quinta-feira, 21 de março de 2013

Machismo ...


A PEC das domésticas, o machismo, a nova economia, o trabalho da mulher e outras reflexões


PS. Esse é um texto que se dirige às mulheres de classe média, predominantemente héteros, usualmente brancas, quase sempre cisgênero. Sabemos que existem outras mulheres, com outras queixas, outras demandas e outras realidades. Quando o texto refere-se à “você” e suas escolhas, pensamentos e possibilidades é esse “você” socialmente designado.  
Sobre a PEC das domésticas hoje ouvi choro e ranger de dentes. “não se consegue mais empregadas decentes/de confiança” é a frase recorrente. Aí, um dos homens mais machistas  que conheço declara ao outro colega que choraminga sobre a falta de babás: “olha,  não quero dizer isso, mas…se a fulana (mulher do outro) não tivesse tido essa conquista recente (passar num concurso) era melhor não trabalhar, porque quem vai olhar o filhinho de vocês?” E por isso ele acha melhor que a mulher fique em casa com o filho, como a dele faz. São escolhas.
Tenho dois filhos e gosto de trabalhar, além de obviamente precisar. Mas, a gente sente saudade deles, se culpa (por nós mesmas e pelo que nos culpam) por não estarmos com eles como ficavam as mães de outras gerações que não trabalhavam fora, mas davam um duro danado dentro de casa, quase sempre não reconhecido. Se a gente se preocupa com os filhos? Claro, né?! E o que está errado nessa estrutura aí é a mulher trabalhar? Discordo.
Simone de Beauvoir já disse há mais de 50 anos: “É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta.” Isso não é um chavão, é concreto. O casamento (aleluia!) não é para sempre, você pode se separar se estiver infeliz, filho não sustenta casamento. Aliás, acho que ao perpetuar o padrão — ‘serei infeliz, mas darei uma família, um pai pro meu filho’ — a gente está ensinando que ninguém é responsável pela própria felicidade, mas que deve aceitar desígnios do destino (que nem o são desígneos, a gente escolheu casar, e às vezes escolhe bem errado).
Hoje, felizmente, a não ser que você queira, você não depende mais de um homem para lhe sustentar, você pode fazer suas escolhas, inclusive financeiras e amorosas, você pode sair de um casamento que não lhe agrada, que lhe faz infeliz, que lhe faz mal em vários sentidos, inclusive  em casos de violência doméstica.
Mas voltando ao assunto… Antes da mulher trabalhar, quero dizer, as mulheres de classe média trabalharem — porque as pobres sempre trabalharam — a mulher era um ser completamente dependente. Dinheiro é poder, dinheiro é poder de escolha. Se você trabalha você escolhe, ir, ficar, e como e quando gastar. O trabalho também enriquece a nossa vida em outros sentidos, pois convivendo com outras pessoas e não ficando restrita ao ambiente caseiro aprendemos a tolerância, o respeito a todos porque convivemos, conhecemos pessoas que tem ambiente social e cultural diverso do nosso ambiente originário.
Deputada Federal Benedita da Silva, autora da PEC das Domésticas
Deputada Federal Benedita da Silva, autora da PEC das Domésticas
Não estou fazendo aqui um libelo contra as mulheres que decidiram deixar o trabalho e cuidar dos filhos, cada qual com suas escolhas, seus ônus e bônus. Porque eu, ao escolher trabalhar, perdi os primeiros passinhos do meu filho mais novo, por exemplo, mas não me arrependo. Tive ônus e bônus, como em qualquer escolha. Tenho meu emprego, dependo de mim. E entendo quem escolheu não passar pela tristeza de perder os passos do filho.
