quinta-feira, 29 de agosto de 2013

QTMD - Com a cara e a coragem


Com a cara e a coragem Por Thiago Andrade(*)

Quem usa máscara não tem coragem de mudar um país de verdade. Porque haveria receio de mostrar seu rosto? Medo de ser identificado? Que revolucionários são esses que, de repente, brotaram das redes sociais? Vejo muitos de meus conhecidos, boa parte deles com pensamento de direita, outros que dizem defender o anarquismo, defenderem o direito de se manifestar. Porém, minha grande curiosidade é: contra o que protestam mesmo? Dizem querer o fim dos escândalos de corrupção, e, ainda, melhoras na saúde e na educação.

Ocorre que os manifestantes precisam saber de duas coisas. Por um lado, para que se possa mudar realmente uma sociedade, especialmente um país do tamanho do Brasil, faz-se necessário articulação política (palavra tão odiada por alguns), o que só se consegue através de movimentos sociais que tenham lideranças para que se possa coordenar e direcionar suas demandas, sem o quê qualquer grupo de pessoas na rua se transformaria apenas numa massa potencialmente violenta, mas sem capacidade de articulação, e destoante do ponto de vista ideológico e político.

A necessidade de dialogar com o poder instituído é intransponível para qualquer movimento social que busque colocar em prática suas ideias de governo e de estado, ou do que seriam reais políticas públicas. Para que haja articulação social é indispensável tempo para que os grupos sociais sejam organizados e coordenados. Não vislumbro essa coordenação nos indivíduos que estão participando ativamente dos recentes protestos, tampouco me parece haver organizações sociais sólidas atuando por trás destes indivíduos. Grupos como o Anonymous, propagandeados pelas redes sociais, não tem qualquer base social no Brasil, e não sabemos em nome de que interesses políticos atuam.

Por outro lado, se o que buscam os manifestantes é um pais totalmente livre de corrupção ou de desvios de recursos públicos, sinto informá-los que, apesar de louvável, tal objetivo ainda não foi atingido por qualquer país na história. O ser humano, assim como as instituições políticas por ele criadas, carregam em seu âmago a imperfeição, e o fato de ser corruptível está incluído nesse contexto: observamos isso, inclusive, em agrupamentos humanos menores, como, por exemplo, em uma família, quando um irmão pega o biscoito de outro que estava num canto da geladeira e, ao ser questionado, desmente; ou quando um filho furta dinheiro da carteira de sua mãe.

Temos que, sim, fortalecer as instituições responsáveis por fiscalizar os organismos estatais, com o objetivo de desnudar possíveis esquemas de locupletamento ilícito ou malversação de dinheiro público.
Já se sabe que, durante períodos de regime militar muito se desviou de recursos públicos, porém, na época, a população permaneceu ignorante aos desvios, pois a censura sobre os veículos de comunicação junto ao rígido controle sobre os órgãos públicos que deveriam fiscalizar o governo não permitiram o desnudamento dos esquemas de corrupção.

Devemos relembrar que já conquistamos enormes avanços nas últimas décadas, tanto em liberdades políticas quanto na área social. E mais, não podemos achar que vamos mudar o país apenas através de fotos de cartazes publicadas em redes sociais. Neste sentido, grandes manifestações necessitam de um desígnio minimamente conectado com a realidade social de seu país, para que não se tornem apenas um meio de uma numerosa minoria demonstrar poder de persuasão política, na contramão da liberdade de locomoção da maioria da população e, ainda, da liberdade de opinião. Pois, como disse Cynara Menezes, protestar contra tudo é o mesmo que protestar contra nada.

*Thiago Andrade é formado em Direito e trabalha como Técnico do Ministério Público de Pernambuco. Passa, a partir de hoje, a ser colaborador permanente do QTMD?

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Médicos versus planos de saúde- Dráuzio Varella


Saúde no Brasil
Médicos versus planos de saúde- Dráuzio Varella.

Os responsáveis pelos planos de saúde alegam que os avanços tecnológicos encarecem a assistência médica de tal forma que fica impossível aumentar a remuneração sem repassar os custos para os usuários já sobrecarregados. Os sindicatos e os conselhos de medicina desconfiam seriamente de tal justificativa, uma vez que as empresas não lhes permitem acesso às planilhas de custos.

