quinta-feira, 28 de março de 2013

Sentou para o pipi e apagou.

Lucas Mendes: Fritando a frigideira

Atualizado em  28 de março, 2013 - 07:18 (Brasília) 10:18 GMT
No Brasil compra-se até quebrar, mas não se compra até cair. A expressão não existe em português. Em inglês, é "to shop until you drop" e em Nova York há brasileiros em colapso de compras.
No Eataly, na 5ª Avenida eu sou mais reconhecido e abordado do que em Belo Horizonte. Alguns tiram fotos comigo sem saber meu nome.
Falamos alto. É impossível não ouvir a conversa ao lado. Compras. Uma mulher contou que sentou na privada e dormiu de cansaço depois de um dia de consumo. Não caiu, mas sentou para o pipi e apagou. Foi acordada pela segurança.
Aqui tudo está mais barato inclusive a pizza e o espaguetone na frente da família que naquele dia fritou os cartões de crédito e vai voltar com malas mal educadas. Pais e filhos compraram de tudo, até milagrosas frigideiras francesas.
Uma das minhas brigas conjugais inesquecíveis foi por causa de uma panelona que tive de trazer do Brasil, que pesava, e ainda pesa, 20 quilos. Como decoração na cozinha é linda, gigante, preta com o aro dourado. Em cima do fogo? Três ou quatro vezes em trinta anos.
"Uma mulher contou que sentou na privada e dormiu de cansaço depois de um dia de compras"
Não quero me perder nesta história. Nossas classes A, B e a recém-chegada C vivem o furor do consumo nas lojas e na internet.
Assisto ao Bom Dia Brasil. Nossos consumidores consomem, mas têm queixas. O produto não cumpre o prometido na promoção, chegou com defeito, com atraso ou nem chegou.
Há leis e há o Procon, mas não funcionam como deveriam. Devolver o produto, brigar com o fabricante e recuperar o dinheiro estressam, consomem horas e nem sempre compensam.
E os americanos, inventores e campeões mundiais da sociedade do consumo?
São mais patéticos do que nós, emergentes deslumbrados, porque aqui há informação. No Brasil, não existe um Consumer Reports, uma publicação criada em 1936 e que hoje gasta US$ 21 milhões por ano testando de fraldas a automóveis nos próprios laboratórios e é implacável nas suas conclusões.
Consumer Reports condenou berços e carros, entre eles o AMC Ambassador e o Dodge Omni Plymouth. BMW e Grand Cherokee, da Chrysler, mudaram peças por denúncias da revista.
Fabricantes processaram e perderam. A revista tem mais de 7 milhões de assinantes, eu entre eles, um péssimo consumidor, mas que nunca comprou nada condenado pela Consumer Reports, tão rígida contra as empresas que na década de 50 entrou na lista de organizações subversivas com grupos acusados de comunistas.
E como você traduz "Good Housekeeping"? "Deixando a Casa em Ordem"?
Você compraria uma revista com este título? Deveria. Vai fazer 128 anos. A maioria das revistas americanas estão em crise, mas Good Housekeeping vai em perfeita ordem.
Seu segredo é a credibilidade reforçada pelo "Selo de Garantia", criado em 1909 e que, há mais de um século, promete e cumpre.
A revista não aceita anúncios de produtos que não passam nos testes dos próprios laboratórios. Vai além. Em 1952, quando os europeus fizeram as primeiras conexões entre cigarro e câncer, a Good Housekeeping parou de aceitar anúncios de cigarros. Para anunciar na revista é preciso passar pelos seus laboratórios de pesquisa, um tribunal de inquisição sobre a qualidade do produto.
A frigideira que não frige como promete está frita. Se frigiu, recebe um Selo de Garantia que pode colocar no rótulo ou nos comerciais. O efeito quase sempre é lotérico.
Quando um creme de pele que ia mal nas vendas recebeu o selo da revista, vendeu 2,2 milhões de dólares em apenas um dia na rede de vendas do canal QVC.
Comprou e não gostou? Chegou com defeito ou não cumpriu o prometido? Quem reembolsa o consumidor ou manda um produto novo é a própria revista. Sem talvez.
Brasileiros, antes de vir comprar até dormir na privada, entre no Consumer Reports ou na Good Housekeeping e pesquise até dormir ou cair do sofá.

Consumo de vinho na França cai e gera temor sobre ‘perda de valores’

Atualizado em  27 de março, 2013 - 13:45 (Brasília) 16:45 GMT

Vinho francês Miraval (arquivo/Reuters)
A queda no consumo de vinho foi registrada nas últimas três gerações
A queda no consumo de vinho na França nas últimas décadas vem gerando preocupação entre analistas e enófilos do país, que temem que a mudança seja um sinal da perda de valores considerados essenciais da identidade francesa.
Segundo dados do FranceAgriMer, um órgão de supervisão das políticas do Ministério da Agricultura e Pesca da França, em 1980 mais da metade dos adultos (51%) consumiam vinho diariamente ou quase todos os dias.
Atualmente este número caiu para 17%, e a proporção de franceses que nunca bebem vinho dobrou e chegou aos 38%.
Em 1965 a quantidade de vinho consumida per capita era de 160 litros por ano. Em 2010, a quantidade caiu para 57 litros e deve cair para não mais do que 30 litros nos próximos anos.
Em jantares na França, o vinho é a terceira bebida mais popular, depois da água de torneira e a água mineral. Por outro lado, refrigerantes e sucos de frutas estariam subindo rapidamente nas preferências.

