terça-feira, 19 de março de 2013

Ninguém consegue tirar a virgindade

Ninguém consegue tirar a virgindade da vida

Todo mundo se lembra do desbotado e renitente ditado “A primeira vez a gente nunca esquece”. Mas será que você parou para refletir por quantas estreias experienciais passa no seu acelerado cotidiano? Sempre há miríades de primeiras vezes. Vamos rememorar algumas delas juntos. A primeira menstruação, quando a menina-moça se sente toda toda, meio descendente de uma pequena Niagara Falls,  que  logo a acometerá de irritantes tpms , ruborizadas querências e confuso trânsito hormonal, mensalmente.
E os garotos, então? Tomados pelo fogo, extasiados com o looping da montanha russa do frenesi masturbatório, que quase os deixa anêmicos e os transforma em anacoretas, distantes da família, ainda que dentro da própria casa , na maior parte do tempo.
E o primeiro porre. As ideias cambaleando um tanto cambetas, escorando-se nas vielas de pobres neurônios pernetas, em pleno estado de liquefação, decorrente das  repetidas doses de vodca e que tais.
Agora, em sucessão, assistimos ao desfile do primeiro beijo, a primeira comunhão (para quem se criou na religião católica) a primeira e última circuncisão — os garotinhos judeus perdendo a sua gola roulê peniana. Que, aliás, já esteve tão na moda, entre os anos 60 e 70.
Voltando aos deliciosos ósculos, registram-se os primeiros acoplamentos orais, oriundos de várias manifestações. Beijo-selinho, beijo-rapidinho, roubado, no cantinho da boca. Beijo-sonso, me-engana que-eu-gosto. O famoso e ardoroso succional, que desentope até soterrados desejos soturnos. Verdadeira acrobacia de línguas camaleônicas em suas ondulantes e ofídicas performances.
O que urge ficar claro, neste momento, é que cada gesto, ação intenção, olhar, insinuação, determinação, podem acontecer sempre. E sempre de um novo jeito.
Uma salva de palmas então aos infinitos malabarismos da criatividade humana em múltiplas esferas e escopos — do sensual ao profissional.
A descoberta do tesão —  assustado e amarfanhado de medo —  pela professora ou professor. Aquele secretíssimo anseio homo afetivo, trancafiado palidamente a sete chaves.
O primeiro zero em matemática ou em português. A traição multicolorida e desavergonhada à pátria, ao povo, aos ideais, à liberdade de ser — não sendo, quando bem nos aprouver.
Por isso, importa ratificar a máxima (ou mínima) lá de cima.  A vida é uma ninfeta ainda e perenemente virgem. E será eternamente assim, enquanto dure — como assinalaria o poetinha.
As estreias de uma peça, de um show, apresentações em sequência, durem dois meses, que seja de casa lotada, invariavelmente causarão suores frios, garganta seca, mãos implacavelmente úmidas.
Porque é assim que se conquistam átimos de pretensa perfeição, no cotidiano desnudo que nos afronta, olhos nos olhos. Sem colírio, sem dó e nem piedade.
Outras primeiras experiências foram imiscuídas em livros secretos. Pequenas e grandes perversões, demandas hormonais explícitas e atravessadas, carências assassinas trancafiadas atrás de sorrisos.
Lembro-me de que certa vez uma amiga me confidenciou com voz insidiosa. Isso em fins dos anos 70. “Sabe qual é meu maior sonho”sussurrou coleantemente, ao pé do meu incauto pescoço.
“Meu maior sonho e transar com um vampiro!” “Mas como assim?”, — retruquei (já vasculhando nervosamente em minha bolsa uma réstia de alho) “Vampiro não trepa — adverti —  não tem pau. Melhor dizendo, o seu falo é o  seu dentão”. #prontofalei #nalata, ou melhor, #nacara de minha atônita amiga.
Mônica (assim se chamava a candidata a noiva de um Drácula qualquer, desses parasitas pés-rapados, que ficam urubuzando qualidades e conquistas dos outros, loucos da silva pra sugá-las, quando menos se espera) quase desfaleceu, face aos meus solenes e peremptórios ditames.
“Mas — eu a interrompi novamente — tem outra coisa, amiga. Essa tara de vampiro por pescoço denota algo muito homo. Pô, Mônica, o pescoço (Modigliani já sabia disso) é um tremendo de um pênis, daqueles taludos que precisam ser transportados num caminhão de Itu — cidade que, segundo se comenta, possui tudo agigantado”.
Hoje, passeando por 2013, me flagro imaginando a debilidade testosterônica dos atuais vampiros. Eles amam luzes, refletores (e até, por sinal, já engoliram todos os espelhos nos quais se depararam, ao longo de sua lacônica semi-existência) e brilham acintosamente como um farol quase humano.
Atentei também para o fato de os garotos vampirescos da contemporaneidade serem  herbívoros como lagartas.  Bebem sangue de mentirinha e, deduzo, desdenham tanto da própria carne que recobre seus diáfanos músculos e tendões, que adorariam ser literalmente devorados por canibais contemporâneos, os hannibals da vida. Quero dizer da morte.
Aliás, pensando bem, os vampiros são as únicas criaturas para quem a primeira vez não existe. Nem nunca existirá.  Pois o que se sabe desde as primeiras linhagens dos tenebrosos condes, finitude é expressão que não pertence ao dicionário adaeternum desta raça (será mesmo uma raça? )
Bom, para concluir, desejo apenas fazer breve, porém intensa confissão, dirigida particularmente a quem assistiu ao filme “Fome de Viver”, com Catherine Deneuve e o irresistível andrógino David Bowie, lá em meados dos anos 80.
(A propósito, que elegante a sedução sanguinolenta, dos dois milenares seres, hein. )
Ah, recordo agora de outro ditado que sentencia: os últimos serão os primeiros.
Todavia, tratando-se do meu caso específico, estou assumindo, francamente, a perda de minha virgindade aqui, diante de todos.
Esta é a minha primeira vez na Revista Bula. A primeira mesmo.
Minha estreia naive, que compartilho prazerosamente com vocês.

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