quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

ESTÃO DESTRUINDO NOSSAS MENTES

  1. ESTÃO DESTRUINDO NOSSAS
    MENTES, E NEM NOS DAMOS CONTA DISSO:
     """" Obesidade Mental deldebbio | 26 de fevereiro de 2010 Por João César das Neves O prof. Andrew Oitke, catedrático de Antropologia em Harvard, publicou em 2001 o seu polêmico livro “Mental Obesity”, que revolucionou os campos da educação, jornalismo e relações sociais em geral. Nessa obra introduziu o conceito em epígrafe para descrever o que considerava o pior problema da sociedade moderna. Há apenas algumas décadas, a Humanidade tomou consciência dos perigos do excesso de gordura física decorrente de uma alimentação desregrada. É hora de refletir sobre os nossos abusos no campo da informação e do conhecimento, que parecem estar dando origem a problemas tão ou mais sérios do que a barriga proeminente. ” Segundo o autor, “a nossa sociedade está mais sobrecarregada de preconceitos do que de proteínas; e mais intoxicada de lugares-comuns do que de hidratos de carbono. As pessoas se viciaram em estereótipos, em juízos apressados, em ensinamentos tacanhos e em condenações precipitadas. Todos têm opinião sobre tudo, mas não conhecem nada. ” “Os ‘cozinheiros’ desta magna “fast food” intelectual são os jornalistas, os articulistas, os editorialistas, os romancistas, os falsos filósofos, os autores de telenovelas e mais uma infinidade de outros chamados ‘profissionais da informação’”. “Os telejornais e telenovelas estão se transformando nos hamburgers do espírito. As revistas de variedades e os livros de venda fácil são os “donuts” da imaginação. Os filmes se transformaram na pizza da sensatez.” “O problema central está na família e na escola. ” “Qualquer pai responsável sabe que os seus filhos ficarão doentes se abusarem dos doces e chocolates. Não se entende, então, como aceitam que a dieta mental das crianças seja composta por desenhos animados, por videojogos que se aperfeiçoam em estimular a violência e por telenovelas que exploram, desmesuradamente, a sexualidade, estimulando, cada vez com maior ênfase, a desagregação familiar, a permissividade e, não raro, a promiscuidade. Com uma ‘alimentação intelectual’ tão carregada de adrenalina, romance, violência e emoção, é possível supor que esses jovens jamais conseguirão viver uma vida saudável e regular”. Um dos capítulos mais polêmicos e contundentes da obra, intitulado “Os abutres”, afirma: “O jornalista alimenta-se, hoje, quase que exclusivamente de cadáveres de reputações, de detritos de escândalos, e de restos mortais das realizações humanas. A imprensa deixou há muito de informar, para apenas seduzir, agredir e manipular.” O texto descreve como os “jornalistas e comunicadores em geral se desinteressam da realidade fervilhante, para se centrarem apenas no lado polêmico e chocante”. “Só a parte morta e apodrecida ou distorcida da realidade é que chega aos jornais.” “O conhecimento das pessoas aumentou, mas é feito de banalidades. Todos sabem que Kennedy foi assassinado, mas não sabem quem foi Kennedy. Todos dizem que a Capela Sistina tem teto, mas ninguém suspeita para quê ela serve. Todos acham mais cômodo acreditar que Saddam é o mau e Mandella é o bom, mas ninguém se preocupa em questionar o que lhes é empurrado goela abaixo como “informação”. Todos conhecem que Pitágoras tem um teorema, mas ignoram o que é um “cateto.” Prossegue o autor: “Não admira que, no meio da prosperidade e da abundância, as grandes realizações do espírito humano estejam em decadência. A família é contestada, a tradição esquecida, a religião abandonada, a cultura banalizou-se e o folclore virou “mico”. A arte é fútil, paradoxal ou doentia. Floresce, entretanto, a pornografia, o cabotinismo (aquele que se elogia), a imitação, a sensaboria (sem sabor) e o egoísmo. Não se trata nem de uma era em decadência, nem de uma ‘idade das trevas’ e nem do fim da civilização, como tantos apregoam. ” “Trata-se, na realidade, de uma questão de obesidade que vem sendo induzida, sutilmente, no espírito e na mente humana. O homem moderno está adiposo no raciocínio, nos gostos e nos sentimentos. O mundo não precisa de reformas, desenvolvimento, progressos. Precisa sobretudo de dieta mental.”