Não acho que o erro está no fato da mulher escolher trabalhar ou não, mas no fato do Estado não ter políticas públicas de apoio à mulher, de não termos creches, assistência pediátrica e médica de qualidade, da licença maternidade ser diminuta.
Mas, o principal problema é mesmo o machismo, inclusive de algumas mulheres, que não veem o homem como alguém que possa ser responsável por cuidar de um bebê ou de uma criança. Alguns países tem licenças maternidade que são longas e divididas entre pai e mãe, para não pesar só sobre a mulher o peso da família e afastá-la do mercado de trabalho, de postos de comando por ter menos tempo para o emprego, já que obrigatoriamente deve ser dela o dever de cuidar da família, organizar compras, limpar a casa, alimentar a todos… Isto não é uma obrigação divina, cultural e até biológica, como querem alguns. Exceto pela amamentação, já que não dá para desatarraxar os peitos, o companheiro, ou companheira, é capaz de executar as outras atividades todas, e não só ajudar tocando uma fraldinha quando está a fim.
E que o machismo tem a ver com o suposto sumiço das boas empregadas? Aquelas que davam sua vida por nós e eram como se fossem da família e o encarecimento desse serviço? Boa parte, o resto se deve a evolução do mercado.
A mulher de classe média quer e precisa trabalhar. Mais até do que quer, precisa e às vezes, tem um bebê, e obviamente o bebê é dela e deve cuidar dele — mesmo devendo ser uma obrigação compartilhada com o pai, esse quando está presente no máximo “ajuda” –, mas para ter a solução que acomoda a mulher no trabalho sem ônus para os demais membros da família passa pelo fato da  mulher de classe média repassar o encargo das tarefas do lar para uma pessoa que muitos veem como uma escrava,  pois deve estar a disposição 24 horas por dia. Não  se enxerga  a doméstica como alguém que presta um serviço contratado, uma trabalhadora, afinal o serviço doméstico é socialmente desvalorizado, exatamente pelo machismo.
Não tenho nada contra pessoas que gostam ou acham que precisam ter  empregadas. O que não dá é para conviver com esse resquício de escravidão e achar que o salário dessas profissionais deve ser baixo e que essas trabalhadoras não merecem as  mesmas garantias trabalhistas das outras categorias. Essas pessoas tem seus sonhos, família e filhos e merecem o mesmo que você deseja para você e os membros da sua família. Aí, entra também o preconceito de classe. Uma incapacidade de enxergar a outra trabalhadora merecedora dos mesmos direitos, mesmo com outro grau de escolaridade.
Passar a culpar a falta de empregadas (note, empregadas no feminino, pois a maior parte dessa mão-de-obra barata e desvalorizada socialmente é de mulheres, e de mulheres negras) por não ter alguém para cuidar da sua casa e do seu filho enquanto você trabalha não resolve o problema. Mas, talvez, resolva o problema repensar essa estrutura machista da relações familiares e de trabalho que ainda veem a mulher como rainha do lar . O que ajuda é promover mudanças nos relacionamentos, na estrutura familiar. Dividir igualmente as tarefas da casa, por exemplo. E para os direitos de nós todas, trabalhadoras, domésticas ou não, devemos pressionar o governo para que institua políticas públicas específicas para mulheres.
As culpadas não são as domésticas. Elas são trabalhadoras como nós, a culpa desse desespero causado pelo “apertem os cintos, a doméstica sumiu” é de se tentar manter uma estrutura patriarcal num mundo que evoluiu.  E continuará a evoluir. Devemos nos adaptar a essa nova estrutura que nasceu com o desenvolvimento do país e  fazer com que as leis se adaptem a ela.

