentar", comentou o professor Mark Sutton, que cunhou o termo "semitariano" e é o autor principal de um estudo da Unep (programa das Nações Unidas para o meio ambiente) publicado na segunda-feira (18). "Agora é um bom momento para conversar com as pessoas sobre esse assunto."

Ina Fassbender/Reuters
Açougueiro alemão com carne de cavalo em abatedouro; autoridades do país investigam o uso indevido do produto
Açougueiro alemão com carne de cavalo em abatedouro; autoridades do país investigam o uso indevido do produto
A busca por carne cada vez mais barata nas últimas décadas --a maioria das pessoas, mesmo nos países ricos, consumia significativamente menos carne uma ou duas gerações atrás-- gerou uma expansão maciça da pecuária intensiva. Com isso, quantidades imensas de grãos foram desviadas do consumo animal para o consumo humano, exigindo o uso intensivo de fertilizantes, pesticidas e herbicidas e, de acordo com o relatório da Unep, "provocando uma teia de poluição do ar e da água que está prejudicando a saúde humana".
Os resíduos que escoam desses produtos químicos estão criando zonas mortas nos mares, levando ao crescimento de algas tóxicas e à mortandade de peixes, enquanto outros ameaçam a sobrevivência de abelhas, anfíbios e ecossistemas sensíveis. "A atenção atraída por este escândalo da carne destacou a questão da carne de baixa qualidade. Isto tudo mostra que a sociedade precisa refletir muito mais sobre os animais de corte e as escolhas alimentares, pelo bem do meio ambiente e da saúde", disse Sutton.
A resposta, segundo o cientista, está no consumo de mais vegetais e menos proteína animal. "Coma carne, mas com menos frequência. Faça dela algo especial", ele aconselhou. "O tamanho das porções é crucial. Muitas porções são grandes demais --são maiores do que as pessoas querem consumir. É preciso pensar em mudar hábitos, em dizer 'gosto do sabor, mas não preciso comer tanto'".
Ao encherem seus pratos com legumes e verduras, além de carne, as pessoas ficarão mais bem nutridas. "A maioria das pessoas não percebe a diferença", disse Sutton, citando um evento recente da ONU em que o chef usou um terço da quantidade habitual de carne, incluindo mais vegetais para compensar, e mais de 90% dos convidados ficaram igualmente satisfeitos.
Sutton se referia ao Ocidente rico, em especial os EUA e a Europa. Ele quer que a mudança de dieta seja introduzida na Europa, já que efetuar mudanças nos Estados Unidos será um desafio mais difícil. De acordo com os cientistas da ONU, os moradores dos países pobres devem ser autorizados a aumentar seu consumo de proteína animal, que faz falta a bilhões de pessoas. Mas, para não causar danos ambientais, o aumento do consumo de carne no mundo em desenvolvimento precisa ser contrabalançado por uma redução da quantidade consumida nos países desenvolvidos.
As carnes de frango e porco provavelmente são as que causam menos prejuízos ambientais em termos relativos, embora os padrões de bem-estar dos animais e as condições em que são criados possam fazer uma diferença grande. "A carne de frango é uma das mais eficientes, já que o animal cresce muito rapidamente e é possível colher seu estrume", disse Sutton.
De acordo com o relatório da Unep, intitulado "Nosso mundo nutricional: o desafio de produzir mais alimentos e energia com menos poluição", a produção de carne é responsável por 80% do nitrogênio e fósforo usados na agropecuária. Esses nutrientes são produzidos a um custo global muito alto, mas a maior parte acaba desperdiçada no estrume dos animais. Em algumas regiões do mundo os nutrientes são escassos, resultando em plantações menos produtivas.
A Unep avisou: "A não ser que sejam tomadas medidas, a elevação da poluição e o aumento do consumo per capita de energia e produtos animais vão exacerbar as perdas de nutrientes, os níveis de poluição e a degradação dos solos, ameaçando mais ainda a qualidade de nossa água, nosso ar e nossos solos, afetando o clima e a biodiversidade".
O estudo também propôs uma série de medidas com as quais seria possível tornar a pecuária menos nociva ambientalmente, desde medidas simples como o armazenamento mais seguro e o uso mais econômico dos fertilizantes até a captura das emissões de gases estufa resultantes de sua produção. O consumo de nitrogênio poderia ser reduzido em 20 milhões de toneladas até 2020, poupando 10 bilhões de libras por ano. A reutilização de resíduos, como estrume, e o tratamento de esgotos com métodos modernos também poupariam centenas de bilhões de dólares.
Tradução de CLARA ALLAIN

Por que lutavam eles ...

Por que lutavam eles na defesa de Madrid em 1936?

