domingo, 31 de março de 2013

Agricultores da Califórnia temem colapso = Opera Mundi

Agricultores da Califórnia temem colapso com escassez de imigrantes sem visto

Como consequência das dificuldades econômicas na região, maioria dos californianos defende leis mais flexíveis para estrangeiros pela primeira vez na história

O governo dos EUA fechou o cerco contra o fluxo clandestino na divisa com o México na última década. Do lado mexicano, foram notadas melhorias contínuas nos índices sociais, como queda no desemprego. Do outro lado da fronteira, no entanto, surgiu uma consequência inesperada e indesejada com a forte redução na entrada de trabalhadores sem visto, que já foi de 200 mil pessoas por ano.

Com a escassez de latinos, empresários já falam em colapso na agricultura da Califórnia para os próximos meses, caso não seja permitida a entrada de novos trabalhadores pela fronteira mexicana. Desde 2011, a imigração ilegal entre os países é de 0%, segundo pesquisa do instituto de pesquisas PHC (Pew Hispanic Center).

“Nós precisamos da força de trabalho dos imigrantes. Cerca de 70% dos trabalhos nas fazendas e na agricultura da Califórnia são feitos por trabalhadores sem visto. Sem eles não temos negócio”, afirma a Opera Mundi o diretor da Confederação dos Agricultores da Califórnia, Rayne Pegg.

Wikicommons

Divisa entre EUA e México: agricultores da Califórnia pedem uma urgente reforma para que novos trabalhadores possam entrar no país

Apreensivos com uma possível crise, empresários do setor agrário da Califórnia – o maior dos EUA e um dos mais importantes do mundo – clamam por leis mais flexíveis, que permitam a entrada de trabalhadores mexicanos pelas fronteiras. Constantes intervenções policiais, deportando estrangeiros, têm afastado ainda mais os trabalhadores desse Estado e esvaziado as lavouras.

“São esses trabalhadores, chamados de ilegais, os responsáveis por colocar frutas e comida na nossa mesa. Acredito que deva ser aprovada uma lei que permita aos trabalhadores receberem uma documentação legal para trabalhar”, argumenta Pegg.

“Marco na história”

Em meio à pressão dos agricultores por reformas na lei migratória, uma pesquisa divulgada nesta semana pela Universidade da Califórnia Dornsife e o jornal LA Times revelou que, pela primeira vez na história da Califórnia, a maioria da população é favorável à presença de imigrantes e à regularização da documentação daqueles que estão sem visto.

Segundo o levantamento, apenas 19% dos californianos acreditam que os estrangeiros devem deixar o país. Cerca de 74% defendem que o país implemente uma nova lei que favoreça os imigrantes que entraram de forma irregular em seu território. Os números expressivos são tratados pelos responsáveis pela pesquisa como “um marco na história”.

“É uma mudança fundamental na forma como os cidadãos enxergam a contribuição dos imigrantes ilegais no país. É claro que o resultado mostra que os californianos querem uma reforma mais abrangente promulgada o mais rápido possível. Mesmo com a oposição dos republicanos, 74% da população acreditam que imigrantes deveriam receber uma cidadania norte-americana. Esse é um número histórico”, afirma o diretor da pesquisa Dan Schnur.

Wikicommons

Califórnia tem um dos mais ricos e eficientes sistemas agrários do mundo; são 39 bilhões de dólares movimentados todos os anos

Trabalhadores ilegais, sobretudo os mexicanos, são forçados a trabalhar em péssimas condições e sob o risco de serem deportados. O alto risco e melhores condições de vida no país natal fizeram que a Califórnia não fosse mais um destino tão atrativo como antigamente.

"Uma vez que esses trabalhadores sejam legalizados, além de poderem colaborar ainda mais com a economia do país, eles vão poder se organizar em sindicatos, lutar por direitos e não aceitar nunca mais abusos, discriminações e as ameaças de deportação”, afirma a diretora da União dos Trabalhadores Agrários da Califórnia, Maria Machuca.

Um estudo do CAPI (Center for American Progress and the Immigration Policy Center) afirma que, se o governo norte-americano chegar a um acordo flexível quanto à reforma migratória, o crescimento de empregos pode alcançar o número de 900 mil novas vagas e um lucro líquido de 5,4 bilhões de dólares.

Atualmente, o setor agropecuário da Califórnia é responsável pela movimentação de cerca de 39 bilhões de dólares (cerca de 79 bilhões de reais) por ano. O número de imigrantes que trabalha nos EUA é de 2 milhões de pessoas, sendo que metade atua sem visto. Apenas na Califórnia são 600 mil sem a documentação legal.

sábado, 30 de março de 2013

As empregadas e a escravidão | Direto da Redação - 11 anos

As empregadas e a escravidão | Direto da Redação - 11 anos

O Millenium e ...

| 29/03/2013 | Copyleft

O Millenium e as lembranças

Não é mera coincidência a preferência dos integrantes do Instituto Millenium pela subordinação do Brasil aos grandes centros financeiros internacionais e sua ojeriza diante das relações harmônicas entre governos latino-americanos.

O economista Cristiano Costa foi recebido em fevereiro pelo pessoal do grupo A Tarde, em Salvador. A companhia de comunicação, que tem provedor e portal na internet, agência de notícias, jornal impresso, emissora de FM, gráfica, reuniu seus profissionais para servirem-se de uma palestra da série 'Millenium nas Redações'.

Blogueiro e professor de uma universidade capixaba chamada Fucape Business School, Costa é também colaborador cativo do Instituto Millenium, articulador desses eventos destinados a “aprimorar a qualidade da imprensa no Brasil”.

A base de sua explanação são seus artigos reproduzidos no site do instituto, em que critica duramente a política econômica do governo e ataca sem rodeios o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Em um deles, cita o programa 'Minha Casa, Minha Vida' como um dos responsáveis por inflacionar o setor imobiliário. Isso num ambiente em que até os preços de imóveis de alto padrão dispararam.

As pessoas estão mais seguras no emprego e foram comprar, a queda dos juros levou mais gente a ter acesso a crédito, ou mais gente a tirar dinheiro de aplicações financeiras para investir em imóveis. Há muitos fatores em jogo, mas lá vai o programa federal destinado a famílias de baixa renda pagar o pato da especulação.

Outras redações de jornais e revistas foram brindadas pelo Millenium com palestras sobre assuntos variados, da reforma do Judiciário à assustadora “crise econômica”.

O currículo dos palestrantes, colaboradores do instituto, explica o objetivo real das palestras: consolidar no meio jornalístico o papel oposicionista da mídia brasileira.

Há algum tempo os ambientes de redação eram conhecidos por ter profissionais críticos, independentes, e o direcionamento da informação era resultado da sintonia dos editores com os donos dos veículos.

Não era incomum a conclusão do jornal ou da revista acabar em atrito entre repórter e superiores. Agora, os donos dos veículos preferem formar “focas” que já cheguem às redações comprometidos com suas crenças.

Essas crenças, recheadas de interesses políticos e econômicos, vêm sendo difundidas de maneira afinada pelos meios de comunicação reunidos no Millenium. Resultado concreto desse trabalho pôde ser visto neste início de ano.

Três assuntos, alardeados como ameaças ao país, ocuparam as manchetes dos grandes jornais e foram amplificados pelo rádio e pela TV: apagão, inflação e crise na Petrobras.

Além do noticiário parcial, analistas emitiam previsões catastróficas. Como elas não se confirmavam, o assunto era esquecido e logo substituído por outro.

No dia 8 de janeiro, o jornal O Estado de S. Paulo estampou na capa: “Governo já vê risco de racionamento de energia”. Um dia antes a colunista da Folha de S. Paulo Eliane Cantanhêde chamava uma reunião ordinária, agendada desde dezembro, de “reunião de emergência” do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico convocada às pressas por Dilma para tratar do risco de racionamento.

Diante da constatação de que a reunião nada tinha de extraordinária, a Folha publicou uma acanhada correção. Como de costume, o tema foi sendo lentamente deixado de lado. O risco do “racionamento” desapareceu.

Pularam para o “descontrole” da política econômica e a ameaça de um novo surto inflacionário. “Especialistas” tentavam, a partir dos índices de janeiro, projetar uma inflação futura capaz de desestabilizar a economia.

Aproveitavam para crucificar o ministro Mantega, artífice de uma política que contraria interesses dos rentistas nacionais e internacionais: a redução dos juros bancários está na raiz da gritaria.

Não satisfeitos, colocaram a Petrobras na roda, responsabilizando a “incapacidade administrativa” dos dirigentes da empresa pela redução dos dividendos pagos aos acionistas.

Sem considerar que, dentro da estratégia atual de ação da Petrobras, os recursos de parte dos dividendos retidos passaram a contribuir para o desenvolvimento do país na forma de novos investimentos.