→ 08/02/2013 @18:43

Estamos todos a ficar Hikikomori

Primeiro veio o aviso de Alvin Toffler, em «The Third Wave» (1980): o de­sen­vol­vi­mento da tec­no­lo­gia no sen­tido da por­ta­bi­li­dade e da sua uti­li­za­ção do­més­tica ia per­mi­tir que o tra­ba­lho pu­desse ser feito em casa e não, ne­ces­sa­ri­a­mente, num open space empresarial.
No des­pon­tar da dé­cada se­guinte, esta já era uma re­a­li­dade so­cial e eco­nó­mica. Com um com­pu­ta­dor, li­ga­ção à Internet, um en­de­reço de email e um te­le­fone fixo ou um te­le­mó­vel, mui­tos de nós fo­ram man­da­dos dos es­cri­tó­rios para os seus apartamentos.
Hikikomori
Depois, impôs-se a pre­ca­ri­e­dade como forma de la­bo­ra­ção: em vez de em­pre­gar os seus «co­la­bo­ra­do­res» (uma in­fe­liz de­sig­na­ção para re­fe­rir que o as­sa­la­ri­ado ape­nas co­la­bora, es­tando o nú­cleo das em­pre­sas nos seus ser­vi­ços ad­mi­nis­tra­ti­vos e de ges­tão), o sis­tema cor­po­ra­tivo pas­sou a en­co­men­dar ser­vi­ços externos.
Surgia o es­ta­tuto de «tra­ba­lha­dor in­de­pen­dente», pre­cá­rio, sem re­mu­ne­ra­ções men­sais fi­xas e sem di­reito a sub­sí­dio de de­sem­prego no caso de os «cli­en­tes» se mu­da­rem para a Tunísia ou para a China.
Finalmente, com a crise glo­bal dos sis­te­mas mo­ne­tá­rios e dos mer­ca­dos, veio a vul­ga­ri­za­ção do de­sem­prego. Quem tra­ba­lhava em casa, fi­cou em casa sem o que fa­zer. A sua, se ainda a con­se­gue man­ter, a casa dos pais, se nela ha­via um can­ti­nho para onde pu­desse vol­tar, ou ape­nas um quarto alu­gado na flo­resta de cimento.