Miguel Urbano Rodrigues
19.Fev.13 :: Colaboradores
Brigadas internacionais18 de Fevereiro de 1936 é a data do início da sublevação fascista em Espanha, do início da guerra civil. Recordá-la nos dias de hoje é também relembrar que as potências ocidentais que assumiram a posição de “não intervenção” (hoje empenhadas em agressões imperialistas em vários continentes) agiram como aliados objectivos da intervenção directa dos fascistas alemães e italianos. É, por outro lado, lembrar a heróica solidariedade combatente das Brigadas Internacionais. Recordar esses revolucionários maravilhosos é um dever numa época em que o fascismo levanta a cabeça na Europa, nos EUA, na América Latina. Nas planuras e montanhas da Espanha eles souberam lutar e morrer em defesa da Humanidade, de valores e ideais que conferem significado à vida.

Em passagem recente por Madrid, um impulso de saudosismo levou-me até à Cidade Universitária. Perdi-me em amplas avenidas entre edifícios modernos de diferentes Faculdades e Institutos rodeados de aprazíveis espaços verdes.
Tive a sensação de chegar a um lugar desconhecido. E não era. A ilusão do “novo” nascia da ação do homem; a Cidade Universitária fora reconstruida durante a ditadura.
Caminhara por ali em 1947 durante a minha primeira visita a Espanha. O panorama era na época outro. Eu levava na mão o livro de um francês que descrevia com minucias a defesa de Madrid no Outono de 1936.
Eu era então um jovem sem formação política, modelado por uma educação burguesa. Mas o choque da leitura fora tao forte que me atraiu ao cenário da batalha. Guardava na memória imagens e emoções das semanas em que republicanos espanhóis apareciam no monte onde eu, adolescente, residia em Moura com os meus pais. Minha mãe era uma senhora muito conservadora, mas tinha pena daquela gente que atravessava a fronteira e deixava-os dormir uma ou duas noites num palheiro. Eles fugiam da coluna franquista de Yague que, subindo de Sevilha, de rumo a Badajoz e Madrid, cometia massacres medonhos por onde passava.
Transcorridas mais de seis décadas, era difícil imaginar na serenidade quase bucólica da Cidade Universitária que ali se travara às portas de Madrid uma batalha cujo desfecho prolongou o conflito espanhol até às vésperas da II Guerra Mundial.
Comparei no livro as imagens que distanciavam a Cidade Universitária que eu conhecera da inicial e esta da atual.
Em 1947, a reconstrução apenas principiara. Eram ainda identificáveis ruinas de edifícios destruídos durante os combates.
O livro do escritor francês, cujo nome não recordo, era factual. Evocava os acontecimentos quase cronologicamente a partir do golpe de estado de 36,iniciado por Franco em Marrocos e Mola no Norte.
Recordo que o relato deixou na memória sementes tao fortes que durante o meu longo exilio brasileiro escrevi um conto cuja personagem lutara na frente de Madrid pelos republicanos.
Mas somente muitos anos depois, já comunista, e tendo lido obras fundamentais sobre aquela guerra trágica e romântica compreendi o significado profundo da épica defesa de Madrid.
No inverno da vida, evocar o que ali se passou nas margens do Mazanares, encaminhou-me para uma reflexão muito diferente da que na juventude me conduzira à Cidade Universitária em reconstrução.
Nessa primeira visita eu esforçara -me por ir ao encontro da Historia através da leitura dos combates em que se enfrentaram forças antagónicas. Tentava imaginar o choque das tropas do general Varela e do coronel Yague com os milicianos e as colunas anarquistas que assumiram a defesa da capital, sob o comando de Miaja e Rojo, enquanto se formava o exército popular da Republica.
Sentado num talude, contemplando ruinas na ladeira que descia para o Mazanares, tinha o dedo num mapa que localizava as antigas faculdades destruídas quando alguém me tocou no ombro.
Era uma mulher de uns 70 anos. Perguntou:
«Que livro é esse?»
Disse-lhe que era o livro de um escritor estrangeiro sobre a defesa de Madrid quando chegaram ali os mouros.
Ela sorriu. A minha resposta abateu o muro da desconfiança. Sentou-se a meu lado e falou durante muito tempo, enquanto eu a ouvia, calado.
Contou que trabalhava no Hospital Clínico, arrasado dias depois, tal como a Casa de Velasquez, quando a vanguarda dos franquistas atacou no início de Novembro de 36. O ímpeto da ofensiva foi tao forte que os milicianos e os anarquistas da improvisada linha defensiva recuaram em desordem. O Governo de Largo Caballero saíra da capital para Valencia. Os civis do bairro pensaram que a guerra acabaria logo. Os aviões italianos e alemães bombardeavam todos dias Madrid. Uma companhia de mouros penetrou até à Plaza de Espanha. Mas de repente tudo mudou.
Fendendo o ar pesado da tarde com a mão que apontava para lugares que nomeava, onde a batalha fora mais intensa, a velha senhora, testemunha da batalha, pronunciou palavras que não esqueci:
«No dia 18, chegaram os homens da XI Brigada Internacional. Avançaram ao encontro do inimigo e obrigaram os mouros a recuar. Alguns, os poucos que sabiam espanhol, cantavam um hino que começava assim:
País lejano nos ha visto nacer
De odio llena el alma hemos traído
Mas la pátria no la hemos aun perdido
Nuestra pátria está hoy en Madrid
E então, voltamos a acreditar. O povo de Madrid principiou a gritar nas ruas o No Pasarán. E os franquistas não passaram!
No dia 23 de Novembro, os combates acabaram. Os nacionalistas enterraram-se em trincheiras na Cidade Universitária e ali ficaram até ao fim da guerra».
A mulher, assim como aparecera, inesperadamente, desapareceu. Despediu-se com um seco «Adios, señor» e afastou-se.
Teria participado de alguma maneira ao lado dos defensores de Madrid? A atmosfera em Espanha, naquela época, desaconselhava perguntas a uma desconhecida.