Variações de uma nota só
Aparentemente isoladas, essas versões jornalísticas são, na verdade, articuladas a partir de ideias comuns que permeiam as pautas dos principais veículos.

No site do Instituto Millenium elas estão organizadas e publicadas de maneira clara. O Millenium diz ter como valores “liberdade individual, propriedade privada, meritocracia, Estado de direito, economia de mercado, democracia representativa, responsabilidade individual, eficiência e transparência”.

Faz lembrar a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que chegou a dizer que só o indivíduo existe, a sociedade é ficção.

Fundado em 2005, o Millenium foi oficialmente lançado em abril de 2006 com o apoio de grandes empresas e entidades patronais lideradas pela Editora Abril e pelo grupo Gerdau.

Trata-se de uma liderança significativa, pois reúne uma empresa propagadora de ideias e valores e outra produtora de aços, base de grande parte da economia material do país.

A elas juntam-se a locadora de veículos Localiza, a petroleira norueguesa Statoil, a companhia de papel Suzano, o Grupo Estado e a RBS, conglomerado de mídia que opera no sul do Brasil. A Rede Globo, como pessoa jurídica, não aparece na lista, mas um dos seus donos, João Roberto Marinho, colabora.

Essa integração entre empresas de mídia e empresários faz do Millenium uma organização capaz de formular e difundir programas de ação política em larga escala, com maior capacidade de convencimento do que muitos partidos políticos. Com a oposição partidária ao governo enfraquecida, ocupa esse espaço com desenvoltura.

Apesar do apego declarado à democracia, alguns dos colaboradores não escondem o desejo de combater o governo de qualquer forma.

É o que está explícito na fala de outro de seus colaboradores, o articulista Arnaldo Jabor, quando num dos eventos promovidos pelo instituto disse: “A questão é: como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo?”

Essa articulação faz lembrar a de organismos privados como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), fundado em 1959, e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), nascido em 1961. Ambos uniram empresários e mídia conservadora na formulação e divulgação de ideias que impulsionaram o golpe de 1964.

“Ipes e Ibad não eram apenas instituições que organizaram uma grande conspiração para depor um governo legítimo. Elaboraram um projeto de classe. O golpe foi seguido por uma série de reformas no Estado para favorecer o grande capital”, lembra o pesquisador Damian Bezerra de Melo, da Universidade Federal Fluminense (UFF).

No cenário atual, de decadência do modelo neoliberal e de consolidação de políticas desenvolvimentistas no Brasil, o Millenium seria um instrumento ideológico para dar combate a esse processo transformador.

“Nos anos 1990 ocorreu a disseminação da ideologia do pensamento único, de que o capitalismo triunfou, o socialismo deixou de existir como projeto político”, afirma a historiadora Carla Luciana da Silva, da Universidade do Oeste do Paraná. “Quando surgem experiências concretas que podem desafiar essas ideias, aparece em sua defesa uma organização como o Millenium para manter vivo o ideal do pensamento único.”

A difusão dessas ideias não é feita por meio de manifestos ou programas partidários, observa a pesquisadora. “É muito difícil pegar uma revista como a Veja ou um jornal como a Folha de S. Paulo e conseguir visualizar os sujeitos que estão produzindo as ideias defendidas ali. Cria-se uma imagem do tipo ‘a’ Folha, ‘a’ Veja, como se fossem sujeitos com vida própria. É uma forma de não deixar claro em nome de que projeto falam, como se falassem em nome de todos.”

Contra as versões, fatos
Conhecendo as ações do instituto e seus personagens fica mais fácil compreender como certos assuntos tornam-se destaque de uma hora para outra. A presença nos quadros do instituto de jornalistas e “especialistas” com acesso fácil aos grandes meios de comunicação leva suas “notícias” rapidamente ao centro do debate nacional.

E fica difícil contra-argumentar com colaboradores do Millenium, não pela qualidade de seus argumentos, mas pela força de persuasão dos veículos pelos quais difundem suas ideias.

Como retrucar, com igual alcance, comentários de Carlos Alberto Sardenberg, na CBN, de Ricardo Amorim, na IstoÉ, na rádio Eldorado e no programa Manhattan Connection, da GloboNews, de José Nêumanne Pinto, no Estadão e no Jornal do SBT, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da TV Globo, entre tantos outros?

Não é mera coincidência a preferência dos integrantes do Millenium pela subordinação do Brasil aos grandes centros financeiros internacionais e sua ojeriza diante das relações harmônicas entre governos latino-americanos.

Trata-se de uma tentativa de ressuscitar um projeto político implementado durante a ditadura que só passou a ser confrontado, ainda que parcialmente, a partir de 2003, com a posse do governo Lula.

Mas parece não haver espaço para uma hipótese golpista, apesar do já citado dilema de Jabor. Para a professora Tânia Almeida, da Unisinos de São Leopoldo (RS) e diretora de relações públicas da Secretaria de Comunicação do Rio Grande do Sul, um dos ganhos da crise política de 2005, com a questão do chamado “mensalão”, foi ter forçado análises e estudos em busca de explicações de como o então presidente Lula conseguiu suportar tanta notícia negativa e manter elevados índices de aprovação.

“Não era só carisma. Desde 2003, havia uma gestão de governo em funcionamento. Não existia somente aquilo de que os jornais e revistas tratavam, não era só escândalo. Outra proposta política estava acontecendo”, observa Tânia. Para a professora, os avanços sociais alcançados não permitem crer em crise que leve a uma ruptura institucional.

“O Millenium é um agente articulador, social, político, que pode fomentar e aquecer debates, mas não teria potencial para causar uma crise nos moldes de 1964. O poder de influência da mídia ficou relativizado desde 2006 em função dessa política que chega lá na ponta e inclui quem estava fora.”

Damian Melo, da UFF, tem visão semelhante, mas com um pé atrás: “O Millenium não possui hoje estratégia golpista. Quer emplacar seu projeto, e isso pode ser pela via eleitoral mesmo. Muito embora nossa experiência nos diga que é melhor ficarmos atentos”.

*Colaborou Rodrigo Gomes

**Publicado originalmente na Revista do Brasil, edição de março de 2013


Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Jovens brasileiros disseminam apoio à Coreia do Norte | Carta Capital

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Por que o Vaticano é notícia

Por que o Vaticano é notícia... e a República Popular da China não é?!