Gerações

Segundo um estudo recente da publicação especializada International Journal of Entrepreneurship, as mudanças dos hábitos dos franceses podem ser percebidas claramente por meio das atitudes de várias gerações.
As pessoas com idades entre 60 e 70 anos cresceram com o vinho na mesa em todas as refeições. Para eles, o vinho continua uma parte importante de seu patrimônio cultural.
A geração seguinte, agora entre 40 e 50 anos de idade, acredita que vinho é algo que deve ser consumido ocasionalmente. Eles compensam o declínio no consumo, gastando mais com vinhos, pois, apesar de beberem menos, preferem um vinho de mais qualidade.
Membros da terceira geração, a geração da internet, nem mesmo se interessam por vinho antes dos vinte e poucos anos. Para eles, vinho é um produto como qualquer outro, e eles precisam ser convencidos de que a bebida merece o investimento.
Os autores do estudo, Thierry Lorey e Pascal Poutet, afirmam que o que está acontecendo é uma "erosão da identidade do vinho e de suas representações sagradas e imaginárias".
Cervejas (Getty)
Vinho agora precisa competir com a cerveja pela preferência dos franceses
A queda no consumo também ocorreu em outros países como a Itália e Espanha, outros produtores tradicionais de vinho. Mas, não prejudicou as perspectivas da França em termos de exportação do produto.

Declínio da civilização?

Mas o que preocupa analistas na França são os efeitos da queda do consumo do vinho na vida do país, na civilização francesa.
Eles temem que os valores franceses de convivência, tradição e apreciação das boas coisas da vida sejam esquecidos.
"O vinho não é um produto-troféu, que usamos para comemorar grandes ocasiões ou para exibir nosso status social. É uma bebida que deve acompanhar a refeição e ser um complemento do que quer que esteja em nosso prato", afirmou o escritor especializado em gastronomia Perico Legasse.
"(...) O que aconteceu é que (o vinho) passou de popular a elitista. É totalmente ridículo. Deveria ser perfeitamente possível beber moderadamente vinho de qualidade diariamente."
Para Legasse, parte do problema é a mudança na abordagem do país à alimentação e gastronomia como um todo.
"Durante muitos anos as pessoas vêm abandonando o que em nossa sociologia francesa chamamos de repas, ou refeição, (palavra) que significa reunião, convivência em volta de uma mesa, e não a versão individualizada e acelerada que vemos hoje em dia", afirmou.
"A refeição em família tradicional está desaparecendo. Em vez disso, temos um forma puramente técnica de nutrição, cujo objetivo é garantir que tenhamos combustível da forma mais eficaz e rápida possível."

História e trincheiras

Soldados em trincheira da Primeira Guerra Mundial (Arquivo/Getty)
Soldados bebiam vinho nas trincheiras; posteriormente bebida ganharia perfil 'elitista'
Não se pode afirmar que os franceses sempre consumiram as grandes quantidades de vinho que consumiam há, por exemplo, 50 anos.
Na Idade Média, o vinho era uma bebida comum, pelo menos nas regiões produtoras, mas era uma mistura fraca e, ao contrário da água, era seguro para beber.
A revolução de 1789 acabou com a imagem aristocrática que o vinho tinha na época, e as mudanças econômicas do século 19 ajudaram a popularizar a bebida.
Denis Saverot, editor da publicação especializada La Revue des Vins de France, afirmou que a ascensão do vinho refletiu a ascensão da classe trabalhadora, e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) consolidou a posição da bebida, fazendo com que normandos e bretões aprendessem a beber "nas trincheiras".
"Depois disso, na França, generalizamos o consumo de vinho barato, então, na década de 1950, havia estabelecimentos para beber, cafés e bares em todos os lugares. Vilarejos minúsculos tinham cinco ou seis. Mas este foi o ponto alto. O declínio do consumo volta (nos anos seguintes) até a década de 1960."
Todos concordam com os principais fatores que causaram este declínio: menos pessoas trabalham ao ar livre, então menos pessoas precisam das “qualidades fortificantes” do vinho.
Os escritórios precisam que as pessoas fiquem acordadas, então os almoços geralmente não têm bebidas alcoólicas.
A maior minoria da França, os muçulmanos, não consome bebidas alcoólicas, e o vinho também precisa competir com a crescente popularidade das cervejas.

Saúde e carros

Denis Saverot aponta também outros responsáveis.
Um seria a "elite burguesa e tecnocrata com suas campanhas contra bebida e direção e contra o alcoolismo, colocando o vinho na mesma categoria de qualquer outro tipo de bebida alcoólica, ainda que (o vinho) devesse ser visto de uma forma totalmente diferente", disse.
"Recentemente, ouvi uma autoridade de saúde dizendo que o vinho causa câncer 'a partir da primeira taça'. Isto vindo de um francês."
Para Saverot, o lobby de saúde e do politicamente correto significa que as elites preferem manter o país à base de antidepressivos em vez de vinho.
"Apenas analise os números. Na década de 1960, bebíamos 160 litros de vinho cada um por ano e não tomávamos comprimidos. Hoje, consumimos 80 milhões de caixas de antidepressivos, e as vendas de vinho estão caindo."
"O vinho é o mais sutil, mais civilizado e nobre dos antidepressivos. Mas, olhe para nossos vilarejos, o bar foi fechado, substituído por uma farmácia", acrescentou.
Para Theodore Zeldin, escritor francês que mora na cidade de Oxford, no sul da Grã-Bretanha, e observador veterano da sociedade francesa, a cultura mais voltada para negócios substituiu "companheirismo por networking", entre outros problemas.
Mas ele ainda tem esperanças.
"A velha art de vivre francesa ainda está aqui. É um ideal. (...) Claro que os tempos mudaram, mas ainda sobrevive. É aquele sentimento que você tem na França de que, em relações humanas, precisamos de mais do que conduzir os negócios. Temos o dever de entreter, conversar (...) E o vinho é parte disto, pois, com o vinho, você precisa dispor de tempo", afirmou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário