sexta-feira, 29 de março de 2013

suzana herculano-houzel

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Você quer mesmo ser cientista?

Vamos fazer as devidas ressalvas primeiro, antes que a polícia de plantão venha me dizer que estou fazendo um desserviço à ciência brasileira. É claro que gostaria de ver mais jovens se tornarem cientistas, e quero contribuir para isso. Mas decidi que faz parte do meu trabalho de divulgação científica tornar público e notório como é se tornar cientista no Brasil. Meus objetivos aqui são promover a conscientização das pessoas sobre a realidade da carreira de um cientista e, quem sabe, gerar com isso um certo espanto e revolta; e contribuir para que a escolha dos jovens por uma carreira em pesquisa seja consciente, apesar de tudo o que vem a seguir. Mas, sobretudo, o que eu gostaria é de gerar indignação suficiente para fazer a carreira de cientista (1) passar a existir de fato, e (2) ser valorizada.
Feitas as ressalvas, vamos então à minha campanha de anti-propaganda sobre a ciência no Brasil!
Você que é jovem e está considerando se tornar pesquisador: você sabia que...
- durante a faculdade, seus estágios de iniciação científica serão remunerados em apenas 400 reais - isso mesmo, menos do que um salário mínimo? Este é o valor atual definido pelo CNPq. E isso é SE você conseguir bolsa de iniciação científica, porque a Faperj, por exemplo, atualmente limita a sua concessão a UMA bolsa por pesquisador, e o CNPq-PIBIC a duas bolsas. Em um laboratório de tamanho médio, isso já não será suficiente para garantir bolsas a todos os estagiários - o que significa que é vexaminosamente comum termos estagiários trabalhando de graça;
- quando terminar a faculdade, a não ser que consiga emprego na indústria ou em empresas privadas, para fazer pesquisa você precisará concorrer a bolsas de R$ 1.350 para fazer mestrado? Enquanto isso, seus colegas formados em administração, engenharia, advocacia já estarão entrando para o mercado de trabalho, ganhando salários iniciais (com todos os direitos trabalhistas) de 3 a 7 mil reais reais ou mais. Ah, eu mencionei que, embora se espere que você trabalhe 40 horas por semana em dedicação exclusiva durante o mestrado, você não terá qualquer direito trabalhista? Isto porque o seu trabalho ainda não é considerado, ahn, trabalho...
- ...é mais fácil conseguir bolsa do Ciência Sem Fronteiras para fazer GRADUAÇÃO no estrangeiro do que conseguir uma bolsa de pós-graduação no país? É isso mesmo: exportamos nossos alunos de graduação, mas não temos bolsas suficientes para mantê-los na pós-graduação no país.
- quando você terminar o mestrado, a não ser que consiga emprego como pesquisador em empresas privadas (que são pouquíssimos), você terá necessariamente que fazer um doutorado? A razão é que o cargo de "pesquisador" em nosso país é quase inexistente; somente institutos de pesquisa como o INCA ou a Fiocruz oferecem emprego (através de concurso público) para pesquisadores (e muitas vezes exigem doutorado). Todas as demais possibilidades de emprego para um pesquisador são como "professor universitário" - e este cargo, também somente acessível por concurso público, é hoje essencialmente restrito a quem já tem título de Doutor.
- então, com 3 anos de formado, você terá que concorrer a bolsas de R$ 2.000 mensais para fazer doutorado? Isso, vou repetir: seus colegas já estarão no mercado de trabalho, ganhando salários reais, tendo seu trabalho chamado de "trabalho", com direito a férias e 13o salário - e, com sorte, você terá assinado um papel aceitando receber DOIS mil reais por mês pelos próximos 4 anos. E fique muito contente de ter uma bolsa: como dizem nossos detratores, você deveria ficar "muito feliz de estar sendo pago para estudar". Exceto que você não estará "estudando"; você estará trabalhando, gerando conhecimento, e contribuindo para as universidades publicarem os artigos científicos que lhes servem como base de avaliação no cenário mundial.
- que, durante todos esses anos de pós-graduação, para receber uma bolsa você NÃO poderá ter qualquer outra fonte de renda? Sim, você pode ter outro emprego e fazer pós-graduação sem receber bolsa - mas é pouco provável que consiga terminar a pós-graduação assim. Para receber uma bolsa, você será obrigado a assinar uma declaração humilhante de que não tem qualquer outra fonte de renda. Bom, mais ou menos; a Capes há um ano decidiu aceitar acúmulo de bolsa com "emprego de verdade" SE for na mesma área da sua pós-graduação. Adivinha qual é a chance de você ter esse "emprego de verdade"? Pois é.
- agora, com o diploma de Doutor em mãos, você terá ganhado o direito de competir por vagas para... Professor. Isso mesmo: não de "pesquisador", mas de "professor". Isso porque as universidades públicas, onde a boa ciência é feita no país, somente contratam "professores". Ou seja: com MUITA sorte, você será contratado, no mínimo SETE anos após a graduação, para fazer algo que você NUNCA fez: dar aulas. Seu salário inicial líquido (seu primeiro salário de verdade!) será algo em torno de 5 mil reais - mas não se engane, seu "vencimento básico", aquele que o governo usará para talvez um dia pagar sua aposentadoria, será de não muito mais do que 2 mil reais...
- é mais provável, no entanto, que você NÃO consiga emprego imediatamente, uma vez doutor, e tenha que ingressar no limbo dos pós-doutorandos? Um "pós-doutor" é exatamente isso que o nome indica: alguém que já é doutor, mas ainda não tem emprego. É um limbo criado pelo sistema para manter interessados os cada vez mais numerosos recém-doutores que não encontram emprego nem como pesquisadores, nem como professores. Pela mesma tabela do CNPq, um recém-doutor recebe uma bolsa de R$ 3.700 mensais, livres de impostos. Ou seja: lembra daquele salário inicial dos seus colegas recém-formados? Um aspirante a cientista finalmente conquista o direito a um valor semelhante... SETE anos após a graduação. Ah, claro: ainda sem qualquer direito trabalhista, pois você "não trabalha". Permita-me fazer as contas para você: a esta altura, você esta perto de completar 30 anos de idade, e oficialmente... "nunca trabalhou";
- A esta altura, você já será para todos os fins práticos um Cientista - mas ainda não terá direito de pedir auxílio às agências de fomento para fazer pesquisa? Para gerenciar um auxílio-pesquisa é preciso ter vínculo empregatício com uma instituição de pesquisa - e isso, tirando os pouquíssimos cargos de Pesquisador de fato na Fiocruz, INCA, IMPA etc, você só consegue se virar... professor universitário;
- SE você conseguir ser aprovado em concurso para professor universitário E for fazer pesquisa de fato, você não inicialmente ganhará NEM UM CENTAVO A MAIS por isso? Você terá a mesma carga horária de aulas a cumprir, aulas por preparar e atualizar todos os semestres, mas o trabalho de pesquisa, com o qual você tanto sonhou, é... por sua conta. Se você resolver não fazer pesquisa e apenas der aulas, como você foi oficialmente contratado para fazer, está tudo bem. Talvez seus colegas torçam o nariz para você, porque esqueceram que também o emprego deles é apenas como professores, e não pesquisadores, mas você estará rigorosamente correto se só fizer seu trabalho de professor.
- Apesar disso tudo, sua progressão na carreira universitária será dependente do seu trabalho de pesquisa? Você leu corretamente: você foi contratado como PROFESSOR, mas sua avaliação funcional será feita de acordo com as suas atividades como PESQUISADOR...
- SE você tiver produtividade suficiente, em alguns anos você poderá concorrer a uma bolsa de Pesquisador do CNPq, que complementa seu salário em R$ 1.000 por mês. E isso é todo o incentivo financeiro que você receberá para fazer pesquisa.
Já desistiu? Pelo bem da ciência brasileira, espero que... sim. Esta é minha campanha de anti-propaganda em prol da melhoria da ciência no meu querido país: torço para que você tenha ficado indignado a ponto de considerar fazer outra coisa da sua vida. Precisamos de uma crise, e um desinteresse súbito da parte de nossos jovens seria muito, muito, muito eloquente.
Mas sei que a gente escolhe ser cientista assim mesmo, apesar de tudo isso. Quando eu entrei para a Biologia, em 1989, a situação era ainda pior. A ciência no país persiste graças a esses jovens idealistas, que querem contribuir para o progresso da nação apesar de serem mal-tratados e desvalorizados, e que topam embarcar em uma "carreira" que não lhes dará condições financeiras para terem uma vida independente antes dos TRINTA anos de idade - e olhe lá...

Você quer mesmo ser cientista? Parte 2: uma proposta prática

Escrevi anteriormente aqui sobre o problema da "carreira" de cientista no Brasil, quase inexistente porque postos de "pesquisador" são raros (aliás, pequena curiosidade: tentem preencher um formulário online com a profissão "cientista". Em geral ela não existe!). O resumo da situação, em minha opinião, é que o trabalho de um pesquisador não é considerado trabalho enquanto ele não for contratado como... professor universitário, em geral, o que dificilmente acontece antes de uns 10 anos de formado.
Pensei um bocado sobre o assunto, e eis aqui minha proposta para uma reforma prática, imediatamente implementável se o governo assim quiser - e, mais importante, SEM tocar na estrutura dos empregos públicos já existentes (fazer isso seria pisar em calos demais, o que poderia inviabilizar a implementação da nova estrutura, e de qualquer forma não é essa minha bandeira aqui).
A constatação de origem é a seguinte: é o trabalho de estagiários de iniciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-docs que de fato move a ciência. Quem acha que não é, por favor dê uma olhada no currículo de nossos cientistas mais produtivos em termos de publicações - Wanderley de Souza e Iván Izquierdo, por exemplo, só para citar os dois que primeiro me vêm à cabeça -, e veja quantos de seus artigos recentes (sem ser artigos de revisão da literatura) são publicados apenas por eles, sem vários "bolsistas" como primeiros autores ou co-autores. Pois é. Na prática, no Brasil e no mundo, quem faz a ciência, quem está na bancada gerando dados, é o "bolsista" que está supostamente "estudando", e não trabalhando.
Mas trabalho é o que isso é, e minha bandeira é que ele deve ser reconhecido como tal. O empecilho para isso é que as instituições públicas, onde se faz a melhor ciência no Brasil, só contratam por concursos, e com aquela faca de dois gumes que é o emprego garantido (mais sobre isso adiante). Fundações, contudo, têm autonomia para contratar e demitir; podem receber fundos tanto públicos quanto privados para pagar seus funcionários; e estão livres da necessidade de lucro que atrapalha a pesquisa básica.
Eis a primeira parte da minha proposta, então: que as instituições públicas onde se faz ciência criem Fundações, com gestão LOCAL, ágil, para contratar seus pesquisadores - e que esses pesquisadores, contratados e assim reconhecidos como trabalhadores que de fato são, sejam os hoje "bolsistas" de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Assim o cargo de "cientista" passa a existir de fato, em seus vários níveis de progressão na carreira, reconhecendo e recompensando o mérito e a produtividade de cada um: estagiário (atual bolsista de iniciação científica), assistente de pesquisa (atual recém-formado), pesquisador assistente, pesquisador júnior, pesquisador associado, pesquisador pleno, pesquisador sênior, diretor de pesquisa (chefe de laboratório).
De onde viria o dinheiro? De onde já vem: MCT, CNPq, FAPs estaduais - e, agora que são instituições "privadas", quem sabe até de fontes privadas, como em tantos outros países. Para deixar bem claro: proponho ACABAR COM TODAS AS BOLSAS NO PAÍS, e usar esses fundos para contratar os jovens como trabalhadores que são, com todos seus direitos e deveres trabalhistas. Quantos pesquisadores cada laboratório poderia contratar dependeria de produtividade e captação de recursos para seus projetos, com possibilidade de avaliação e reavaliação constante.
Contratados como trabalhadores, valeria assim a meritocracia e a agilidade que são a norma em qualquer empresa: quem faz um bom trabalho permanece; quem não está de fato produzindo corre o risco de ser demitido. Claro, com comissões de avaliação para garantir que ninguém seja demitido por mera picuinha ou por não fazer parte das panelas da vez. Proponho ainda que os cargos dos pesquisadores sênior e diretores de pesquisa, responsáveis pela continuidade dos projetos em andamento, tenham duração assegurada de cinco anos, renováveis indefinidamente, durante os quais o pesquisador, como o professor universitário, não precisará se preocupar com seu emprego.
O que fazer com a pós-graduação? Proponho que ela seja valorizada como algo realmente reservado àqueles jovens pesquisadores que demonstrarem capacidade de inovação e liderança, ao invés de ser usada como a boia de salvação atualmente necessária para quem quer seguir carreira na ciência, na falta de empregos de verdade como pesquisador. Cursos de atualização e formação continuada seriam oferecidos continuamente para pesquisadores contratados de TODOS os níveis, sem custo (mas também sem "bolsa" adicional), pois são fundamentais para todos (e não, na minha opinião, um "investimento opcional"). Mas, no esquema de cargos proposto acima, o pesquisador que demonstrar essas capacidades de pensamento original e independente ganharia acesso ao doutorado (chega de mestrado!), como qualificação adicional para um dia vir a ser líder de seu próprio grupo, no cargo de diretor de pesquisa (chefe de laboratório, na prática). Sendo um processo rigoroso de qualificação (também sem "bolsa" adicional!), onde originalidade e relevância são exigidos de fato, o doutorado prepararia o pesquisador para passar ao cargo de pesquisador pleno, sênior, e eventualmente diretor de pesquisa.
Como implantar esse esquema na estrutura atual de professores universitários? Proponho que seja oferecida a alternativa de acúmulo de cargo de professor universitário (sem dedicação exclusiva, claro) e diretor de pesquisa (para que já é chefe de laboratório) ou pesquisador pleno ou sênior (para quem já é professor com doutorado) para quem já é concursado (e deixo claro desde já que eu abraçaria a opção), mas claro que quem já é funcionário público não seria jamais obrigado a deixar seu cargo. O importante aqui é criar a possibilidade de contratação com perspectiva de carreira, e mudar como a ciência é feita daqui para a frente.
Notem que uma das consequências dessa proposta é que ser professor universitário pode passar a ser reservado a quem realmente SABE e QUER ensinar, ao invés de ser o "preço" a pagar para poder fazer pesquisa por aqueles que não curtem ensinar. Não é vergonha alguma não querer dar aula, assim como não é vergonha não querer fazer pesquisa; portanto, nada melhor do que as duas atividades serem dissociáveis.
A outra consequência desta proposta é a MOBILIDADE e AGILIDADE para contratação por Fundações locais associadas às Universidades (ou, melhor ainda, aos Institutos). Precisamos disso para atrair cientistas de outras cidades, estados, e países. Precisamos disso para ajudar a escolher outro caminho (eufemismo para "demitir", isso mesmo) aqueles que não se encontram na carreira de cientista ou professor, mas continuam nas universidades porque são, bem, funcionários públicos indemissíveis.
Minha irmã, economista, observa há anos, ao me ouvir descrever o funcionamento de laboratórios, universidades e instituições de pesquisa públicas, que o que falta à pesquisa é ser gerenciada como qualquer empresa. Quer saber? Acho que ela está com toda a razão. Um pouco de estabilidade, em geral não assegurada nas empresas, é necessária - mas ela não precisa ser eterna, e pode vir em pacotes de uns 5 anos de cada vez. E meritocracia é fundamental. Mas, sobretudo, ter seu trabalho reconhecido como "trabalho" é o que está faltando aos pesquisadores.