20/3/2013, Gamal Nkrumah*, Al-Ahram Weekly, Cairo
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Leia também:
Multidão na Praça de São Pedro para primeira aparição do Papa Francisco
Ambas as instituições, a Igreja Católica Romana e a República Popular da China lutam para encontrar novo espaço para elas no mundo contemporâneo. Pois o mais estranho é que, enquanto a seleção do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio como novo Líder Supremo da Igreja Católica, que tem 1,2 bilhões de crentes em todo o mundo, manteve hipnotizada a imprensa-empresa internacional, a eleição do novo governo chinês não recebeu senão escassa cobertura.
Apesar dos escândalos financeiros e sexuais, vista do ponto de vista africano ou árabe, a Igreja Católica Romana é tema muito mais atraente que o Partido Comunista da China. Jihad Al-Khazen no diário panárabe, que tem sede em Londres, Al-Hayat, deu bom uso à obsessão dos jornais árabes com a seleção papal e a considerável influência no papa, numa região do mundo onde tem poucos seguidores:
 Jihad Al-Khazen
O cardeal argentino conservador adotou o nome de Papa Francisco e será o 266º líder supremo da Igreja de São Pedro. Sugiro que Al-Azhar Al-Sharif e seu líder, o Dr Ahmed Al-Tayeb, iniciem diálogo com o novo papa, para fazer avançar a cooperação contra o governo de Israel e suas políticas colonialistas racistas – disse Al-Khazen. – Espero ter sido bem claro: não me interessa qualquer tipo de aliança declarada ou secreta; quero saber de cooperação; e não contra os judeus, nem contra Israel, mas contra um governo de assassinos criminosos de guerra que deixaram Israel em posição de perigoso isolamento no mundo, como até o AIPAC, o lobby pró-Israel, disse há poucos dias em Washington, DC – concluiu Jihad Al-Khazen.
A questão é por que os jornais árabes estão preocupados com o papa e não estão preocupados com os chineses comunistas? Alguém ouviu falar do Fórum de Cooperação Sino-Árabe? Quantos leitores árabes sabem que o califa otomano, Ibn Affan enviou um embaixador à corte de Tang, em Chang’an?
Talvez não seja justo comparar o Vaticano e Pequim. A China e a Igreja Católica têm “populações” comparáveis: 1,4 bilhão e 1,2 bilhão, respectivamente. A Igreja Católica é instituição religiosa influente, a China é a maior potência econômica global.
Não é critério para comparação, mas a questão permanece: por que o Papa Francisco, não a nova recém eleita alta hierarquia do Partido Comunista Chinês, é o iluminado pelos holofotes da imprensa-empresa internacional? Quantos leitores árabes conhecem o nome do novo presidente da China? Ou do novo secretário-geral do Partido Comunista Chinês?
Papa Francisco dirige-se ao púlpito em sua primeira aparição na Praça de São Pedro
Mais um enigma: por que todos os papas que apareceram no púlpito máximo da Igreja Romana foram ou magnificados ou demonizados a ponto de se tornarem irreconhecíveis, senão pela máscara que lhe tenha sido pespegada? O Vaticano, afinal, é estado microscópico, absolutamente sem qualquer importância econômica para os mundos africano ou árabe. Sua única significação é, talvez, a autoridade religiosa e moral.
O que talvez haja de comum em Pequim e no Vaticano é que, nos dois casos, a importância global advém do exemplo que são. Mas são exemplo do quê? O Partido Comunista Chinês, apesar do autoritarismo totalitário, arrancou o povo chinês da pobreza abjeta em que vivia, do atraso que castigava os mais pobres.
Aí está um sucesso digno de nota. Assim sendo, por que o exemplo que vem do Vaticano assumiria tal significação e seria tão influente, sem qualquer relação e fora de qualquer proporção com suas proezas econômicas?
Exposição “A Estrada da China Rumo à Renovação”
A história do partido governante na China e seu principal corpo político nacional consultivo, a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC [orig. in. Chinese People’s Political Consultative Conference (CPPCC)] é notável precisamente porque é caso exemplar das barreiras e antagonismo que dificultam a marcha do estado totalitário mais poderoso do mundo e segunda maior economia, depois dos EUA.
12a. Conferência Política Consultiva do Povo Chinês - CPCPC em 3/3/1013
A CPCPC tem sido, ao longo de sua tumultuada história, vítima da própria ambiguidade ideológica e das pré concepções subconscientes de outros, inclusive das potências estrangeiras, quase sempre adversárias; de dissidentes chineses locais e de comunidades chinesas em outros países, quase sempre críticas, as quais, nas últimas décadas já têm papel cada vez mais proeminente nas questões chinesas domésticas, além de influenciar também na arena econômica.
A democracia multipartidária à ocidental e o regime de partido único na China são dois sistemas de governo incompatíveis e em perene disputa. Muitos países em desenvolvimento na África e no mundo árabe optaram por seguir os passos de seus velhos senhores coloniais, todos eles potências ocidentais. Isso posto, é interessante perceber que as pré concepções erradas sobre o sistema comunista chinês de governo vão muito mais fundo que as caricaturas contemporâneas que se fazem do stalinismo soviético.
Seria erro pressupor que a CPCPC, fora de moda como talvez pareça, num mundo de democracias à moda ocidental, seria manifestação de algum monopólio sobre o estado do partido único em todas as esferas da vida da nação mais populosa do planeta. E os principais conselheiros políticos do governo chinês, que representam amplo espectro de figuras destacadas nos negócios, na academia, nas finanças e noutras esferas, encerraram seu encontro anual, dia 12 de março, jurando lealdade ao Partido Comunista Chinês; e declararam que rejeitam a democracia multipartidária à ocidental.
Yu Zhengsheng
Esse corpo de conselheiros do Estado representa, por definição, a democracia chinesa em ação. O novo presidente da CPCPC, recentemente eleito e empossado, Yu Zhengsheng, disse, no encerramento da reunião de 2013 da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, que aquele corpo de conselheiros cerrava fileiras em torno dos novos líderes do Partido Comunista, tendo ao timão o novo timoneiro, Xi Jinping. Exatamente como, em contexto completamente diferente, os católicos reúnem-se em torno (e abaixo) do novo Papa.
Na China comunista, a luta contra a miséria, o subdesenvolvimento, a fome e o analfabetismo é crucialmente importante. Mesmo assim, o fosso que separa os mais ricos e os mais pobres está aumentando na China contemporânea. Os líderes do Partido estão agudamente conscientes e bem pouco confortáveis ante o risco de deixarem essa desgraçada herança para seus filhos e netos. Além do mais, o partido que governa é o principal poder político e os postos do governo são entregues a membros do partido, selecionados a dedo.
Temos de seguir mais estritamente a via socialista do desenvolvimento político com características chinesas, não imitar, em nenhum caso, os sistemas políticos ocidentais” – disse Yu à assembleia de mais de 2.000 conselheiros do Parlamento chinês e membros da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, CPCPC – que são vistos no ocidente como pseudo parlamento, que só oficializaria decisões tomadas no comando central do partido, sem qualquer influência ou poder político reais.
Yu, conhecido pelo pedigree comunista, foi indicado para presidir a Conferência Política Consultiva do Povo Chinês no dia 11 de março. A CPCPC, embora se suponha que não tenha poder algum, tornou-se hoje uma espécie de fórum popular no qual se apresentam e defendem-se questões populares candentes, como segurança alimentar, poluição e ocupações de terra.
A indicação de Yu foi recebida com eloquente silêncio pela imprensa-empresa árabe ou africana, apesar de a China ser o mais importante parceiro comercial de todo o continente africano. A ascensão de Yu na hierarquia do Partido Comunista Chinês foi o último passo de uma transição política que só acontece uma vez em cada década. E num sistema que, sim, gerou impressionantes resultados econômicos, mas que nem assim atrai a atenção de países árabes e africanos.
A ascensão de Yu foi o início de uma semana de alterações sistemáticas no governo chinês, já fortemente encaminhada desde as promoções no Congresso do Partido Comunista Chinês, em novembro passado. Yu era um dos sete líderes que ascenderam então ao círculo superior do comando do PCC, na mesma ocasião em que Xi foi nomeado secretário-geral. Yu, é o 4º na hierarquia do Partido, já posicionado para desempenhar papel ainda mais importante no futuro político do país.
Zhou Xiaochuan
Na China contemporânea, a economia vai-se tornando tão significativa quanto as questões políticas e militares. O presidente do Banco do Povo da China, Zhou Xiaochuan, foi nomeado para uma das vice-presidências da CPCPC. Essa semana, com muita pompa e cerimônia, o Congresso Nacional do Povo concluiu a transição nas principais posições políticas e aprovou os nomes indicados para os principais postos de governo: Xi Jinping sucede Hu Jintao como Presidente da China; e Li Keqiang, o 2º na hierarquia do Partido, foi nomeado Primeiro-Ministro, e comandará o gabinete chinês.
A evidência de que o Papa Francisco foi objeto de atenção mundial e de que a nova liderança chinesa permanece praticamente desconhecida no ocidente não se explica apenas por alguma oposição de uma imprensa-empresa ocidental hostil. Na verdade, é como se nada tivesse mudado; a China continua a ser objeto de interesse: sempre a degradação do meio ambiente, de água, terra e ar chineses, resultado de décadas de crescimento econômico muito rápido.
Mas há também mudanças sociais e políticas sutis a serem observadas. A crescente classe média chinesa, empoderada pelas tecnologias das redes sociais, fala cada vez mais sobre as próprias demandas, quer mudanças e quer organizar manifestações. Não há qualquer “primavera árabe” à vista na China, mas o novo presidente Xi encara uma nova China em gestação e sabe bem disso.
Em novembro do ano passado, inaugurou a exposição “Estrada da China Rumo à Renovação” [1] em Pequim, prometendo prosseguir rumo à meta de fazer “a grande renovação da nação chinesa”. (...)
Xi Jinping
Durante a visita que fez àquela exposição, Xi observou como o ocidente ocupara territórios da China, estabelecera concessões e demarcara esferas de influência, num passado não muito distante. Parou à frente da primeira versão chinesa do Manifesto Comunista, de documentos e fotos da fundação do Partido Comunista Chinês, em 1921; da autobiografia de um dos fundadores do PCC, Li Dazhao; da primeira bandeira nacional da República Popular da China; e de fotografias da 3ª Sessão Plenária do 11º Comitê Central do Partido Comunista da China, ocasião em que o legendário Deng Xiaoping lançou o movimento de modernização, que mudaria a história da China contemporânea (e do mundo).
Mao Tse Tung
Em importante discurso naquela ocasião, Xi citou um dos poemas de Mao Tse Tung, que lembra as dificuldades históricas que a China enfrentou em seus dias. “Mas o povo chinês jamais se rendeu, lutou sem parar e, afinal, assumiu o controle do próprio destino e iniciou o grande processo de construir nossa nação” – disse ele. – “A China mostrou, plenamente, o nosso grande espírito nacional”.
Mas, mesmo ali, Xi anotou as complexas pressões que desafiam a China contemporânea. “Essa é a estrada do socialismo com características chinesas”, concluiu, em frase que correu o mundo.
A perspectiva chinesa
Yu Zhengsheng disse coisa semelhante num simpósio do qual participaram os presidentes dos oito partidos não comunistas chineses [2] e da Federação de Indústria e Comércio de Toda a China, além de personalidades sem filiação partidária. Yu também destacou sua convicção de que o trabalho da China contemporânea é promover e construir um socialismo específico, com características chinesas. A questão realmente interessante é por que, num determinado momento, todos esses altos dirigentes comunistas puseram-se a falar tanto dessas “características chinesas”.
A CPCPC inclui representações de compatriotas de Hong Kong, Macau e Taiwan, de chineses retornados e também alguns convidados internacionais. Yu (...) mencionou a “cooperação multipartidária”. Manifestou esperança de que os partidos não comunistas conseguissem aprimorar seus sistemas ideológicos e organizacionais e o estilo de trabalho, para que também ali se produzissem profundas mudanças, quando da eleição de novos dirigentes em seus respectivos congressos nacionais, para gerar efetiva cooperação multipartidária. Presumia, provavelmente, que todos acompanharão as mudanças que se veem entre os comunistas chineses.
À primeira vista, talvez pareça que os atuais membros da CPCPC teriam invertido os mandamentos do maoísmo. A CPCPC, tecnicamente ou teoricamente, é constituída de representantes do PCC e dos partidos não comunistas, de pessoas sem filiação partidária e de representantes da sociedade civil e das chamadas organizações populares, das minorias étnicas e de vários estratos sociais.
O discurso sobre o tema “Manter-se firme e desenvolver o socialismo com características chinesas, e estudar, promover e implementar o espírito do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês” foi feito por Xi, numa reunião de trabalho da qual participaram todos os membros da Comissão Política do Comitê Central do PCC.
Li Keqiang
Seria erro supor que a atitude dos mais altos dirigentes no 18º Congresso Nacional do PCC não seria influenciada por princípios longamente elaborados. Embora se pressinta uma crescente crise ambiental, um terço dos delegados rejeitaram uma importante medida antipoluição. Os analistas chineses antecipam agora grandes reformas econômicas, a partir do novo governo em Pequim, depois que o premiê Li Keqiang declarou que mais setores da economia terão de ser entregues a empresas privadas. “A China é uma grande nação, plena de criatividade” – disse Xi Jingping. – “Criamos essa cultura chinesa e saberemos ampliar nossa rota rumo ao desenvolvimento chinês”.
Uma nova geração de dirigentes chineses parecem comprometidos com o capitalismo, mesmo sem esquecer o comunismo. O mundo terá de prestar máxima atenção, agora que os novos dirigentes põem a China numa trilha chamada “o sonho chinês”.
Devem-se perdoar os que estudam mitos históricos, se lhes ocorre a ideia de que a China veio ao mundo exclusivamente para demonstrar que Mao tinha razão e que o ocidente sempre esteve errado. Com mitos ou sem, é difícil escapar à conclusão de que, no que tenha a ver com os que governam na África e no mundo árabe, não é porque a China não dê grande atenção às liberdades civis, que Francisco I atrai todas as atenções da imprensa-empresa. Se a Igreja Católica, não a China, atrai hoje todos os holofotes midiáticos, a causa está em outro lugar; o motivo é outro.