Enclausuramento

Hikikomori
Este pro­cesso que já leva três dé­ca­das con­du­ziu não só a uma re­for­mu­la­ção das no­ções de mi­gra­ção e de es­paço em meio ur­bano, com a fí­sica e prá­tica de­li­mi­ta­ção dos mes­mos em ter­mos de qui­ló­me­tros e até me­tros, como tam­bém a um fe­nó­meno de enclausuramento.
Se um tu­ba­rão obri­gado a pa­rar (preso numa rede, por exem­plo) morre, no ser hu­mano a clau­sura, seja por tra­ba­lhar no pró­prio lo­cal onde dorme e come, seja por­que não tem tra­ba­lho nem di­nheiro que lhe per­mita sair além da om­breira da porta, tem sido um fac­tor de as­so­ci­a­bi­li­dade e, no li­mite, de loucura.
E de lou­cura por­que o pró­prio fe­cha­mento min­gua. Começa pelo quarto e acaba den­tro da ca­beça. São mui­tos já os que vi­vem no in­te­rior das suas men­tes, jul­gando vo­gar sem fato de as­tro­nauta em imen­sos cosmos.
Não ter es­paço equivale-se, as­sim, a ter todo o es­paço do universo…
Acresce que, a es­tes fa­to­res de pro­pi­ci­a­ção do en­co­lhi­mento hu­mano, e por­que há quem não aguente a vi­o­lên­cia e o stress de vi­ver em so­ci­e­dade e de se man­ter «útil» no en­qua­dra­mento de uma eco­no­mia re­gu­lada pela com­pe­ti­ção, são cada vez mais aque­les que de­sis­tem de mover-se mesmo po­dendo fazê-lo.
Preferem fechar-se no seu abrigo a sete cha­ves, tornando-o numa pri­são voluntária.
Se no Ocidente ainda não se re­co­nhece a ago­ra­fo­bia como uma do­ença ca­pi­ta­lista, no Japão identificou-se esta nova pa­to­lo­gia com a de­sig­na­ção Hikikomori, dando-lhe um maior sig­ni­fi­cado: a pa­la­vra é tra­du­zí­vel por Retirada, o que quer di­zer tudo.
Retirarmo-nos é, hoje, o mais ra­di­cal, o mais re­vo­lu­ci­o­ná­rio (ou tal­vez o mais re­a­ci­o­ná­rio) gesto que pode ha­ver. É um «não» ro­tundo, ainda que, na maior parte dos ca­sos, te­nha sido in­du­zido e não seja pro­pri­a­mente um ato de liberdade.
Há cada vez mais pes­soas re­ti­ra­das no mundo, Portugal in­cluído. Pessoas que ra­ra­mente saem de casa, que pro­cu­ram não distanciar-se de­ma­si­ado. Porque se sen­tem in­se­gu­ras, alvo de um pos­sí­vel ata­que ou de um de­sa­li­nha­mento en­tró­pico do nor­mal fun­ci­o­na­mento das coisas.
É claro que há vá­rios ti­pos de Hikikomori. Os Retirados mais gra­ves são aque­les que se re­cu­sam a sair da cama ou que le­vam ho­ras de­baixo do chu­veiro. Os que, ape­sar de tudo, ainda não cor­ta­ram la­ços com o ex­te­rior «ligam-se» atra­vés da World Wide Web e das cha­ma­das re­des sociais.
Mas fazem-no por­que se trata de uma abs­tra­ção. Na re­a­li­dade vir­tual, não há nin­guém nem nada do ou­tro lado. As pes­soas a quem se pos­sam di­ri­gir não têm rosto, não exis­tem. Não são ape­nas os Retirados que se en­con­tram nessa si­tu­a­ção: to­dos nós con­ver­sa­mos con­nosco mes­mos, den­tro do te­a­tro alu­ci­na­tó­rio da Rede neuronal.
Estes Hikikomori são voyeu­rís­ti­cos, vêem o que está lá fora como um peep show. As exis­tên­cias, as ro­ti­nas e até as in­ti­mi­da­des caughtbus­ted dos ou­tros, aque­les que ainda «fun­ci­o­nam», são ce­nas de um filme. Com o es­pe­ta­dor de fora, afas­tado e resguardado.
E não são re­ais mesmo que uma rés­tia de ra­zão tente con­fir­mar a sua efe­ti­vi­dade – trata-se, isso sim, de pro­je­ções ima­gi­ná­rias, re­a­li­za­das numa in­ter­zone, uma zona de transição.