A «NÃO INTERVENÇÃO»

Ao rever a atual Cidade Universitária, vivia no meu corpo envelhecido um homem muito diferente do jovem que por ali passara na plenitude da ditadura de Franco, empurrado pelo desejoso de compreender o que se passara nas margens do Mazanares em dias decisivos de uma guerra que o perturbava desde a adolescência.
Tinha lido milhares de páginas sobre o tema desde os quatro volumes da «Guerra y Revolucion en España» (1) ao romance «A Casa de Eulália» (2) e muitas obras sobre os debates na Sociedade das Naçoes e no Comité de Não Intervenção criado para evitar o envolvimento das grandes potências no conflito.
Eu sabia que o Comité, instalado em Londres, não atingira o objetivo proposto. Fora na prática um organismo de fachada. A Alemanha e a Itália desrespeitaram desde o início as suas resoluções, com a cumplicidade farisáica da Inglaterra e da França. Quando Hitler e Mussolini decidiram apoiar militarmente a sublevação de Franco e Mola, a Inglaterra, potencia naval hegemónica, poderia ter impedido o desembarque de tanques, aviões e de milhares de soldados italianos nos portos da Andaluzia. Mas limitou-se a protestos hipócritas. A França de Leon Blum fechou a fronteira com a Catalunha, impedindo a entrega ao governo do presidente Manuel Azaña de armas que este havia comprado e pago.
Isso enquanto os aviões alemães da Legião Condor, pilotados por nazis da futura Luftwaffe, bombardeava a população civil de cidades da Republica. A destruição de Guernica é recordada como exemplo e simbolo da barbárie fascista.
Foi somente em Outubro que cargueiros vindos da URSS, em resposta à ostensiva intervenção das potências do Eixo, descarregaram em Cartagena os primeiros caças Policarpo I-16. Conhecidos em Madrid por “Chatos» e «Moscas», entraram em combate imediatamente, derrubando numerosos Heinkel, Junkers e Fiat para surpresa dos estados-maiores de Londres e Paris.
A passividade britânica e francesa estimulou a escalada do fascismo. Hitler interpretou-a corretamente. A política da «Não intervenção» funcionou na prática como um prólogo da capitulação de Munique.
A GESTA DAS BRIGADAS
Dezenas de livros em muitos países evocam a epopeia das Brigadas Internacionais, desde teses académicas a memórias e reportagens. Até romances. O cinema também lhe dedicou atenção.
Questões polémicas são transversais nesse conjunto heterogéneo de trabalhos. As contradições principiam nas estatísticas. Não existem registos oficias sobre o numero de participantes nas sete Brigadas formadas em Albacete, a cidade onde funcionou o estado-maior da organização, sob o comando do francês André Marty. As avaliações oscilam entre 35 000 e 50 000.
As Brigadas foram criadas em Paris, por iniciativa da III Internacional. Mas é falso que todos os seus integrantes fossem comunistas.
Alguns deles tornaram-se, anos depois, personalidades de renome mundial: o alemão Willy Brandt, o jugoslavo Josip Tito, os italianos Pietro Neni e Luigi Longo, o albanês Enver Hosha,o mexicano David Alfaro Siqueiros. Milhares de voluntários estrangeiros combateram pela Republica sem pertencerem às Brigadas. Entre outros o francês André Malraux e o inglês Geoges Orwell, ambos escritores famosos.
Existe consenso sobre o comportamento heroico das Brigadas nas múltiplas frentes em que se bateram. A grande maioria dessa gente não tinha formação militar. Mas eles deixaram como coletivo revolucionário memória de combatentes exemplares.
Dois generais das Brigadas, o húngaro Lukács e o soviético Kleber, adquiriram prestígio internacional pela sua capacidade como estrategos nas batalhas em que intervieram.
Quando as Brigadas se retiraram de Espanha no final de 1938,sob a pressão internacional, centenas dos seus membros, não podendo regressar aos seus países, foram tratados como apátridas e perseguidos, alguns internados em campos de concentração.
Mas a calúnia, a falsificação da História e a propaganda fascista não podiam apagar a gesta desses homens. Hoje, em 15 cidades de três continentes erguem-se monumentos a ela dedicados.
Por que se bateram eles em Espanha?
Os nomes de algumas Brigadas encerram de certa maneira a resposta à pergunta: Garibaldi, Dimitrov, Thaelman, Louise Michel, Lincoln, Viallant Couturier, Henri Barbusse, Comuna de Paris.
Com opções ideológicas diferenciadas, eles combateram irmanados pelo sentimento de solidariedade com o povo espanhol agredido pelo fascismo.
Recordar esses revolucionários maravilhosos é um dever numa época em que o fascismo levanta a cabeça na Europa, nos EUA, na América Latina. Nas planuras e montanhas da Espanha eles souberam lutar e morrer em defesa da Humanidade, de valores e ideais que conferem significado à vida.
Nestes dias em que, encastelada no Poder, uma direita cavernícola, fascizante, tenta em Portugal destruir o que resta da Revolução de Abril e impõe ao povo uma autentica ditadura do capital, concretizada em leis e decretos que trazem à memoria a era de Salazar – é também um dever combater essa escória humana, derrotar a sua politica criminosa.
Não será como na Espanha de 36 pelas armas que os portugueses poderão hoje enfrentar o monstruoso sistema que os oprime e lança na miséria. Mas, inevitavelmente, o povo trabalhador, à medida que se aprofunde nas massas a consciência de que a ditadura de fachada democrática da classe dominante o conduz à ruina e a uma servidão de novo tipo, voltará, como em grandes momentos da nossa Historia, a assumir-se como sujeito no processo de transformação da vida. Esse dia, sem data previsível, chegará pela força da lógica da Historia.
Serpa, 18 de Fevereiro de 2013
1.«Guerra y Revolucion en España», obra elaborada por uma Comissão presidida por Dolores Ibarruri,Editorial Progreso,Moscovo,1967
2. Manuel Tiago (pseudónimo de Álvaro Cunhal), «A Casa de Eulália», Ed. Avante, Lisboa 1997