Notas dos tradutores
[1] Sobre essa exposição – de quadros históricos, mapas, objetos e vídeos da história  da China desde meados do séc.19, inaugurada dia 29/11/2012 no Museu Nacional da China, em Pequim – ver 3/12/2012, Celebrating China’s Road Toward Renewal [Comemorando a Estrada da China Rumo à Renovação], Beijing Review, com foto:
Xi Jinping (centro), secretário-geral do PCC; Li Keqiang (3º dir.), Zhang Dejiang (3º esq.), Yu Zhengsheng (2º dir.), Liu Yunshan (2º esq.), Wang Qishan (1º dir.) e Zhang Gaoli (1º esq.)
[2] Sobre os partidos não comunistas chineses, ver 16/3/2012, redecastorphoto em: “Partidos não comunistas na China: há OITO!”.
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Gamal Gorkeh Nkrumah*, jornalista ganense, nasceu em 1959 em Accra, é panafricanista e editor do jornal Al Ahram Weekly. Filho mais velho do primeiro Presidente de Gana, Kwame Nkrumah,  casado com uma egípcia, Fathia Nkrumah. Recebeu seu doutorado em Ciência Política na School of Oriental and African Studies em Londres. Trabalhou como jornalista político no Al-Ahram Weekly no Cairo por cerca de 15 anos antes de assumir a Editoria da Seção Assuntos Internacionais do jornal.

Diário do Centro do Mundo

Montaigne e as vantagens da memória ruim

Paulo Nogueira 29 de março de 2013 14
Não lamente muito se você for um esquecido.
Para Montaigne, velhos com boa memória são uma companhia perigosa

Mais uma etapa da série “Conversas com Escritores Mortos”. Montaigne é o entrevistado. Ele fala das vantagens da falta de memória.

Como o senhor classifica sua memória?
Não há ninguém no mundo que fale tão pouco de memória quanto eu, até porque a minha é quase nula, e não creio que exista outra tão traiçoeira como a minha. Minhas outras características são comuns, banais, mas a falta de memória é singular, e merece a fama que tem. Platão, lembremos, dizia que a memória é uma deusa grande e poderosa.
As pessoas que o conhecem concordam com o senhor neste autojulgamento tão severo?
Quando toco neste defeito, eles não acreditam em mim, e depois me reprovam, por achar que estou fazendo pouco de mim. Mas é um erro. A experiência mostra que, ao contrário, uma memória forte raramente se faz acompanhar de discernimento. E um adendo: posso não me lembrar de muitas coisas, mas jamais me esqueço de cuidar de nada que um amigo tenha me confiado.
Como o senhor lida, interiormente, com sua desmemória?
Extraio coisas positivas disso. A maior delas é que este mal me livra de um  mal maior que poderia facilmente crescer em mim, a saber, a ambição. Este é um defeito intolerável nos homens públicos.
Alguma outra vantagem?
A falta de memória também me impede de ser tão tagarela. Muitos amigos meus, por ter uma memória que lhes traz muitas informações, começam a contar uma história com tantos detalhes desnecessários que acabam por torná-la desinteressante, mesmo quando ela é boa. A força da memória deles é maior do que o poder de discernimento. Os homens velhos que se lembram de todas as coisas passadas, mas se esquecem de quantas vezes já as repetiram, são uma companhia especialmente perigosa.
Mais algum ponto positivo em ser desmemoriado?
Esqueço facilmente as ofensas que recebi. Só me lembraria delas se fizesse como Dario, que, para não esquecer os insultos dos atenienses, pedia a um de seus assistentes, no jantar, que falasse três vezes em seus ouvidos: “Senhor, se lembre dos atenienses”. De resto, os lugares que revisito e os livros que releio sempre riem para mim com um ar fresco de novidade.
Mais alguma coisa a destacar?
Não é à toa que dizem que quem tem pouca memória não deve se atrever a mentir. Que memória é tão boa para reter todas as minúcias de uma história mentirosa contada várias vezes?
A falta de memória nos ajuda a ser mais verdadeiros, portanto. Mas não é um preço alto a pagar pela verdade?
Mentir é um vício detestável, para ser direto. Não somos homens, e nem temos outros vínculos com os outros homens, a não ser por nossa palavra. Se tivéssemos noção da gravidade desse defeito, castigaríamos os mentirosos com muito mais rigor. Vejo pais serem duros com seus filhos por pequenas artes, e ao mesmo tempo serem complacentes com as mentiras que eles contam. É um erro.

clubes militares atacam Comissão Nacional da Verdade

No aniversário do golpe, clubes militares atacam Comissão Nacional da Verdade


 
“A Comissão Nacional da Verdade foi o alvo escolhido pelos clubes Militar, da Marinha e da Aeronáutica em mensagem “à nação brasileira” pela passagem dos 49 anos do golpe de 1964 – ou "revolução", como preferem os defensores do movimento. Em nota, as entidades atacam os “democratas arrivistas” e reafirmam que a intervenção de quase cinco décadas atrás ocorreu para preservar a ordem.

Segundo os clubes, as ações das Forças Armadas desde o início da República garantiram sua credibilidade. “Não foi por outro entendimento que o povo brasileiro, no início da década de 1960, em movimento crescente, apelou e levou as Forças Armadas Brasileiras à intervenção, em Março de 1964, num governo que, minado por teorias marxistas-leninistas, instalava e incentivava a desordem administrativa, a quebra da hierarquia e disciplina no meio militar e a cizânia entre os Poderes da República”, diz a nota, divulgada ontem (28), mas com data de 31 de março, assinada pelos presidentes do Clube Militar, general do Exército Renato Cesar Tibau da Costa, do Clube Naval, vice-almirante Ricardo Antonio da Veiga Cabral, e do Clube da Aeronáutica, tenente brigadeiro-do-ar Ivan Moacyr da Frota.