Micronacionalismo e es­paço interior

Simon Sellars
Simon Sellars
A es­tes pe­que­ni­nos ter­ri­tó­rios psico-arquitectónicos chama o en­saísta Simon Sellars «mi­cro­na­ções». Cada Retirado que se bar­rica na sala-de-estar é uma nação.
Para a sua ar­gu­men­ta­ção, Sellars debruçou-se so­bre os ro­man­ces do es­cri­tor que pre­viu isto tudo an­tes que qual­quer ou­tro o fi­zesse, o que acon­te­ceu desde a dé­cada de 1960: J.G. Ballard.
Esse mesmo, o au­tor de fic­ção ci­en­tí­fica (de facto, muito mais do que desse gé­nero li­te­rá­rio) que David Cronenberg («Crash») e Steven Spielberg («Empire of the Sun») trans­pu­se­ram para o ci­nema. O me­nino in­glês de Xangai que Hirohito me­teu num campo de con­cen­tra­ção e que, já adulto, ex­pe­ri­men­ta­ria ma­jes­to­sas ere­ções ao ob­ser­var os cor­pos es­tro­pi­a­dos que emer­giam das cha­pas re­tor­ci­das de bru­tais aci­den­tes de automóvel.
Tinha mesmo de ser um fic­ci­o­nista a fazê-lo, e não um so­ció­logo, um psi­có­logo, um neu­ro­lo­gista, um eco­no­mista, um fi­ló­sofo ou um pen­sa­dor po­lí­tico. Só vê quem olha para mais longe, quem fantasia.
J.G. Ballard
J.G. Ballard
Em pro­sas como «Thirteen to Centaurus», «The Ultimate City», «Running Wild», «Rushing to Paradise», «Kingdom Come» e ou­tras tan­tas, Ballard foi cons­truindo o que Marc Augé de­sig­nou por «an­tro­po­lo­gia da pro­xi­mi­dade». Não-espaços sub­me­ti­dos à in­di­vi­du­a­li­dade solitária…
O certo é que mesmo os es­tu­di­o­sos da obra de Ballard não com­pre­en­de­ram as im­pli­ca­ções da con­di­ção Hikikomori tanto quanto o pró­prio. A chave para en­ten­der o mi­cro­na­ci­o­na­lismo bal­lar­di­ano está no seu con­ceito de «es­paço in­te­rior», um lu­gar que es­capa a to­das as ló­gi­cas que a te­o­ria da re­la­ti­vi­dade de Einstein pro­cu­rou explicar.
Uma casa fe­chada não é mais do que a an­te­câ­mara de um ca­sulo men­tal. Este mudo en­lou­que­ci­mento Cronenberg e Spielberg nunca po­de­riam fil­mar. O que há a ver só pode ser visto por dentro.
Nesse «uni­verso pa­ra­do­xal, o so­nho e a re­a­li­dade fundem-se um no ou­tro, e se cada um re­tém a sua qua­li­dade dis­tin­tiva, de al­gum modo as­sume o pa­pel do seu oposto, de modo que o ne­gro é si­mul­ta­ne­a­mente branco», es­cre­veu J.G. Ballard, o vi­si­o­ná­rio da catástrofe.

Nota fi­nal

Como não po­dia dei­xar de ser, há uma mú­sica Ballard e até uma mú­sica Hikikomori. Na área da pop e do rock encontram-na no «Closer» dos de­pres­si­vos Joy Division, em «High Rise» dos pe­dra­dís­si­mos Hawkwind,  em «Miss the Girl» dos Creatures de Siouxsie Sioux, em «Video Killed the Radio Star» e «Vermillion Sands» de The Buggles e em «Down in the Park» de Gary Numan, en­tre ou­tros ca­sos que vão de John Foxx até Madonna.
E a par­tir de 21 de Fevereiro te­re­mos mais duas obras bal­lar­di­a­nas, desta feita nos do­mí­nios do ex­pe­ri­men­ta­lismo ele­tro­a­cús­tico. São lan­ça­dos, numa edi­ção con­junta Soopa/Fundação de Serralves, o CD «Irregular Characters» de Marc Behrens e o DVD «Mundo de Cristal, Máquina da Selva», de Jonathan UIiel Saldanha. Em am­bos os ca­sos re­sul­tando de par­ti­ci­pa­ções num ci­clo de­di­cado por Serralves, em 2010, ao escritor.
Refugiem-se nos vos­sos la­res, se não têm ou­tra hi­pó­tese, mas oi­çam e ve­jam o que aqui vai. O disco do mú­sico ale­mão re­si­dente no Porto in­clui um bo­o­klet com uma sé­rie de boas his­tó­rias de sua au­to­ria, com per­so­na­gens à Ballard.


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