segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Matar poetas tem sido o grande prazer dos fascistas contemporâneos


Santayana: Matar poetas tem sido o grande prazer dos fascistas contemporâneos

publicado em 11 de fevereiro de 2013 às 10:19
Pablo Neruda
Como se matam os poetas
por Mauro Santayana, em seu blog

A justiça chilena determinou a exumação dos restos mortais do cidadão chileno Neftaly Ricardo Reyes, o poeta Pablo Neruda. Suspeita-se que Neruda tenha sido envenenado pelos esbirros de Pinochet, dias depois da morte de Allende, no golpe de 11 de setembro de 1973 – há quase 40 anos. Neruda, que se preparava para asilar-se no México – em uma concessão dos golpistas, sob pressão internacional – foi internado em uma clínica, com uma crise prostática. Ali, segundo denúncia de seu motorista, recebeu a falsa medicação que o matou.
Os poetas – e poucos que redigem poemas conseguem ser realmente poetas – pertencem a outra espécie de seres humanos. Encontram-se na vanguarda das emoções e dos sentimentos. Isso leva a maioria deles a desfazer-se dos escolhos das circunstâncias e exilar-se em geografia e tempo alheios, mas sem perder a bússola da realidade, sem perder sua paisagem e sem perder o seu povo.
O Chile teve dois prêmios Nobel de Literatura. O primeiro foi outorgado, em 1945, a Lucila de Maria del Perpétuo Socorro Godoy Alcayaga, que usou o nome de Gabriela Mistral. Pablo e Gabriela foram amigos. Quando Gabriela fez 15 anos, em 1904, Neruda nasceu. Gabriela, com seu nome literário, homenageou dois grandes poetas de seu tempo, o italiano Gabriele d’Annunzio e o francês da Provença, Fréderic Mistral.
Pablo Neruda, com seu pseudônimo, prestou  homenagem ao grande poeta tcheco  do século 19, Jan Neruda – que denomina a mais bela das ruas de Praga e uma das mais bonitas do mundo, a que saí de Mala Strana e sobe ao castelo de Hradcany. Os quatro, ícones e discípulos, tiveram a marcá-los o sentimento nacionalista.
Matar poetas tem sido o grande prazer dos fascistas contemporâneos e dos tiranos de todos os tempos. O assassinato de Federico Garcia Lorca é conhecido. O autor de Romancero Gitano, traído, por medo, pelo amigo que o escondera, foi fuzilado nos primeiros dias da insurreição de Franco, por ordem do general Queipo de Llano. Neruda – que foi um dos melhores amigos do povo brasileiro – pretendia, do exílio, lutar contra Pinochet.  É o que parece ter ocorrido contra Pablo Neruda. Matar de forma dissimulada é uma prática também dos serviços norte-americanos, como a CIA reconhece.
Há várias formas de matar os poetas. O fascismo, sendo o avesso do humanismo, é o assassinato permanente da poesia – e dos poetas. O franquismo, além de fuzilar  Lorca, matou de tifo e tuberculose, na prisão, Miguel Hernández, aos 31 anos; e alguns outros, como Antonio Machado, de tristeza, solidão e angústia, no exílio, como Antonio Machado.
Mesmo que não houvesse sido envenenado, Neruda morreu com o golpe. Morreu com os escolhidos no Estádio Nacional de Santiago, e chacinados por ordem do usurpador. Morreu com sua gente.