Essa intervenção, afirmam os militares, teria beneficiado o país em várias setores (economia, comunicações, transportes, social, político), “além de outros que a História registra e que somente o passar do tempo poderá refinar ou ampliar, como sempre acontece”. Mas – acrescentam – as “minorias envolvidas na liderança da baderna que pretendiam instalar no Brasil” tentaram se organizar e, financiadas por capital estrangeiro, “iniciaram ações de terrorismo, com atentados à vida de inocentes que, por acaso ou por simples dever de ofício, estivessem no caminho dos atos delituosos que levaram a cabo”.
Nesse trecho da mensagem entram os ataques à Comissão da Verdade. “E que não venham, agora, os democratas arrivistas, arautos da mentira, pretender dar lições de democracia. Disfarçados de democratas, continuam a ser os totalitários de sempre”, afirmam, apontando uma resolução da CNV, de agosto de 2012, que definiu como sua área de investigação as violações de direitos humanos praticadas “por agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado”. Para os militares, a comissão alterou a Lei 12.528 (que criou a própria CNV) a fim de “'varrer para debaixo do tapete' os crimes hediondos praticados pelos militantes de sua própria ideologia”.
Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, em fevereiro o brigadeiro Ivan Frota procurou o então presidente da comissão, Cláudio Fonteles, para encaminhar em nome da Academia Brasileira de Defesa (ABD), que ele preside, documentos e publicações para que servissem de "subsídios para a apreciação isenta dos fatos". Em entrevista, o militar disse que a CNV "tem trabalhado em uma direção única", sem dar direito à defesa ao "outro lado".
No manifesto referente aos 49 anos do golpe, os representantes militares criticaram o que chamam de terrorismo daqueles que "almejavam empalmar o poder para fins escusos". Não fazem referência as ações praticadas pelo "outro lado", representado pelo Estado, exatamente o foco das investigações feitas pela comissão, que em maio completará metade de seu mandato de dois anos.
A nota é divulgada no dia em que se completam 45 anos da morte, pela polícia, do estudante paraense Edson Luís de Lima Souto, de 18 anos, durante protesto no Rio de Janeiro. Em 13 de dezembro daquele ano (1968), o governo baixaria o Ato Institucional número 5 (AI-5), formalizando a fase mais dura do regime iniciado em 1964.”

ONU critica Brasil


ONU critica Brasil por 'uso excessivo de privação de liberdade'

Atualizado em  28 de março, 2013 - 18:11 (Brasília) 21:11 GMT

Penitenciária na Bahia (foto: ABr)
Superlotação no sistema prisional é uma das principais críticas da ONU ao Brasil
Um grupo de trabalho da ONU criticou nesta quinta-feira o "uso excessivo da privação de liberdade" como punição a crimes no Brasil e deficiências na assistência jurídica a presos pobres no país.
As críticas constam de texto divulgado ao fim de uma visita de dez dias do grupo pelo país, a convite do governo brasileiro. No documento, a equipe se disse “seriamente preocupada” com o uso da privação de liberdade no Brasil.
O governo brasileiro não se pronunciou sobre as críticas.
"O Brasil tem uma das maiores populações de prisioneiros do mundo, com mais de 550 mil pessoas na prisão. O que é mais preocupante é que cerca de 217 mil detidos aguardam julgamento em prisão preventiva."
Segundo os peritos, prender acusados ou condenados por crimes é a punição mais usada no país, embora o Brasil seja signatário de acordos internacionais que fornecem proteção contra a privação arbitrária de liberdade.
O grupo elogiou as alterações no Código de Processo Penal em 2011, que tratam a prisão preventiva como o último recurso aos que cometeram crimes com pena de prisão inferior a quatro anos.
Os especialistas consideraram positivas, ainda, mudanças na Lei de Execução Penal que reduzem sentenças de prisioneiros que busquem educação.
No entanto, a equipe observou uma "tendência preocupante" de que a privação de liberdade está sendo usada como primeiro recurso, em vez de último. O grupo alertou ainda para o aumento de 33% na proporção de indígenas presos em relação à população carcerária geral nos últimos anos.
“O grupo de trabalho também foi informado que as pessoas indígenas foram muitas vezes discriminadas tanto em relação a medidas preventivas aplicadas quanto em relação à punição imposta, o que muitas vezes envolveu uma prisão dura.”
A equipe, que visitou centros de detenção em Brasília, Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo, diz ter encontrado pessoas presas em razão de infrações leves, que deveriam ter sido punidas com medidas alternativas.
Os especialistas condenaram ainda as dificuldades para que brasileiros pobres tenham assistência jurídica. Segundo o grupo, boa parte da população carcerária no país não tem condições de pagar advogados, dependendo de defensores públicos.
No entanto, o documento diz que o número de defensores no país é inadequado. Há inclusive Estados – como Santa Catarina, Paraná e Goiás – onde não há nenhum defensor público.
“A sobrecarga de trabalho dos defensores públicos também é um problema crítico”, afirma o grupo, que cita casos em que profissionais lidam com até 800 casos ao mesmo tempo.
“Mesmo em Estados onde há um sistema de defensoria pública, muitas vezes as áreas rurais ou do interior não têm defensores públicos atendendo as pessoas em detenção.”
O longo período que antecede o julgamento de acusados no Brasil foi outro problema apontado pelos especialistas, que citam casos de presos que esperam por julgamento há anos.
A equipe da ONU expressou ainda preocupações com prisões de dependentes de drogas. “O grupo de trabalho está seriamente preocupado com a informação de que estas medidas também são fortemente aplicadas devido a futuros grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 que o Brasil sediará”.
Na visita, a delegação se reuniu com as autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário nas esferas federal e estadual e com organizações da sociedade civil.
O grupo, integrado pelo chileno Roberto Garretón e pelo ucraniano Vladimir Tochilovsky, foi acompanhado por equipe do Escritório da ONU do Alto Comissariado para os Direitos Humanos em Genebra.
A visita gerará um relatório, a ser apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2014.
Contatado pela BBC Brasil, o Ministério da Justiça não comentou as críticas da delegação da ONU.

Delta do rio Paraná

Argentinos recordam ‘voos da morte’ no delta do rio Paraná

Atualizado em  28 de março, 2013 - 16:48 (Brasília) 19:48 GMT
Delta do rio Paraná. BBC Mundo
Região pode ser uma grande fossa comum de prisioneiros mortos pela ditadura argentina
"Mesmo após anos, a lembrança continua ali. Eu tento não me lembrar, porque não é algo bonito."
A frase é de José Luis Pinazo, que vive no delta do rio Paraná, na Argentina. Há três décadas ele foi testemunha de cenas que marcaram um dos capítulos mais sombrios da ditadura argentina – o lançamento de corpos de prisioneiros políticos no rio a partir de aviões.
Pinazo é piloto de uma lancha que transporta diariamente as crianças ribeirinhas para uma escola na cidade de Villa Paranacito.
A paisagem repleta de riachos e pântanos, a 200 km ao norte de Buenos Aires, pode ter sido uma grande vala comum dos chamados "voos da morte", que também despejaram corpos no oceano Atlântico e no rio da Prata.
O jornalista Fabián Magnotta investigou a questão dos desaparecidos durante a última ditadura argentina (1976-1983) e ouviu vários ribeirinhos que relatam o lançamento de corpos no rio. Alguns prisioneiros já estariam mortos quando foram jogados, outros ainda estariam vivos. Agora, são todos considerados desaparecidos.
O relatório oficial das vitimas da junta militar argentina fala de quase 20 mil desaparecidos. Organizações de direitos humanos mencionam 30 mil. Mas a Equipe Argentina de Antropologia Forense identificou apenas 500 corpos até o momento.

Pântanos

José Luis Pinazo. BBC Mundo
Pinazo conta que viu varios corpos serem jogados do alto dos aviões no delta do Paraná
A BBC acompanhou Magnotta em viagens pelo delta a bordo de um bote e de um avião.
Segundo o jornalista, em alguns lugares a água do Paraná chega a 60 metros de profundidade. Do céu é possível avistar uma imensa área de pântanos, capazes de fazer sumir um corpo em segundos.
Marcos Queipo, mecânico aposentado, diz que se lembra de “ter visto cadáveres no rio Bravo (um braço do delta do Paraná) jogados de aviões”.
"Lembro de ter visto helicópteros e aviões jogando pacotes. Abriam a escotilha e caia um pacote do ar", conta.
"A princípio, ninguém sabia o que tinha naqueles pacotes. Mas depois de alguns dias, descobrimos", disse.
Queipo conta que descobriu por conta própria. Abriu vários “pacotes” e em todos havia corpos sem vida, de jovens em sua maioria. Muitos tinham as mãos atadas.
Tanto as testemunhas entrevistadas pela BBC quando as ouvidas por Magnotta (em entrevistas separadas) contam que em alguns momentos haviam voos diários, principalmente nos primeiros anos do governo militar, quando a repressão foi mais forte.
Atualmente, a Justiça investiga os chamados voos da morte. Sete ex-funcionários do governo militar, incluindo ex-pilotos militares, são acusados de terem jogado no rio prisioneiros políticos que estavam detidos na Esma (Escola Superior da Armada), um dos centros da repressão.
Magnotta lembra uma peculiaridade em seu livro. Emilio Massera, o almirante a cargo da Esma, era de Entre Ríos, província onde se encontra o delta do Paraná. Ele passava férias na região e conhecia bem o local.