Comunismo:

Comunismo: um gigantesco processo de emancipação ainda longe de concluído


por Domenico Losurdo [*]
Continuo a julgar correcta a visão da ideologia alemã, segundo a qual o comunismo é sobretudo "o movimento real que abole o actual estado de coisas". Observemos as mutações que se verificaram no mundo a partir da primeira revolução que se reclamou de Marx e Engels. Antes de Outubro de 1917 não havia democracia, mesmo no Ocidente: era o reino das três grandes discriminações para com as mulheres, as classes subalternas, os povos coloniais e de origem colonial.

Com Fevereiro e Outubro de 1917, a Rússia revolucionária reconheceu às mulheres direitos políticos e activos e passivos. A República de Weimar (nascida da revolução que explodiu na Alemanha um ano após a revolução de Outubro) tomou o mesmo caminho, seguido pelos Estados Unidos. É certo que na Itália, Alemanha, Áustria e Inglaterra o sufrágio universal (masculino) estava mais ou menos afirmado, mas ficava neutralizado por uma Câmara alta que permanecia o apanágio da nobreza e da grande burguesia.

A discriminação racial apresentava-se sob uma forma dupla: considerados como indignos de se constituírem como Estado nacional independente, os povos coloniais eram submetidos à dominação absoluta das grandes potências. Num país como os EUA, os afro-americanos eram excluídos dos direitos políticos (e por vezes mesmo dos direitos cívicos). A ultrapassagem da discriminação racial sob estes dois aspectos não pode ser pensada sem o capítulo da história aberto por Outubro de 1917. O papel desempenhado pelos Partidos Comunistas nas revoluções anti-coloniais é notável. E no que se refere aos Estados Unidos? Em Dezembro de 1952, o ministro da Justiça enviava o Tribunal Supremo, ocupada a discutir a questão da integração nas escolas públicas, uma carta eloquente: "A discriminação racial leva a água ao moinho da propaganda comunista". O desafio comunista desempenhou um papel essencial igualmente na ultrapassagem do regime da supremacia branca.

Os direitos sociais e económicos fazem parte da democracia tal como a esquerda a entende. E foi este patriarca do neoliberalismo, Hayek, que denunciou o facto de que a teorização e a presença no Ocidente destes direitos remetiam à influência, por ele considerada nefasta, da "revolução marxista russa".

Compreende-se portanto que, à atenuação do desafio comunista, corresponda no Ocidente uma restauração. Não se trata só do desmantelamento do Estado social. O peso da riqueza é tão forte que, mesmo nas colunas do New York Times, podem-se ler denúncias considerando que o regime em vigor nos Estados Unidos assemelha-se mais a uma "plutocracia" do que à democracia. A contra-revolução é evidente igualmente nos caso do colonialismo, reavaliada pelo teórico da "sociedade aberta", Karl Popper: "Nós libertámos estes Estados (as antigas colónias) muito apressadamente e de modo demasiado simplista".