Em viomundo

 

Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo

Cheguei a pensar que havia acordado na década errada. Seria fevereiro de 2003? Um documento obtido por um repórter atentava contra a Constituição e a língua inglesa, costurando um arrazoado para assassinar cidadãos americanos no exterior, se considerados um perigo iminente para a segurança americana. Definição de perigo iminente? Confie em nós, povo.
Grandes jornais confessaram que, há um ano, escondem dos leitores, a pedido da Casa Branca, o fato de que há uma base secreta na Arábia Saudita de onde decolam os drones, os aviões sem pilotos comandados por controle remoto. Os drones que matam não só os suspeitos de terrorismo no Paquistão, no Iêmen, na Somália, mas também civis transformados em dano colateral.
Será que ouvi mal ou o candidato da esperança, em 2008, havia prometido o mais transparente governo do novo século, depois de oito anos de abuso do poder executivo?
E por que a complacência, a evidente passividade do público? Parte desse mesmo público ameaça pegar em armas se o Congresso tentar regular o porte de armas.
Num teatro lotado, numa das primeiras sessões especiais do filme A Hora Mais Escura, há dois meses, estava rodeada, não de jornalistas, mas de gente ligada ao cinema, supostamente a turma que a direita americana gosta de atacar como simpatizante da esquerda. Esquerda americana, bem entendido. Depois da exibição do filme de Kathryn Bigelow, a diretora entrou sob aplausos, cercada do excelente elenco principal. O filme, agora indicado para o Oscar, conta a história da caçada e do assassinato de Osama Bin Laden.
Assisti a uma sessão de perguntas e respostas em que nem um só membro da articulada plateia questionou a representação e a moralidade da tortura, presente já na primeira cena do filme. Aliás, a própria Kathryn Bigelow não pronunciou a palavra tortura e preferiu usar o eufemismo cunhado no governo Bush - "interrogatório reforçado".
Saí do cinema incrédula. Logo, a imprensa cultural americana começou a questionar como o filme - brilhante como narrativa visual - pode se declarar "baseado em fatos" e, ao mesmo tempo, sugerir que a tortura levou à captura do maior assassino de americanos deste milênio. Sabe-se que não foi a confissão obtida sob tortura que levou a CIA a Bin Laden. Por que a diferença entre a reação de jornalistas e a de uma plateia ligada à industria do entretenimento?
A direita pode continuar ridicularizando Hollywood e, de fato, não tinha esperanças de ver Mitt Romney ser homenageado em jantares glamourosos por tipos como George Clooney ou Steven Spielberg, como aconteceu com Barack Obama. Mas daí a promover a falácia de que há um pano de fundo ideológico progressista na Costa Oeste é um insulto à inteligência.
O horário nobre mais assistido da TV americana é recheado de bravos personagens que combatem inimigos da pátria de pele escura e sotaques exóticos, recorrendo a todo tipo de violação da privacidade que se pode imaginar. Mal um personagem pronuncia o nome de um suspeito e sua vida toda, crédito, emails privados aparecem em telões.
Durante um debate sobre a moralidade de A Hora Mais Escura, promovido pela rede pública PBS, Jane Mayer, a jornalista autora de The Dark Side: How The War on Terror Turned into a War on American Ideals, o melhor livro sobre a erosão da democracia americana pós 11 de Setembro, afirmou sem hesitação: "A série 24 mudou a opinião pública e tornou os americanos muito mais confortáveis com a tortura". A série, sucesso mundial entre 2001 e 2010, mostrava Jack Bauer (Kiefer Sutherland) como agente de uma força antiterrorista, que torturava suspeitos como eu vou ao mercado ali na esquina.
O espetáculo pornográfico da violência sancionada por governos ou grupos de poder, removida de qualquer contexto cívico ou moral, invadiu até uma série folhetinesca da rede ABC, que mistura sexo com crimes constitucionais e, adivinharam, tortura.
Scandal é baseada numa figura real, uma "fixer" de Washington, especializada em livrar a cara da elite flagrada em situações embaraçosas e até crimes. A mulher, vivida pela adorável Kerry Washington, num momento vai para a cama com o presidente e logo depois vai buscar seu capanga que está sendo barbaramente torturado por uma equipe de agentes da CIA. Sexo na Casa Branca, afogamento de um suspeito no porão ali perto. Seguidos do intervalo comercial.

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