Escreva Lola, escreva
Na segunda-feira, em Brasília, uma menina de 12 anos estava indo pra escola e pegou o ônibus errado. Ao descer do coletivo para corrigir o trajeto, foi abordada por quatro garotas, duas delas encapuzadas, que disseram não aceitar negras em "seu" beco. A menina negra, que não reagiu, foi agredida com socos e pontapés. Traumatizada, registrou queixa numa delegacia.
Será que a galera do Não Somos Racistas vê o caso como racismo? Esses dias Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, foi acusado de racismo e homofobia. Outro pastor, Silas Malafaia, saiu em sua defesa. Segundo Malafaia, Feliciano não pode ser racista porque sua mãe tem raízes negras. E não pode ser homofóbico porque ele nunca mandou matar ou bater num gay. 
Hmm... Eu fico confusa. Tem gente que acha que homofobia, racismo, transfobia, misoginia é só se alguém bater ou matar um gay, negro, travesti ou mulher (aliás, tem muita gente que pensa que só bater tudo bem, um tapinha não dói). Bom, o caso da menina de 12 anos espancada em Brasília foi de agressão física. É racismo? E se a gente descobrir que uma das duas garotas encapuzadas era negra, deixa de ser racismo? 
Segundo caso. Pouco tempo depois de uma revista francesa "homenagear" a África pintando uma modelo branca de negra, foi a vez da moda prestar seus tributos a uma raça que ela tanto valoriza. Sim, porque as revistas e passarelas de moda estão lotadas de modelos negras! Em 2008, por exemplo, havia oito negras entre as 344 modelos que participaram do evento. Oito! Pô, 2,5% de modelos negras e elas ainda querem mais?! Tem tanta negra na São Paulo Fashion Week que são as brancas que deveriam protestar para estabelecer uma cota mínima de orgulho ariano!
Mas, né, como homenagem pouca é bobagem, Ronaldo Fraga, em seu desfile deste ano, colocou perucas feitas de Bombril no cabelo de suas modelos, quase todas brancas. Os editoriais de moda registraram a ousadia do estilista, sem nenhuma crítica. As redes sociais não foram tão ovelhinhas e protestaram a rodo. A revista Marie Claire saiu em defesa do estilista, afirmando que ele foi refém do politicamente correto, num editorial que me fez rir em voz alta. 
Tenho dificuldades pra entender como palha de aço na cabeça pode ser uma crítica ao racismo. Afinal, cabelo crespo é sempre chamado de bombril, cabelo ruim, e isso nunca é elogio. 
Mal posso esperar a homenagem do ano que vem! O que será que vai rolar? Mais modelos brancas com black face? Ou modelos negras com caudas de macaco, pra criticar o racismo? (que nem existe, vai, ou se existe, é contra os brancos).  
O que mais? No interior do Paraná, um jovem branco decidiu anunciar no Mercado Livre a venda de um escravo: um colega negro que conheceu num grupo de jovens da igreja católica. Escreveu: "Negro africano legítimo, único dono, bom estado de saúde". O suspeito negou, alegando que várias pessoas têm a senha do seu Facebook, onde também fez declarações sobre o rapaz. Pelo jeito, descobriu agora que racismo é crime no Brasil desde 1988. Nem a velha saída pela direita ("é só uma piada!") foi usada.
E teve o trote na Faculdade de Direito da UFMG (leia a nota de repúdio do Blogueiras Negras). Alunos postaram no FB duas fotos "polêmicas" (eufemismo pra racista e machista pra caramba). Uma era de três veteranos fazendo saudação nazista ao lado de um cara com black face (ou red face?) amarrado num poste. A outra era de veterano segurando uma aluna pintada com o cartaz "Caloura Chica [sic] da Silva". 
Eu ia dizer que escravidão é uma chaga terrível do nosso passado, mas aí lembrei que ela continua sendo uma chaga do nosso presente. De todo modo, o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Isso não deveria ser motivo de piada, e sim de reflexão. Mas os trotes trazem o pior que há nos estudantes. Então tem trote levinho que prega que aluno de república deve usar um determinado tipo de cabelo, e só pode mudar o penteado no dia 13 de maio. Por que 13 de maio? Porque é o dia da libertação dos escravos, ora.
Sabe, eu estudei vários anos numa escola americana (e católica) em SP. E lá uma vez por ano eram promovidos slave sales (vendas de escravos) pra arrecadar fundos pra formatura. O "escravo" geralmente tinha que carregar livros do "proprietário" e ser puxado por uma corrente pra todo mundo ver. Rolava black face, mas o mais comum era vestir escravos homens de mulher e colocar roupas sexy nas escravas. Ninguém achava nada de mais, talvez porque praticamente não havia negros na escola, ou talvez porque brancos privilegiados considerem a escravidão algo hilário. 
Mas mais provavelmente porque a minha experiência com slave sale é de trinta anos atrás. 
Na década de 80, o mundo ainda não estava dominado por essa praga do politicamente correto (pior que a fome! pior que a miséria! e muuuuito pior que a escravidão, óbvio!). Ninguém pegava no seu pé por ser racista. Naquela época, Danilo Gentili podia fazer todo seu vasto repertório de piadas sem ter de gritar "PQP! Não posso mais chamar negro de macaco sem ser chamado de racista?".
Infelizmente, nessa década tão feliz os atuais alunos de Direito da UFMG nem eram nascidos. Hoje, tadinhos, eles são ameaçados de expulsão e têm que justificar a brincadeira. Como explicou um veterano, “Quando eles pintaram a caloura de escravo [sic], eles em momento algum quiseram ofender, porque na nossa faculdade nós temos amigos negros, o símbolo da nossa atlética é um macacão. Se ela fosse racista, ela usaria esse símbolo pra algo ruim”. 
Ah bom, se "nós" temos amigos negros, então logicamente não há racismo! (Juro que já vi "Não posso ser machista! Eu tenho mãe! Sou casado com uma mulher!"). Talvez não haja alunos negros na sala, e certamente os alunos brancos são contra as cotas raciais, porque não veem necessidade, mas o que importa mesmo é o clima de amizade! E a prova definitiva que eles não são racistas é que o símbolo da Atlética é um macaco. Eles podiam colocar uma peruca de Bombril no macaco e vendê-lo no leilão de escravos pra reforçar a certeza de que são anti-racistas. Ficava perfeito.
QUE DROGA FORTE VOCÊS ANDAM TOMANDO, PESSOAL?!
Por favor, troquem já essa droga aí do dia a dia por várias doses de Simancol. Porque é muita falta de noção pra pouca gente.

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