Vejamos, em sentido contrário, o que se passa num país continente que ficou sob a direcção do Partido Comunista. Pondo fim à catástrofe provocada pelas guerras do ópio e a agressão colonialista, a China devolveu a centenas de milhões de pessoas o primeiro dos direitos do homem, a saber, o direito à vida. O Estado social começa aqui a dar os seus primeiros passos, ao passo que doravante ele é renegado no Ocidente, inclusive no plano teórico.

Mas isto não é tudo: ao reduzir rapidamente seu atraso tecnológico em relação aos países capitalistas mais avançados, a China põe fim à "era de Colombo", que havia começado com a descoberta-conquista da América e que viu o Ocidente sujeitar o planeta inteiro. Vêem-se criar as condições para frustrar as tentações colonialistas e democratizar as relações internacionais. O declínio da doutrina Monroe, à qual a revolução cubana infligiu pela primeira vez um golpe severo, está lá para confirmar.

Como acontecer muitas vezes com revoluções, aquela principiada há aproximadamente um século seguiu um percurso completamente imprevisto. Estamos em todo caso na presença de um gigantesco processo de emancipação que está bem longe de ter chegado à sua conclusão.
[*] Filósofo, professor da Universidade de Urbino, Itália.

O original encontra-se em www.humanite.fr/...



O culminar da mutação: PCF renega a foice e o martelo

por KKE

Um resultado inevitável… No seu 36º Congresso, concluído domingo em Paris, o PCF renegou até ao símbolo da foice e do martelo.

O abandono da foice e o martelo pelo PCF não ocorre num momento qualquer, mas exactamente no momento em que as autoridades de muitos países da União Europeia colocam fora da lei os símbolos comunistas, quando a UE tenta de um modo anti-histórico equiparar comunismo a fascismo. É precisamente este momento que o "presidente" do Partido da Esquerda Europeia (PEE) escolhe para renegar voluntariamente ao martelo e à foice.
 

Morrer aos poucos

CARLOS ALEXANDRE AZEVEDO (1972-2013)

Morrer aos poucos

Por Luciano Martins Costa em 12/02/2013 na edição 733
Comentário para o programa radiofônico do OI, 18/2/2013
O técnico de computadores Carlos Alexandre Azevedo morreu no sábado (16/2), após ingerir uma quantidade excessiva de medicamentos. Ele sofria de depressão e apresentava quadro crônico de fobia social. Era filho do jornalista e doutor em Ciências Políticas Dermi Azevedo, que foi, entre outras atividades, repórter da Folha de S. Paulo.
Ao 40 anos, Carlos Azevedo pôs fim a uma vida atormentada, dois meses após seu pai ter publicado um livro de memórias no qual relata sua participação na resistência contra a ditadura militar. Travessias torturadas é o título do livro, e bem poderia ser também o título de um desses obituários em estilo literário que a Folha de S.Paulo costuma publicar.
Carlos Alexandre Azevedo foi provavelmente a vítima mais jovem a ser submetida a violência por parte dos agentes da ditadura. Ele tinha apenas um ano e oito meses quando foi arrancado de sua casa e torturado na sede do Dops paulista. Foi submetido a choques elétricos e outros sofrimentos. Seus pais, Dermi e a pedagoga Darcy Andozia Azevedo, eram acusados de dar guarida a militantes de esquerda, principalmente aos integrantes da ala progressista da igreja católica.
Dermi já estava preso na madrugada do dia 14 de janeiro de 1974, quando a equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury chegou à casa onde Darcy estava abrigada, em São Bernardo do Campo, levando o bebê, que havia sido retirado da residência da família. Ela havia saído em busca de ajuda para libertar o marido. Os policiais derrubaram a porta e um deles, irritado com o choro do menino, que ainda não havia sido alimentado, atirou-o ao chão, provocando ferimentos em sua cabeça.
Com a prisão de Darcy, também o bebê foi levado ao Dops, onde chegou a ser torturado com pancadas e choques elétricos.
Depois de ganhar a liberdade, a família mudou várias vezes de cidade, em busca de um recomeço. Dermi e Darcy conseguiram retomar a vida e tiveram outros três filhos, mas Carlos Alexandre nunca se recuperou. Aos 37 anos, teve reconhecida sua condição de vítima da ditadura e recebeu uma indenização, mas nunca pôde trabalhar regularmente.
Aprendeu a lidar com computadores, mas vivia atormentado pelo trauma. Ainda menino, segundo relato da família, sofria alucinações nas quais ouvia o som dos trens que trafegavam na linha ferroviária atrás da sede do Dops.
Para não esquecer
O jornalista Dermi Azevedo poderia ser lembrado pelas redações dos jornais no meio das especulações sobre a renúncia do papa Bento 16. Ele é especialista em Relações Internacionais, autor de um estudo sobre a política externa do Vaticano, e doutor em Ciência Política com uma tese sobre igreja e democracia.
Poderia também ser uma fonte para a imprensa sobre a questão dos direitos humanos, à qual se dedicou durante quase toda sua vida, tendo atuado em entidades civis e organismos oficiais. Mas seu testemunho como vítima da violência do Estado autoritário é a história que precisa ser contada, principalmente quando a falta de memória da sociedade brasileira estimula um grupo de jovens a recriar a Arena, o arremedo de partido político com o qual a ditadura tentou se legitimar.
A morte de Carlos Alexandre é a coroa de espinhos numa vida de dores insuperáveis, e talvez a imposição de tortura a um bebê tenha sido o ponto mais degradante no histórico de crimes dos agentes do Dops.
A imprensa não costuma dar divulgação a casos de suicídio, por uma série controversa de motivos. No entanto, a morte de Carlos Alexandre Azevedo suplanta todos esses argumentos. Os amigos, conhecidos e ex-colegas de Dermi Azevedo foram informados da morte de seu filho pelas redes sociais, por meio de uma nota na qual o jornalista expressa como pode sua dor.
A imprensa poderia lhe fazer alguma justiça. Por exemplo, identificando os integrantes da equipe que na noite de 13 de janeiro de 1974 saiu à caça da família Azevedo. Contar que Dermi, Darcy e seu filho foram presos porque os agentes encontraram em sua casa um livro intitulado Educação moral e cívica e escalada fascista no Brasil, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani. Era um estudo encomendado pelo Conselho Mundial de Igrejas.
Contando histórias como essa, a imprensa poderia oferecer um pouco de luz para os alienados que ainda usam as redes sociais para pedir a volta da ditadura.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