Tempos atrás, a Fipe realizou um levantamento do custo de um consultório-padrão, alugado por R$ 750 num prédio cujo condomínio custasse apenas R$ 150 e que pagasse os seguintes salários: R$ 650 à atendente, R$ 600 a uma auxiliar de enfermagem, R$ 275 à faxineira e R$ 224 ao contador. Somados os encargos sociais (correspondentes a 65% dos salários), os benefícios, as contas de luz, água, gás e telefone, impostos e taxas da prefeitura, gastos com a conservação do imóvel, material de consumo, custos operacionais e aqueles necessários para a realização da atividade profissional, esse consultório-padrão exigiria R$ 5.179,62 por mês para sua manutenção.

Voltemos às consultas, razão de existirem os consultórios médicos. Em princípio, cada consulta pode gerar de zero a um ou mais retornos para trazer os resultados dos exames pedidos. Os técnicos calculam que 50% a 60% das consultas médicas geram retornos pelos quais os convênios e planos de saúde não desembolsam um centavo sequer.

Façamos a conta: a R$ 20 em média por consulta, para cobrir os R$ 5.179,62 é preciso atender 258 pessoas por mês. Como cerca de metade delas retorna com os resultados, serão necessários: 258 + 129 = 387 atendimentos mensais unicamente para cobrir as despesas obrigatórias. Como o número médio de dias úteis é de 21,5 por mês, entre consultas e retornos deverão ser atendidas 18 pessoas por dia!

Se ele pretender ganhar R$ 5.000 por mês (dos quais serão descontados R$ 1.402 de impostos) para compensar os seis anos de curso universitário em tempo integral pago pela maioria que não tem acesso às universidades públicas, os quatro anos de residência e a necessidade de atualização permanente, precisará atender 36 clientes todos os dias, de segunda a sexta-feira. Ou seja, a média de 4,5 por hora, num dia de oito horas ininterruptas.

Por isso, os usuários dos planos de saúde se queixam: “Os médicos não examinam mais a gente”; “O médico nem olhou a minha cara, ficou de cabeça baixa preenchendo o pedido de exames enquanto eu falava”; “Minha consulta durou cinco minutos”.

É possível exercer a profissão com competência nessa velocidade? Com a experiência de quem atende doentes há quase 40 anos, posso garantir-lhes que não é. O bom exercício da medicina exige, além do exame físico cuidadoso, observação acurada, atenção à história da moléstia, à descrição dos sintomas, aos fatores de melhora e piora, uma análise, ainda que sumária, das condições de vida e da personalidade do paciente. Levando em conta, ainda, que os seres humanos costumam ser pouco objetivos ao relatar seus males, cabe ao profissional orientá-los a fazê-lo com mais precisão para não omitir detalhes fundamentais. A probabilidade de cometer erros graves aumenta perigosamente quando avaliamos quadros clínicos complexos entre dez e 15 minutos.

O que os empresários dos planos de saúde parecem não enxergar é que, embora consigam mão-de-obra barata – graças à proliferação de faculdades de medicina que privilegiou números em detrimento da qualidade -, acabam perdendo dinheiro ao pagar honorários tão insignificantes: médicos que não dispõem de tempo a “perder” com as queixas e o exame físico dos pacientes, pedem exames desnecessários. Tossiu? Raios X de tórax. O resultado veio normal? Tomografia computadorizada. É mais rápido do que considerar as características do quadro, dar explicações detalhadas e observar a evolução. E tem boa chance de deixar o doente com a impressão de que está sendo cuidado.

A economia no preço da consulta resulta em contas astronômicas pagas aos hospitais, onde vão parar os pacientes por falta de diagnóstico precoce, aos laboratórios e serviços de radiologia, cujas redes se expandem a olhos vistos pelas cidades brasileiras. Por essa razão, os concursos para residência de especialidades que realizam procedimentos e exames subsidiários estão cada vez mais concorridos, enquanto os de clínica e cirurgia são desprestigiados.

Aos médicos, que atendem a troco de tão pouco, só resta a alternativa de explicar à população que é tarefa impossível trabalhar nessas condições e pedir descredenciamento em massa dos planos que oferecem remuneração vil. É mais respeitoso com a medicina procurar outros meios de ganhar a vida do que universalizar o cinismo injustificável do “eles fingem que pagam, a gente finge que atende”.