Assista mais em
http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva/roda-viva-entrevista-suzana-herculano-houzel

O que eu não disse no Roda Viva

Dia 25 de março tive a honra de ser a entrevistada no Programa Roda Viva, da TV Cultura, com a oportunidade de falar sobre como é fazer pós-graduação e ciência no Brasil. Fiquei pensando depois no que eu não disse a respeito, mas gostaria de acrescentar, então segue aqui:
- que eu lamento o engessamento do nosso sistema que, por ser estatizado, não permite agilidade de contratações, tanto pela universidade quanto pelos laboratórios. Nos EUA, por exemplo (atenção, polícia de plantão: falo dos EUA simplesmente porque é o exemplo que eu conheço melhor, pessoalmente, e não porque acho que tenhamos que copiar tudo o que vem de lá, porque não temos. Tem várias coisas erradas por lá, também) - enfim, nos EUA até mesmo as universidades estaduais têm autonomia para buscar, selecionar e contratar quem eles quiserem, em todos os níveis, do assistente de laboratório ao chefão supremo do departamento. O mesmo tipo de autonomia faz falta também nos laboratórios daqui: eu gostaria, por exemplo, de poder contratar rapidamente cientistas que têm as habilidades específicas que faltam em minha equipe. Mas não posso; tenho que elaborar um projeto, pedir bolsa de pós-doutorado já com o nome do candidato, e passar meses esperando uma resposta (enquanto isso, esse candidato faz o quê???). Também gostaria de poder demitir com agilidade quem não faz o seu trabalho. Mas não posso fazer isso sem pensar nas consequências para o programa de pós-graduação, que é avaliado pelos seus bolsistas, e "pega mal" na avaliação pela Capes ter bolsistas que "abandonam" o curso no meio. Se fossem considerados trabalhadores, como de fato são, não haveria problema na demissão por justa causa. E, claro, deveríamos poder contratar PESQUISADORES para fazer PESQUISA, e não sermos obrigados a contratá-los (concursá-los, na verdade) como "professores", muito menos com um contrato surrealmente ad eternum, que NENHUMA empresa comete a insanidade de oferecer aos seus empregados...
- que nos falta, no Brasil, financiamento privado. Não temos a cultura do patrocínio da ciência por pessoas jurídicas, nem de fundações e organizações com prêmios e grants privados de apoio à ciência. Também não temos a possibilidade de receber doações diretas de pessoas físicas. As mídias sociais hoje viabilizam esse tipo de apoio, que eu quero começar a incentivar em breve. Me aguardem! :o)
- que implantei recentemente em meu laboratório um sistema "capitalista" de remuneração pelo trabalho feito, e que está sendo sucesso absoluto de produtividade e motivação! No momento estou pagando por grama de tecido processado. A produtividade mais do que duplicou, sem qualquer perda de qualidade. Mais tarde eu comento meu experimento!