"A ditadura não acabou"


ISTOÉ Comportamento


Comportamento
|  N° Edição:  2099 |  29.Jan.10 - 21:00 |  Atualizado em 18.Fev.13 - 22:42

"A ditadura não acabou"

Filho de militantes de esquerda, Carlos Alexandre foi preso e torturado quando era bebê. Cresceu agressivo e isolado. Aos 37 anos, ele ainda sente os efeitos dos anos de chumbo: vive recluso, sem trabalho nem amigos - sofre de fobia social

Solange Azevedo

No vídeo abaixo você confere os depoimentos de Dermi Azevedo, pai de Carlos Alexandre
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Carlos Alexandre Azevedo, 37 anos, torturado quando era bebê.
Ele tem olhos de aflição e feições de dor. Suas palavras saem cadenciadas, são quase sussurros. “Minha família nunca conseguiu se recuperar totalmente dos abusos sofridos durante a ditadura”, diz. “Os meus pais foram presos e eu fui usado para pressioná-los.” Carlos Alexandre Azevedo tinha 1 ano e 8 meses quando policiais invadiram a casa da família, na zona sul de São Paulo, e o levaram para a sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social (Deops). Era 15 de janeiro de 1974. Bem armados e truculentos, os agentes da repressão o encontraram na companhia da babá – uma moça de origem nordestina conhecida como Joana. Chegaram dando ordens. Exigiram que os dois permanecessem imóveis no sofá. Apenas Joana obedeceu. Como castigo pelo choro persistente, Carlos Alexandre levou uma bofetada tão forte que acabou com os lábios cortados. Foram mais de 15 horas de agonia. O drama de Carlos Alexandre – um dos mais surpreendentes dos anos de chumbo – veio à tona no momento em que o governo brasileiro discute a criação da Comissão Nacional da Verdade para apurar casos de tortura, sequestros, desaparecimentos e violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985). Carlos Alexandre decidiu revelar sua história, com exclusividade, à ISTOÉ depois que o seu processo de anistia foi julgado pelo Ministério da Justiça. No dia 13 de janeiro, ele foi declarado “anistiado político”. Deve receber uma indenização de R$ 100 mil por ter sido vítima dos militares. “Muita gente ainda acha que não houve ditadura nem tortura no Brasil. No julgamento, em Brasília, me senti compreendido.
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Carlos aos 3 anos, com os pais
As pessoas sabiam que o que eu vivi foi verdade”, alega. “A indenização não vai apagar nada do que aconteceu na minha vida. Mas a anistia é o reconhecimento oficial de que o Estado falhou comigo. Para mim, a ditadura não acabou. Até hoje sofro os seus efeitos. Tomo antidepressivo e antipsicótico. Tenho fobia social.” Fragmentos da vida de Carlos Alexandre, hoje com 37 anos, estão guardados  na memória do pai, o jornalistae cientista político Dermi Azevedo. Outros ficaram entre as lembranças da mãe, a pedagoga Darcy Andozia. “Minha família sempre foi muito retraída, sem diálogo. Não costumávamos falar sobre tortura. Esse assunto sempre foi tabu entre nós”, conta Carlos Alexandre. Ele descobriu o próprio passado ao remexer em gavetas, aos 10 ou 11 anos de idade. Misturado a fotografias antigas e a uma porção de papéis, encontrou o desenho de uma vaquinha, conhecida na época por simbolizar a “esperança”, com o seguinte recado: “Deops 1974: Quando você ficar mais velho, seus pais vão te contar a sua história.” Parte do sofrimento da infância lhe foi revelada pela mãe. “Cacá apanhou porque estava chorando de fome. Os policiais falavam que, naquela idade, ele já era doutrinado e perigoso”, lamenta Darcy. Presas políticas disseram ao pai que o menino fora torturado no Deops. “Meses depois de sair da prisão, soube que o meu filho tinha sido vítima de choques elétricos e outras sevícias. Ele foi jogado no chão e bateu a cabeça”, afirma Dermi. “Maltratar um bebê é o suprassumo da crueldade.” Quando os agentes levaram Carlos Alexandre e a babá, Darcy não estava em casa – seria trancafiada no Deops horas depois.
“Até hoje sofro os efeitos da ditadura. Tomo antidepressivo e antipsicótico. Tenho fobia social”  