O usuário, ao contratar um plano de saúde, deve sempre perguntar quanto receberão por consulta os profissionais cujos nomes constam da lista de conveniados. Longe de mim desmerecer qualquer tipo de trabalho, mas eu teria medo de ser atendido por um médico que vai receber bem menos do que um encanador cobra para desentupir o banheiro da minha casa. Sinceramente

sábado, 24 de agosto de 2013

Tradição de sumiço - José de Souza Martins


Tradição de sumiço
Desaparecimentos políticos à sombra de ‘razões de Estado’ marcam toda nossa história republicana
24 de agosto de 2013 | 17h 25 O Estado de SPaulo


José de Souza Martins

O tema dos desaparecidos ganhou destaque em função dos casos relativos a desaparecimentos durante a ditadura militar de 1964 a 1985 e também aos trágicos casos ocorridos nos países vizinhos - Argentina, Uruguai, Chile. Tragédias imensas, feridas incuráveis de que tive pequena amostra quando participei do júri do Prêmio Casa de las Américas e do Encontro de Escritores, em Cuba, em 1981. O poeta argentino Juan Gelman, que fazia parte do grupo, em meio a conversações normais e até alegres, caía repentinamente em prantos. O filho e a nora, grávida, alcançados pela repressão da ditadura militar argentina, haviam desaparecido em 1976. O corpo de seu filho só seria encontrado em 1990. A nora fora levada para o Uruguai pelos agentes da Operação Condor. Após o parto, fora assassinada e a filha entregue a um policial que, com a mulher, a criou. Macarena, neta de Gelman, já adulta, seria localizada viva em 2000. Compreendem-se os versos de um seu poema: “Sólo la esperanza tiene las rodillas nítidas. Sangran”.

A incerteza que há no desaparecimento de alguém, na escuridão da espera que não termina, dói mais que a certeza da morte. Há uma anômala sociabilidade da ausência, no vazio da mesa posta à espera de quem não retorna. A presença do ausente grita todos os minutos do dia contra a violência que o levou para o lugar nenhum da tirania de quem achou que tudo podia.

Não basta desaparecer para ser um desaparecido. Nossa memória política dos desaparecimentos tende a cingir-se aos casos da ditadura de 1964, alimentada pela necessária demanda de justiça e do direito de dar sepultura aos que se foram sem dizer adeus. No entanto, os desaparecimentos marcam toda nossa história republicana. Desaparecimentos políticos já constavam do rol de barbaridades praticadas em nome das razões de Estado desde o nascimento da República. A primeira ação política sistemática de que se tem notícia em favor de desaparecidos políticos e também em defesa do que vieram a ser os direitos humanos foi a do Comitê Patriótico da Bahia. Na Guerra de Canudos (1896-97), houve um imenso número de sertanejos prisioneiros, especialmente mulheres e crianças, repartidos e distribuídos entre oficiais e soldados do Exército ou dados de presente a famílias de Salvador. Deportados para longe do sertão, para os Estados de origem dos militares que os levaram, não raro reduzidos a verdadeira escravidão, saiu o comitê à procura dos desaparecidos para restituí-los às respectivas famílias.

Desaparecimentos foram, também, sequelas da repressão que antecedeu o golpe de Estado de 1937. Acusados de conspiração contra a segurança nacional eram caçados à noite, na própria casa, perdendo contato com a família. Muitos deles imigrantes, deportados para os países de origem, separados das respectivas famílias, que nunca mais os viram. Como ocorreu com o sapateiro Francisco Marquez, de São Caetano (SP). A família só teve dele notícia quando ficou sabendo que fora deportado e fuzilado no porto de Vigo, na época da Guerra Civil Espanhola.

Há desaparecimentos por motivos não políticos, como nos casos de raptos de crianças. Os imaturos são indefesos. Ainda não nos convencemos de que na sociedade em que vivemos esquemas protetivos são o modo necessário para prevenir ocorrências.