Medo

Marcos Queipo. BBC Mundo
Queipo decidiu avisar a polícia sobre os corpos e foi alertado que ele poderia ser o próximo
Como o segredo pôde ser guardado por tanto tempo?
"(Os ribeirinhos) são pessoas muito reservadas com o que vem de fora", conta o jornalista, que diz ter esperado anos para romper a reticência das testemunhas.
Mas o medo imposto pelos militares foi o elemento crucial. Queipo conta que assim que descobriu os corpos, tratou de avisar a polícia.
"Fui e contei que havia muitos corpos boiando no rio. Eles me disseram: 'cala a boca, senão vai te acontecer o mesmo'", conta.
Por anos, os ribeirinhos foram testemunhas silenciosas e amedrontadas das atrocidades.
Alguns contam ter visto corpos pendurados nas árvores. Outros tiveram corpos caindo no próprio telhado. Muitos viram corpos boiando no encontro das águas do Paraná com o oceano.

Vítimas

Santa Teresita. BBC Mundo
Santa Teresita é uma das inúmeras mães que ainda buscam o paradeiro do filho desaparecido
Além dos que pereceram nos voos, as famílias que mais de 30 anos depois ainda buscam seus entes queridos também se tornaram vítimas.
A família Dezorzi é uma das milhares. Eles vivem em Gualeguaychú, próximo ao delta.
Santa Teresita Dezorzi sabe que seu filho Óscar pode ter sido lançado à morte muito próximo do local onde vivia. Acredita-se que tenha permanecido preso na Esma, a menos de meia hora de avião do delta.
Óscar foi tirado de casa seminu, na madrugada de 10 de agosto de 1976. Ele era militante do Montoneros, o grupo de extrema esquerda dos peronistas que a Junta Militar tratou logo de extirpar.
Santa Teresita conta que nunca mais encontrou o filho, mas nunca deixou de buscá-lo.
Em dezembro, um tribunal condenou quatro ex-militares e policiais pelo desaparecimento de Óscar. Mas o julgamento não fez com que surgissem novas pistas sobre seu paradeiro.

Escreva Lola Escreva: GUEST POST: AS BRUXAS QUE NOS ENCANTAM

Escreva Lola Escreva: GUEST POST: AS BRUXAS QUE NOS ENCANTAM: Conheci Eliana Calado porque ela comprou meu livro (algum dia sai a segunda edição).  Aí vi que ela é graduada em História e fez o ...

sexta-feira, 29 de março de 2013

suzana herculano-houzel

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Você quer mesmo ser cientista?

Vamos fazer as devidas ressalvas primeiro, antes que a polícia de plantão venha me dizer que estou fazendo um desserviço à ciência brasileira. É claro que gostaria de ver mais jovens se tornarem cientistas, e quero contribuir para isso. Mas decidi que faz parte do meu trabalho de divulgação científica tornar público e notório como é se tornar cientista no Brasil. Meus objetivos aqui são promover a conscientização das pessoas sobre a realidade da carreira de um cientista e, quem sabe, gerar com isso um certo espanto e revolta; e contribuir para que a escolha dos jovens por uma carreira em pesquisa seja consciente, apesar de tudo o que vem a seguir. Mas, sobretudo, o que eu gostaria é de gerar indignação suficiente para fazer a carreira de cientista (1) passar a existir de fato, e (2) ser valorizada.
Feitas as ressalvas, vamos então à minha campanha de anti-propaganda sobre a ciência no Brasil!
Você que é jovem e está considerando se tornar pesquisador: você sabia que...
- durante a faculdade, seus estágios de iniciação científica serão remunerados em apenas 400 reais - isso mesmo, menos do que um salário mínimo? Este é o valor atual definido pelo CNPq. E isso é SE você conseguir bolsa de iniciação científica, porque a Faperj, por exemplo, atualmente limita a sua concessão a UMA bolsa por pesquisador, e o CNPq-PIBIC a duas bolsas. Em um laboratório de tamanho médio, isso já não será suficiente para garantir bolsas a todos os estagiários - o que significa que é vexaminosamente comum termos estagiários trabalhando de graça;
- quando terminar a faculdade, a não ser que consiga emprego na indústria ou em empresas privadas, para fazer pesquisa você precisará concorrer a bolsas de R$ 1.350 para fazer mestrado? Enquanto isso, seus colegas formados em administração, engenharia, advocacia já estarão entrando para o mercado de trabalho, ganhando salários iniciais (com todos os direitos trabalhistas) de 3 a 7 mil reais reais ou mais. Ah, eu mencionei que, embora se espere que você trabalhe 40 horas por semana em dedicação exclusiva durante o mestrado, você não terá qualquer direito trabalhista? Isto porque o seu trabalho ainda não é considerado, ahn, trabalho...
- ...é mais fácil conseguir bolsa do Ciência Sem Fronteiras para fazer GRADUAÇÃO no estrangeiro do que conseguir uma bolsa de pós-graduação no país? É isso mesmo: exportamos nossos alunos de graduação, mas não temos bolsas suficientes para mantê-los na pós-graduação no país.
- quando você terminar o mestrado, a não ser que consiga emprego como pesquisador em empresas privadas (que são pouquíssimos), você terá necessariamente que fazer um doutorado? A razão é que o cargo de "pesquisador" em nosso país é quase inexistente; somente institutos de pesquisa como o INCA ou a Fiocruz oferecem emprego (através de concurso público) para pesquisadores (e muitas vezes exigem doutorado). Todas as demais possibilidades de emprego para um pesquisador são como "professor universitário" - e este cargo, também somente acessível por concurso público, é hoje essencialmente restrito a quem já tem título de Doutor.
- então, com 3 anos de formado, você terá que concorrer a bolsas de R$ 2.000 mensais para fazer doutorado? Isso, vou repetir: seus colegas já estarão no mercado de trabalho, ganhando salários reais, tendo seu trabalho chamado de "trabalho", com direito a férias e 13o salário - e, com sorte, você terá assinado um papel aceitando receber DOIS mil reais por mês pelos próximos 4 anos. E fique muito contente de ter uma bolsa: como dizem nossos detratores, você deveria ficar "muito feliz de estar sendo pago para estudar". Exceto que você não estará "estudando"; você estará trabalhando, gerando conhecimento, e contribuindo para as universidades publicarem os artigos científicos que lhes servem como base de avaliação no cenário mundial.
- que, durante todos esses anos de pós-graduação, para receber uma bolsa você NÃO poderá ter qualquer outra fonte de renda? Sim, você pode ter outro emprego e fazer pós-graduação sem receber bolsa - mas é pouco provável que consiga terminar a pós-graduação assim. Para receber uma bolsa, você será obrigado a assinar uma declaração humilhante de que não tem qualquer outra fonte de renda. Bom, mais ou menos; a Capes há um ano decidiu aceitar acúmulo de bolsa com "emprego de verdade" SE for na mesma área da sua pós-graduação. Adivinha qual é a chance de você ter esse "emprego de verdade"? Pois é.
- agora, com o diploma de Doutor em mãos, você terá ganhado o direito de competir por vagas para... Professor. Isso mesmo: não de "pesquisador", mas de "professor". Isso porque as universidades públicas, onde a boa ciência é feita no país, somente contratam "professores". Ou seja: com MUITA sorte, você será contratado, no mínimo SETE anos após a graduação, para fazer algo que você NUNCA fez: dar aulas. Seu salário inicial líquido (seu primeiro salário de verdade!) será algo em torno de 5 mil reais - mas não se engane, seu "vencimento básico", aquele que o governo usará para talvez um dia pagar sua aposentadoria, será de não muito mais do que 2 mil reais...
- é mais provável, no entanto, que você NÃO consiga emprego imediatamente, uma vez doutor, e tenha que ingressar no limbo dos pós-doutorandos? Um "pós-doutor" é exatamente isso que o nome indica: alguém que já é doutor, mas ainda não tem emprego. É um limbo criado pelo sistema para manter interessados os cada vez mais numerosos recém-doutores que não encontram emprego nem como pesquisadores, nem como professores. Pela mesma tabela do CNPq, um recém-doutor recebe uma bolsa de R$ 3.700 mensais, livres de impostos. Ou seja: lembra daquele salário inicial dos seus colegas recém-formados? Um aspirante a cientista finalmente conquista o direito a um valor semelhante... SETE anos após a graduação. Ah, claro: ainda sem qualquer direito trabalhista, pois você "não trabalha". Permita-me fazer as contas para você: a esta altura, você esta perto de completar 30 anos de idade, e oficialmente... "nunca trabalhou";
- A esta altura, você já será para todos os fins práticos um Cientista - mas ainda não terá direito de pedir auxílio às agências de fomento para fazer pesquisa? Para gerenciar um auxílio-pesquisa é preciso ter vínculo empregatício com uma instituição de pesquisa - e isso, tirando os pouquíssimos cargos de Pesquisador de fato na Fiocruz, INCA, IMPA etc, você só consegue se virar... professor universitário;
- SE você conseguir ser aprovado em concurso para professor universitário E for fazer pesquisa de fato, você não inicialmente ganhará NEM UM CENTAVO A MAIS por isso? Você terá a mesma carga horária de aulas a cumprir, aulas por preparar e atualizar todos os semestres, mas o trabalho de pesquisa, com o qual você tanto sonhou, é... por sua conta. Se você resolver não fazer pesquisa e apenas der aulas, como você foi oficialmente contratado para fazer, está tudo bem. Talvez seus colegas torçam o nariz para você, porque esqueceram que também o emprego deles é apenas como professores, e não pesquisadores, mas você estará rigorosamente correto se só fizer seu trabalho de professor.
- Apesar disso tudo, sua progressão na carreira universitária será dependente do seu trabalho de pesquisa? Você leu corretamente: você foi contratado como PROFESSOR, mas sua avaliação funcional será feita de acordo com as suas atividades como PESQUISADOR...
- SE você tiver produtividade suficiente, em alguns anos você poderá concorrer a uma bolsa de Pesquisador do CNPq, que complementa seu salário em R$ 1.000 por mês. E isso é todo o incentivo financeiro que você receberá para fazer pesquisa.
Já desistiu? Pelo bem da ciência brasileira, espero que... sim. Esta é minha campanha de anti-propaganda em prol da melhoria da ciência no meu querido país: torço para que você tenha ficado indignado a ponto de considerar fazer outra coisa da sua vida. Precisamos de uma crise, e um desinteresse súbito da parte de nossos jovens seria muito, muito, muito eloquente.
Mas sei que a gente escolhe ser cientista assim mesmo, apesar de tudo isso. Quando eu entrei para a Biologia, em 1989, a situação era ainda pior. A ciência no país persiste graças a esses jovens idealistas, que querem contribuir para o progresso da nação apesar de serem mal-tratados e desvalorizados, e que topam embarcar em uma "carreira" que não lhes dará condições financeiras para terem uma vida independente antes dos TRINTA anos de idade - e olhe lá...