Ela havia saído cedo em busca de ajuda para o marido preso. Aquela era a segunda invasão à residência dos Azevedo. Na noite anterior, policiais vasculharam todos os cômodos em busca de “material subversivo”. Encontraram um livro intitulado “Educação Moral e Cívica & Escalada Fascista no Brasil” e o consideraram uma injúria às autoridades. Dermi, Darcy e a educadora Maria Nilde Mascellani foram processados – e absolvidos – sob a acusação de tentar difamar o Estado brasileiro. Dermi e Darcy eram ligados aos padres dominicanos e a uma das principais vozes que lutavam contra a ditadura, o então cardeal de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. Faziam parte da retaguarda do movimento de resistência – abrigavam militantes que se preparavam para embarcar para o Exterior. O período de cárcere foi tenso e doloroso. Darcy permaneceu mais de 40 dias na cadeia. Foi pressionada psicologicamente, mas não sofreu violência física. Dermi ficou cerca de quatro meses no xadrez. Apanhou muito. Quando já não suportava mais a dor, invocava o nome d’Ele: “Ai, meu Deus. Meu Deus.” Enquanto Darcy esteve atrás das grades, Carlos Alexandre foi cuidado pelos avós – e continuou a sofrer as consequências de escolhas que não foram suas. “Em certos momentos, tive raiva porque meus pais expuseram os filhos. Mas depois senti orgulho porque eles lutaram contra os abusos dos militares e fazem parte da história do Brasil”, diz. Carlos Alexandre padece de um transtorno chamado pela ciência de fobia social: um medo excessivo e persistente de se expor à avaliação alheia. Quem tem esse distúrbio se esquiva sistematicamente de contatos interpessoais – principalmente com pessoas do sexo oposto, desconhecidas ou autoridades – porque teme ser humilhado ou rejeitado.
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Dermi Azevedo, jornalista, pai de Carlos Alexandre, em frente ao prédio onde funcionava o Deops
O diagnóstico foi mencionado pela psicóloga Ana Maria Falvino, que tratou de Carlos Alexandre, num documento encaminhado à Comissão de Anistia. No texto, a psicóloga detalha a evolução do transtorno no paciente e situações relatadas pela família Azevedo. Mas não afirma categoricamente que o problema dele é consequência direta de tortura.  As situações vividas por CarlosAlexandre, no entanto, o inserem no grupo de risco descrito pela medicina. De acordo com o médico Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de  Transtornos de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, cerca de 30% dos casos de fobia social têm origem genética. Os outros  70% se devem a vivências complexas.Os pais são o primeiro modelo para a criança. Observar como eles lidam com  as adversidades, se enxergam o ambiente social como fonte de prazer e alegria ou como algo desconfortável e ameaçador, se são tímidos ou têm muitos amigos, é de extrema importância para o bom desenvolvimento infantil. Bernik afirma que crianças provocadas e maltratadas por colegas e que vivem experiências marcantes de rejeição e de sofrimento são mais suscetíveis à fobia social na vida adulta. Logo que Dermi deixou a prisão, em maio de 1974, a família toda se mudou para a sua terra natal, o Rio Grande do Norte. Primeiro foi para  Currais Novos, no interior do Estado. Em seguida para a capital, Natal. A violência psicológica e as agressões físicas – como as intermináveis sessões no pau de arara e os repetidos golpes na cabeça, chamados nos porões da ditadura de “telefone” – derrubaram Dermi. Durante um bom período, ele não foi capaz sequer de sair da cama. Passava o tempo todo coberto. Teve crises de paranoia e medo de tudo. Não podia trabalhar. O aperto financeiro desestabilizava ainda mais a família. Ele foi recuperando devagar a coragem de se levantar, ir à esquina, andar sozinho.
“Meses depois de sair da prisão, soube que o meu filho tinha sido vÍtima de choques elétricos e outras sevÍcias. ele foi jogado no chão e bateu a cabeça. maltratar um bebê é o suprassumo da crueldade”