Mas há os que desaparecem voluntariamente, especialmente jovens. Até porque querem desaparecer, como a mulher adulta que conheci numa conferência que fiz em Copenhague. De uma família muito pobre da roça, ela havia fugido de casa, em Campina Grande, na Paraíba, no fim da adolescência. Foi parar no Rio de Janeiro. Vivia pelas praias, de pequenos roubos e de outros expedientes. Conheceu um grupo de marinheiros dinamarqueses, cujo navio estava ancorado no Rio, que a adotaram durante a permanência, dando-lhe de comer, e dela se valendo para conhecer a cidade. Deixaram-lhe dinheiro e um endereço em seu país, para o caso de querer ir para lá um dia. Ela foi. Receberam-na, arrumaram-lhe abrigo e emprego. Ela se casou com um dinamarquês, que a alfabetizou. Estava bem de vida. Cheia de remorso, pediu-me que a ajudasse a localizar sua família. Queria reencontrá-la e ajudá-la, o que acabou acontecendo.

Outro caso, foi o de d. Pureza Loyola, maranhense, que em meados dos anos 1990 saiu à procura do filho, levado por um traficante de mão de obra e que nunca mais dera notícia. Estava desaparecido havia mais de ano. Pobre, saiu à procura do filho, embrenhando-se nas matas do Pará, seguindo as pistas que ia colhendo, ajudada por peões das muitas fazendas que atravessou. Depois de um ano, encontrou o filho num garimpo, que “esquecera” de enviar alguma notícia à mãe. D. Pureza ganhou, em 1997, o prêmio da Anti-Slavery International, de Londres, por sua campanha pessoal contra a escravidão por dívida.

Os dois casos que menciono são justamente casos de populações que não conhecem o conceito de desaparecimento. Em seu mundo, um dia as pessoas simplesmente se vão. /JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE FILOSOFIA DA USP E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A SOCIOLOGIA COMO AVENTURA (CONTEXTO)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um herói da guerra e da paz se vai - Fernando Brito



Um herói da guerra e da paz se vai
13 de Aug de 2013 | 14:40

Se este fosse um país onde a memória histórica fosse cultuada, hoje seria um dia de tristeza nacional.

Morreu Rui Moreira Lima, um herói dos tempos de guerra e de paz.

Um herói da democracia, lá contra os nazistas e aqui, contra os fascistas nacionais.

Rui foi o piloto brasileiro que mais missões de combate desempenhou nos céus da Itália na 2a. Guerra Mundial. Foram 94 combates, em seis meses, a bordo de seu P-47, do Primeiro Grupo de Aviação de Caça, o “Senta a Pua¨.

Noventa e quatro vezes escapou dos Messerschmidtt e da artilharia antiaérea alemã e italiana.

18 anos depois, Rui voltou a tentar lutar. Comandante da Base de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, colocou-se, legalista, às ordens do Presidente João Goulart para decolar com seus esquadrões e dispersar a coluna golpista, comandada por Olímpio Mourão Filho.

Goulart, como todos sabem, não quis combates.

Moreira Lima foi para o cárcere, que foi a mais dolorosa das muitas medalhas por ser um democrata e um legalista.

Com a anistia, seguiu sempre a mesma bússola: lutou para que a medida atingisse também os praças, os cabos e sargentos que não recuperaram seus postos.

Fiel à farda, nunca foi fiel aos crimes com que se a manchou, e defendeu que os que praticaram a tortura nos quartéis pagassem por seus crimes.

Daqui a pouco este herói maranhense e brasileiro vai ser enterrado aqui no Cemitério São João Batista, sem as honras militares que mereceria, por certo.

Que assim seja. Faz teu último vôo, Brigadeiro.

Nós, que combatemos a ditadura militar, prestamos respeitosa continência a este grande e simples brasileiro, um pedaço da História a quem tive a honra de conhecer.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O golpe da Taxa Libor: a falcatrua no mercado financeiro mundial


O golpe da Taxa Libor: a falcatrua no mercado financeiro mundial
ESCRITO POR SÉRGIO BOTTON BARCELLOS.
SEXTA, 14 DE SETEMBRO DE 2012 – CORREIO DA CIDADANIA

Como era de se esperar, é pouco noticiado o recente escândalo no sistema financeiro internacional da manipulação da Libor, taxa de juro que é referência para transações financeiras globais. Com exceção da Carta Maior (1), que produziu vasto número de matérias sobre o assunto, disponíveis em seu site, e a blogosfera alternativa, em geral se observam notícias esparsas e superficiais ou pequenas notas sobre o assunto, ainda mais nesse período pré-eleitoral.