Capitulo - AS DROGAS E OS CONFLITOS
ALAIN LABROUSSE
DIRETOR DOS OBSERVATOIRE GÉOPOLITIQUE DES DROGUES –PARIS
A droga e os serviços secretos
....... A CIA voltou a recorrer aos narcotraficantes em operações clandestinas contra a Nicarágua, realizadas particularmente pelo coronel Oliver North, depois que o congresso dos Estados Unidos suspendeu (emenda Bollan ), entre outubro de 1984 e outubro de 1986, a ajuda militar americano aos anti-sandinistas. Parte dos recursos provinha das vendas clandestinas de armas ao Irã, configurando o que a história registrou com o nome de Irangate. Os aviões que vinham dos Estados Unidos traziam armas, víveres e equipamentos para os contras da frente sul baseados na Costa Rica, e partiam em
seguida para a Colômbia. Na volta vinham carregados de cocaína fornecida pelos chefes do cartel de Medellín, Pablo Escobar e Jorge Ochoa. A droga era entregue num rancho ao norte da Costa Rica.Seu proprietário, um cidadão norte-americano, de nome John Hull, participava do apoio aos combatentes nicagaraguenses, em estreita ligação com a Cia e o Conselho Nacional (NCS). Essas ligações foram reveladas ao publico quando um avião de transporte do governo americano se espatifou perto do rancho, matando seus sete ocupantes.
Informações precisas foram fornecidas principalmente pelos pilotos que haviam participado desses tráficos e que foram presos em seguida e julgados por outros problemas de drogas nos Estados Unidos: Gerard Duran, George Morales, Gary Wayne Betzner e Michael Tolliver. Este último, em seu depoimento perante uma comissão de inquérito do Senado americano, presidida pelo Senador John Kerry, declarou que por duas vezes em 1984 transportava armas para os contras baseados na Costa Rica e que seu avião havia retornado aos Estados Unidos a cada vez com uma carga de meia tonelada de cocaína. Relatou também como, em março de 1986, transportava 15 toneladas de armas até a base aérea de Agnacate, em Honduras, destinadas aos contras. Seu DC6 havia retornado á Florida com 25 306 libras ( cerca de 11,5 toneladas) de maconha, que descarregara na base militar de Homestead. Por essa viagem recebera 75 mil dólares.
O próprio Departamento de Estado também estava comprometido diretamente no trafico, através da ajuda humanitária aos contras, que não havia sido suspensa pelo Congresso. A comissão Kerry conduziu um inquérito sobre as companhias aéreas que tinham sido contratadas: todas estavam fichadas pelo DEA por terem praticado trafico de drogas num ou noutro momento......................
Paginas 58 e 59