“Dermi não se destruiu. Transformou o trauma numa batalha pela vida e continua lutando pela dignidade humana”,  avalia a psicanalista Miriam Schnaiderman, codiretora do documentário “Sobreviventes”, que narra experiências de pessoas que passaram por situações-limite. Enquanto Dermi tentava se recuperar, Darcy tinha de se desdobrar para dar conta da casa e dos filhos – do primogênito e de dois meninos que vieram depois. Carlos Alexandre demonstrou os primeiros sinais de isolamento já em Currais Novos. Não interagia comoutras crianças, tornou-se agressivo e andava sempre triste. Às vezes, acordava agitado procurando pela mãe: “Mamãe, onde é o barulho do trem?” A sede do Deops, onde ele esteve detido durante algumas horas, era na região da Estação da Luz. De lá, dava para ouvir o som do vai e vem das composições. Apesar de a família estar longe de São Paulo, onde a perseguição seria mais severa, os Azevedo eram constantemente vigiados pelos militares locais e discriminados pela vizinhança. Viviam sendo apontados como “bandidos”, “terroristas” e tratados como se tivessem alguma doença contagiosa. Carlos Alexandre cresceu sob intensa pressão, testemunhando as crises do pai e a inquietude da mãe. Chorava para não ir à escola. Não suportava ficar distante dos pais. A instabilidade e a dinâmica familiar contribuíram para aumentar o afastamento de Carlos Alexandre. “A perseguição afetou os outros filhos, mas não de maneira tão intensa quanto ele”, relata Dermi. As mudanças de casa e de cidade eram constantes a ponto de os meninos não serem capazes de criar laços de amizade ou se adaptar completamente à escola.
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Darcy Andozia, pedagoga aposentada, mãe de Carlos Alexandre
O único período de relativa calmaria e imobilidade durou cerca de quatro anos – entre 1981 e o início de 1985, quando os Azevedo moraram em Piracicaba, no interior paulista. A filha mais nova nasceu lá. Todos eram respeitados. Darcy e Dermi tinham vínculo com uma universidade do município – já não eram encarados como “bandidos” ou “terroristas”, mas como intelectuais. E a ditadura militar caminhava para o fim. A saída de Piracicaba foi traumática para Carlos Alexandre. “Era o único lugar em que eu tinha amigos. Foi aí que me isolei de vez. Parei de estudar e me tranquei em casa”, lembra. Carlos Alexandre tinha acabado de entrar na adolescência. No interior paulista, costumava brincar na rua, jogar bola e frequentar festinhas vestindo short e camiseta. Não se importava muito com o figurino. Os novos desafios da cidade grande o fizeram submergir no medo.  Ele já não era mais convidado para festas, se sentia incapaz de dançar com as meninas e apanhava dos garotos cotidianamente. Quando tentava revidar, era pior. Apanhava mais. “Por ser introvertido, não ser muito bonito nem me vestir como eles, eu era humilhado e vivia sendo alvo de chacotas”, afirma. Carlos Alexandre sucumbiu à crueldade adolescente e se enterrou nas próprias fragilidades. Afirma ter passado cerca de sete anos (dos 13 aos 20) praticamente sem sair de casa. Tentou frequentar a escola. Não conseguiu. Nos momentos de nervosismo intenso, quebrava tudo o que encontrasse pela frente. Engordou 40 quilos em seis meses. Tentou o suicídio “algumas vezes”. Quando decidiu enfrentar o medo da rua, trabalhou como auxiliar de escritório.
“O meu filho apanhou dos policiais do deops porque estava chorando de fome. levou um tapa tão forte que cortou os lábios"
Ficou um ano no emprego – seu recorde com carteira assinada. Depois atuou como operador de microcomputador e diagramador. Interagir era tão penoso que Carlos Alexandre pediu demissão e foi demitido diversas vezes porque não suportava conviver com os colegas de trabalho. “As pessoas começavam a perguntar da minha vida: o que eu fazia, se tinha estudado, se tinha namorada, quem eu era, aonde eu ia. Acabava ficando um clima ruim”, conta. “Estar no meio de muitas pessoas é muito cansativo para mim. Falar também. Sair de casa e sentar num bar é um incômodo muito grande. Mas hoje já não entro em pânico porque estou em tratamento.” Um ou dois amigos visitam Carlos Alexandre esporadicamente. Vão ao apartamento que ele divide com a mãe na região central de São Paulo. Seus outros – raros – amigos são todos virtuais. Ao optar pela rede, ele se protege da sociedade. “Quando rompo o ciclo vicioso, consigo até ter uma vida. Mas tenho muito medo de recaídas”, diz. Atualmente, ele costuma sair três vezes por semana para ir à academia. De vez em quando, vai à banca comprar gibis japoneses. Sua rotina é singela. Mas Carlos Alexandre quer mais. “Não sou feliz. Sinto vergonha de não trabalhar. Também gostaria de ter uma família minha, com mulher e filhos. Mas tenho consciência de que devo dar um passo de cada vez. Talvez, com um pouco de sorte, eu consiga recomeçar. Mesmo estando com 37 anos.”
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