Você quer mesmo ser cientista? Parte 2: uma proposta prática

Escrevi anteriormente aqui sobre o problema da "carreira" de cientista no Brasil, quase inexistente porque postos de "pesquisador" são raros (aliás, pequena curiosidade: tentem preencher um formulário online com a profissão "cientista". Em geral ela não existe!). O resumo da situação, em minha opinião, é que o trabalho de um pesquisador não é considerado trabalho enquanto ele não for contratado como... professor universitário, em geral, o que dificilmente acontece antes de uns 10 anos de formado.
Pensei um bocado sobre o assunto, e eis aqui minha proposta para uma reforma prática, imediatamente implementável se o governo assim quiser - e, mais importante, SEM tocar na estrutura dos empregos públicos já existentes (fazer isso seria pisar em calos demais, o que poderia inviabilizar a implementação da nova estrutura, e de qualquer forma não é essa minha bandeira aqui).
A constatação de origem é a seguinte: é o trabalho de estagiários de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-docs que de fato move a ciência. Quem acha que não é, por favor dê uma olhada no currículo de nossos cientistas mais produtivos em termos de publicações - Wanderley de Souza e Iván Izquierdo, por exemplo, só para citar os dois que primeiro me vêm à cabeça -, e veja quantos de seus artigos recentes (sem ser artigos de revisão da literatura) são publicados apenas por eles, sem vários "bolsistas" como primeiros autores ou co-autores. Pois é. Na prática, no Brasil e no mundo, quem faz a ciência, quem está na bancada gerando dados, é o "bolsista" que está supostamente "estudando", e não trabalhando.
Mas trabalho é o que isso é, e minha bandeira é que ele deve ser reconhecido como tal. O empecilho para isso é que as instituições públicas, onde se faz a melhor ciência no Brasil, só contratam por concursos, e com aquela faca de dois gumes que é o emprego garantido (mais sobre isso adiante). Fundações, contudo, têm autonomia para contratar e demitir; podem receber fundos tanto públicos quanto privados para pagar seus funcionários; e estão livres da necessidade de lucro que atrapalha a pesquisa básica.
Eis a primeira parte da minha proposta, então: que as instituições públicas onde se faz ciência criem Fundações, com gestão LOCAL, ágil, para contratar seus pesquisadores - e que esses pesquisadores, contratados e assim reconhecidos como trabalhadores que de fato são, sejam os hoje "bolsistas" de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Assim o cargo de "cientista" passa a existir de fato, em seus vários níveis de progressão na carreira, reconhecendo e recompensando o mérito e a produtividade de cada um: estagiário (atual bolsista de iniciação científica), assistente de pesquisa (atual recém-formado), pesquisador assistente, pesquisador júnior, pesquisador associado, pesquisador pleno, pesquisador sênior, diretor de pesquisa (chefe de laboratório).
De onde viria o dinheiro? De onde já vem: MCT, CNPq, FAPs estaduais - e, agora que são instituições "privadas", quem sabe até de fontes privadas, como em tantos outros países. Para deixar bem claro: proponho ACABAR COM TODAS AS BOLSAS NO PAÍS, e usar esses fundos para contratar os jovens como trabalhadores que são, com todos seus direitos e deveres trabalhistas. Quantos pesquisadores cada laboratório poderia contratar dependeria de produtividade e captação de recursos para seus projetos, com possibilidade de avaliação e reavaliação constante.
Contratados como trabalhadores, valeria assim a meritocracia e a agilidade que são a norma em qualquer empresa: quem faz um bom trabalho permanece; quem não está de fato produzindo corre o risco de ser demitido. Claro, com comissões de avaliação para garantir que ninguém seja demitido por mera picuinha ou por não fazer parte das panelas da vez. Proponho ainda que os cargos dos pesquisadores sênior e diretores de pesquisa, responsáveis pela continuidade dos projetos em andamento, tenham duração assegurada de cinco anos, renováveis indefinidamente, durante os quais o pesquisador, como o professor universitário, não precisará se preocupar com seu emprego.
O que fazer com a pós-graduação? Proponho que ela seja valorizada como algo realmente reservado àqueles jovens pesquisadores que demonstrarem capacidade de inovação e liderança, ao invés de ser usada como a boia de salvação atualmente necessária para quem quer seguir carreira na ciência, na falta de empregos de verdade como pesquisador. Cursos de atualização e formação continuada seriam oferecidos continuamente para pesquisadores contratados de TODOS os níveis, sem custo (mas também sem "bolsa" adicional), pois são fundamentais para todos (e não, na minha opinião, um "investimento opcional"). Mas, no esquema de cargos proposto acima, o pesquisador que demonstrar essas capacidades de pensamento original e independente ganharia acesso ao doutorado (chega de mestrado!), como qualificação adicional para um dia vir a ser líder de seu próprio grupo, no cargo de diretor de pesquisa (chefe de laboratório, na prática). Sendo um processo rigoroso de qualificação (também sem "bolsa" adicional!), onde originalidade e relevância são exigidos de fato, o doutorado prepararia o pesquisador para passar ao cargo de pesquisador pleno, sênior, e eventualmente diretor de pesquisa.
Como implantar esse esquema na estrutura atual de professores universitários? Proponho que seja oferecida a alternativa de acúmulo de cargo de professor universitário (sem dedicação exclusiva, claro) e diretor de pesquisa (para que já é chefe de laboratório) ou pesquisador pleno ou sênior (para quem já é professor com doutorado) para quem já é concursado (e deixo claro desde já que eu abraçaria a opção), mas claro que quem já é funcionário público não seria jamais obrigado a deixar seu cargo. O importante aqui é criar a possibilidade de contratação com perspectiva de carreira, e mudar como a ciência é feita daqui para a frente.
Notem que uma das consequências dessa proposta é que ser professor universitário pode passar a ser reservado a quem realmente SABE e QUER ensinar, ao invés de ser o "preço" a pagar para poder fazer pesquisa por aqueles que não curtem ensinar. Não é vergonha alguma não querer dar aula, assim como não é vergonha não querer fazer pesquisa; portanto, nada melhor do que as duas atividades serem dissociáveis.
A outra consequência desta proposta é a MOBILIDADE e AGILIDADE para contratação por Fundações locais associadas às Universidades (ou, melhor ainda, aos Institutos). Precisamos disso para atrair cientistas de outras cidades, estados, e países. Precisamos disso para ajudar a escolher outro caminho (eufemismo para "demitir", isso mesmo) aqueles que não se encontram na carreira de cientista ou professor, mas continuam nas universidades porque são, bem, funcionários públicos indemissíveis.
Minha irmã, economista, observa há anos, ao me ouvir descrever o funcionamento de laboratórios, universidades e instituições de pesquisa públicas, que o que falta à pesquisa é ser gerenciada como qualquer empresa. Quer saber? Acho que ela está com toda a razão. Um pouco de estabilidade, em geral não assegurada nas empresas, é necessária - mas ela não precisa ser eterna, e pode vir em pacotes de uns 5 anos de cada vez. E meritocracia é fundamental. Mas, sobretudo, ter seu trabalho reconhecido como "trabalho" é o que está faltando aos pesquisadores.