Capitulo - MUNDIALIZAÇÃO E CRIMILIDADE
JOSÉ LUIZ DEL ROIO
PESQUISADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS DA VIOLÊNCIA DA USP E DIRETOR DO CENTRO STUDI PROBLEMI INTERNAZIONALI DI MILANO
....... South Central é um dos maiores e mais pobres bairros onde vivem os negros de Los Angeles. Praticamente uma geração de seus jovens foi devastada pelo crack. Morte, doenças, loucura e criminalidade é o que vivem no dia-a-dia os seus habitantes. A partir de 18 de agosto de 1996, um jornal local, o San José Mercury News, publicou uma série de artigos, resultado de um alto jornalismo investigativo, onde contava detalhadamente como a droga se apoderou daquele território. É uma historia menos que se insere no interior de uma moldura vasta conhecida com Irangate.
Os que possuem boa memória se recordarão do processo contra o coronel Oliver North, que terminou com sua condenação. Os atos deste processo demonstraram com nomes e fatos que por vários anos a CIA (Central Intelligence Agency ) e a DEA estiveram em contato com os chamados cartéis colombianos, protegendo a entrada de drogas nos Estados Unidos. Tal operação servia para encontrar fundos ilegais para financiar as forças opositoras ao governo sandinista da Nicarágua. Lembremos também que estes fatos foram provados por uma comissão do Senado, presidida pelo já citado senador John Kerry.
É neste clima que Danilo Brandon, pertencente a uma das famílias mais ricas da Nicarágua e expoente do partido anti-sandinista Fuerza Democrática, entra em contato com Ivan Meneses, pequeno criminoso, já fichado pela policia norte-americana. Juntos encontram em Honduras um tal de coronel Bermudez, regularmente pago pela CIA, que lhes propõe traficar a cocaína da Colômbia para o interior dos EUA para conseguir fundos. Entram em contato com o chamado cartel de Cáli e tentam entrar no mercado de Beverly Hills, famoso bairro onde se concentram os ricos de Hollywood. Porem, os canais já estão ocupados por outros bandos de criminosos. Experimentam então com as zonas mais pobres de Los Angeles, mas a cocaína custa muito para os bolsos dos jovens e o preço do mercado não deve ser rebaixado porque entrariam em conflito com outras quadrilhas.
Os valentes “combatentes pela liberdade” encontram-se num impasse, ate que uma inovação tecnológica vem resolver seus problemas. Através dos cristais que restam da fabricação da cocaína, é possível fabricar uma droga muito mais barata e mortal, adequada aos pobres, que será chamada de crack. Eis que os guetos negros de Los Angeles, aonde o desemprego juvenil chega a 45%, pode ser inundado com o novo produto. Por cinco anos, de 1983 a 1987, os contras nicaragüenses, com a cobertura de organismos oficiais, despeja 100 quilos de cristais de coca semanais sobre South Central. Os lucros são lavados em Miami e partem para a América Centra para alimentar a subversão contra o de Manágua.
Ao tomar conhecimento destes fatos, a comunidade negra justamente se rebela e exige a abertura de um processo que lance luz sobre os episódios e condene os culpados. A reação da administração Clinton é hesitante, e faz-se de tudo para sepultar o episodio. O jornal conservador Washington Post, mesmo reconhecendo que a CIA conhecia pelo menos parte das atividades dos traficantes e que não fez nada para bloqueá-los, tenta desmoralizar os artigos publicados pelo San José Mercury News, dizendo que as quantidades de cristais de coca que entraram em Los Angeles por mãos dos contras nicaragüenses não foram 27 000 quilos, mas apenas 5 000 !!!
Mesmo aceitando a cifra menor acenada pelo Washington Post, isto significa algo como 10 milhões de doses. Alem do quê, a partir desta atividade criminosa exercida contra os negros de Los Angeles, o crack espalhou-se pelas metrópoles dos Estados Unidos e de vários paises latino-americanos. Esta é uma historia para recordamos quando vemos nas ruas de São Paulo as nossas crianças agonizando ou cometendo crimes porque viciadas em crack. Agora sabemos quem são os primeiros responsáveis, que elaboraram suas perversidades e decretaram que tantas crianças não deveriam possuir sonhos e nem futuro. ...............
Paginas 120 a 122
– DROGAS : A HEGEMONIA DO CINISMO
ORGANIZADORES – MAURIDES DE MELO RIBEIRO E SERGIO DARIO SEIBEL
ANO 1997 – 353 PAGINAS – ISBN 85-85373-16-4
FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES
AV AURO SOARES DE MOURA ANDRADE 664
01156-060 SÃO PAULO –SP –
TEL [11] 8239611 FAX [11] 8257545

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