Assista mais em
http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-entrevista-suzana-herculano-houzel

O que eu não disse no Roda Viva

Dia 25 de março tive a honra de ser a entrevistada no Programa Roda Viva, da TV Cultura, com a oportunidade de falar sobre como é fazer pós-graduação e ciência no Brasil. Fiquei pensando depois no que eu não disse a respeito, mas gostaria de acrescentar, então segue aqui:
- que eu lamento o engessamento do nosso sistema que, por ser estatizado, não permite agilidade de contratações, tanto pela universidade quanto pelos laboratórios. Nos EUA, por exemplo (atenção, polícia de plantão: falo dos EUA simplesmente porque é o exemplo que eu conheço melhor, pessoalmente, e não porque acho que tenhamos que copiar tudo o que vem de lá, porque não temos. Tem várias coisas erradas por lá, também) - enfim, nos EUA até mesmo as universidades estaduais têm autonomia para buscar, selecionar e contratar quem eles quiserem, em todos os níveis, do assistente de laboratório ao chefão supremo do departamento. O mesmo tipo de autonomia faz falta também nos laboratórios daqui: eu gostaria, por exemplo, de poder contratar rapidamente cientistas que têm as habilidades específicas que faltam em minha equipe. Mas não posso; tenho que elaborar um projeto, pedir bolsa de pós-doutorado já com o nome do candidato, e passar meses esperando uma resposta (enquanto isso, esse candidato faz o quê???). Também gostaria de poder demitir com agilidade quem não faz o seu trabalho. Mas não posso fazer isso sem pensar nas consequências para o programa de pós-graduação, que é avaliado pelos seus bolsistas, e "pega mal" na avaliação pela Capes ter bolsistas que "abandonam" o curso no meio. Se fossem considerados trabalhadores, como de fato são, não haveria problema na demissão por justa causa. E, claro, deveríamos poder contratar PESQUISADORES para fazer PESQUISA, e não sermos obrigados a contratá-los (concursá-los, na verdade) como "professores", muito menos com um contrato surrealmente ad eternum, que NENHUMA empresa comete a insanidade de oferecer aos seus empregados...
- que nos falta, no Brasil, financiamento privado. Não temos a cultura do patrocínio da ciência por pessoas jurídicas, nem de fundações e organizações com prêmios e grants privados de apoio à ciência. Também não temos a possibilidade de receber doações diretas de pessoas físicas. As mídias sociais hoje viabilizam esse tipo de apoio, que eu quero começar a incentivar em breve. Me aguardem! :o)
- que implantei recentemente em meu laboratório um sistema "capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo sucesso absoluto de produtividade e motivação! No momento estou pagando por grama de tecido processado. A produtividade mais do que duplicou, sem qualquer perda de qualidade. Mais tarde eu comento meu experimento!

Capitulo - AS DROGAS E OS CONFLITOS
ALAIN LABROUSSE
DIRETOR DOS OBSERVATOIRE GÉOPOLITIQUE DES DROGUES –PARIS
A droga e os serviços secretos
....... A CIA voltou a recorrer aos narcotraficantes em operações clandestinas contra a Nicarágua, realizadas particularmente pelo coronel Oliver North, depois que o congresso dos Estados Unidos suspendeu (emenda Bollan ), entre outubro de 1984 e outubro de 1986, a ajuda militar americano aos anti-sandinistas. Parte dos recursos provinha das vendas clandestinas de armas ao Irã, configurando o que a história registrou com o nome de Irangate. Os aviões que vinham dos Estados Unidos traziam armas, víveres e equipamentos para os contras da frente sul baseados na Costa Rica, e partiam em
seguida para a Colômbia. Na volta vinham carregados de cocaína fornecida pelos chefes do cartel de Medellín, Pablo Escobar e Jorge Ochoa. A droga era entregue num rancho ao norte da Costa Rica.Seu proprietário, um cidadão norte-americano, de nome John Hull, participava do apoio aos combatentes nicagaraguenses, em estreita ligação com a Cia e o Conselho Nacional (NCS). Essas ligações foram reveladas ao publico quando um avião de transporte do governo americano se espatifou perto do rancho, matando seus sete ocupantes.
Informações precisas foram fornecidas principalmente pelos pilotos que haviam participado desses tráficos e que foram presos em seguida e julgados por outros problemas de drogas nos Estados Unidos: Gerard Duran, George Morales, Gary Wayne Betzner e Michael Tolliver. Este último, em seu depoimento perante uma comissão de inquérito do Senado americano, presidida pelo Senador John Kerry, declarou que por duas vezes em 1984 transportava armas para os contras baseados na Costa Rica e que seu avião havia retornado aos Estados Unidos a cada vez com uma carga de meia tonelada de cocaína. Relatou também como, em março de 1986, transportava 15 toneladas de armas até a base aérea de Agnacate, em Honduras, destinadas aos contras. Seu DC6 havia retornado á Florida com 25 306 libras ( cerca de 11,5 toneladas) de maconha, que descarregara na base militar de Homestead. Por essa viagem recebera 75 mil dólares.
O próprio Departamento de Estado também estava comprometido diretamente no trafico, através da ajuda humanitária aos contras, que não havia sido suspensa pelo Congresso. A comissão Kerry conduziu um inquérito sobre as companhias aéreas que tinham sido contratadas: todas estavam fichadas pelo DEA por terem praticado trafico de drogas num ou noutro momento......................
Paginas 58 e 59


Capitulo - MUNDIALIZAÇÃO E CRIMILIDADE
JOSÉ LUIZ DEL ROIO
PESQUISADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA USP E DIRETOR DO CENTRO STUDI PROBLEMI INTERNAZIONALI DI MILANO
....... South Central é um dos maiores e mais pobres bairros onde vivem os negros de Los Angeles. Praticamente uma geração de seus jovens foi devastada pelo crack. Morte, doenças, loucura e criminalidade é o que vivem no dia-a-dia os seus habitantes. A partir de 18 de agosto de 1996, um jornal local, o San José Mercury News, publicou uma série de artigos, resultado de um alto jornalismo investigativo, onde contava detalhadamente como a droga se apoderou daquele território. É uma historia menos que se insere no interior de uma moldura vasta conhecida com Irangate.
Os que possuem boa memória se recordarão do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os atos deste processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA (Central Intelligence Agency ) e a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis colombianos, protegendo a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que estes fatos foram provados por uma comissão do Senado, presidida pelo já citado senador John Kerry.
É neste clima que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela policia norte-americana. Juntos encontram em Honduras um tal de coronel Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood. Porem, os canais já estão ocupados por outros bandos de criminosos. Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a cocaína custa muito para os bolsos dos jovens e o preço do mercado não deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes “combatentes pela liberdade” encontram-se num impasse, ate que uma inovação tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles, aonde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por cinco anos, de 1983 a 1987, os contras nicaragüenses, com a cobertura de organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Centra para alimentar a subversão contra o de Manágua.
Ao tomar conhecimento destes fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados. A reação da administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o episodio. O jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los, tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo que as quantidades de cristais de coca que entraram em Los Angeles por mãos dos contras nicaragüenses não foram 27 000 quilos, mas apenas 5 000 !!!
Mesmo aceitando a cifra menor acenada pelo Washington Post, isto significa algo como 10 milhões de doses. Alem do quê, a partir desta atividade criminosa exercida contra os negros de Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles dos Estados Unidos e de vários paises latino-americanos. Esta é uma historia para recordamos quando vemos nas ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou cometendo crimes porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros responsáveis, que elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas crianças não deveriam possuir sonhos e nem futuro. ...............
Paginas 120 a 122
– DROGAS : A HEGEMONIA DO CINISMO
ORGANIZADORES – MAURIDES DE MELO RIBEIRO E SERGIO DARIO SEIBEL
ANO 1997 – 353 PAGINAS – ISBN 85-85373-16-4
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
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