O golpe na taxa Libor, por exemplo, influenciou transações de aproximadamente 567 trilhões de euros em 2011. A partir de investigações policiais e dos bancos centrais de Estados Unidos e Inglaterra, a primeira instituição a ser descoberta foi o banco britânico Barclays. Atualmente, as investigações atingem diversos grupos bancários.

Não é um assunto talvez dos mais fáceis de tratar e ler, ou dos mais atrativos, entretanto entende-se que possa ser interessante termos uma noção sobre isso. Além de ser uma das formas de expressão no sistema capitalista em meio aos mercados financeiros e especulativos, é mais um caso de concentração e apropriação ilícita de riqueza à custa do suor alheio da grande parcela da população em muitos países.

Nesse artigo foram compiladas as principais notícias e notas veiculadas na blogosfera alternativa e até algumas do chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista), pois se acreditou que podiam também auxiliar na provocação ao debate. Parece ser importante desafiar-nos a esse tipo de informação, até porque, mesmo que não pareça, a “esperteza” desses “senhores” banqueiros poderá ter desdobramentos dos quais ainda não temos ideia no Brasil.

Mas afinal, o que é a Taxa Libor?

A Libor, sigla de “London Interbank Offered Rate”, é uma taxa de juro fixada diariamente em Londres a partir de informações sobre transações de grandes bancos. Na prática, essa taxa servia como referência confiável para pequenos e grandes negócios, inclusive em transações entre as próprias instituições financeiras. No princípio dos anos 80, surgiu nas instituições financeiras em Londres a necessidade de um benchmark para taxas sobre os empréstimos. Oficialmente, a Libor foi anunciada em 1986 para três moedas: dólar americano, libra esterlina inglesa e o yen japonês. Nos anos seguintes o número de moedas sob a influência da Libor passou a ser 16, depois passaram para o euro, sendo que atualmente há 10 moedas com influência da taxa Libor.

A Libor é considerada a benchmark mais importante em nível mundial para as taxas de curto prazo. Diariamente, por volta das 11 horas GMT, os bancos comunicam à Thomson Reuters com quais taxas naquele momento eles esperam poder atrair um grande empréstimo no mercado monetário interbancário. Após recolher todas as informações dos bancos no painel, a Thomson Reuters desconta as 25% mais altas e mais baixas. Dos 50% restantes, é calculada uma média para se chegar à taxa oficial Libor (2). Esse método às vezes é chamado de “shaved mean” ou “trimmed mean” (média aparada).

Os bancos utilizam a Libor também como taxa básica para fixar sobre empréstimos as taxas posteriores, contas poupança e empréstimos hipotecários, por isso um grande número de profissionais no mundo inteiro segue atentamente a evolução desta taxa. Como se trata de uma informação concedida pelos agentes bancários, foi possível manipular essas taxas para além da realidade do mercado.

Repercussões do golpe na Libor mundo afora.

A taxa Libor determina a taxa pela qual se empresta dinheiro aos bancos e também é a taxa de juros paga pelos consumidores quando realizam empréstimos. Além disso, o escândalo expõe, mais uma vez, e agora de forma tácita, o nível de desregulação e descontrole possíveis nos mercados financeiros. A manipulação nessa taxa, do ano de 2005 a 2009, foi referência para transações financeiras que somaram 567 trilhões de euros em 2011. Ao fazer as contas, estima-se que uma manipulação de 0,01% nessas taxas implicaria em um lucro de 5,67 bilhões de euros para os “espertalhões”.

O escândalo da Libor estourou em 27 de junho desse ano, quando o banco britânico Barclays revelou que iria pagar 360 milhões de euros para por fim às investigações dos reguladores britânicos e norte-americanos no caso de manipulação das taxas interbancárias Libor (britânica) e Euribor (europeia). Desde então, o escândalo se estendeu a outros bancos e gerou investigações em vários países. As entidades investigadas, além do Barclays, o primeiro a admitir essas práticas irregulares, foram o Citigroup EUA e JPMorgan, Deutsche Bank alemão, o suíço UBS e os britânicos Royal Bank of Scotland e HSBC (3).

Entretanto, indica-se que já havia suspeitas sobre esse golpe há mais tempo. Em 2007, tanto o Federal Reserve quanto o Banco da Inglaterra suspeitavam disso. Indica-se que o Wall Street Journal tinha divulgado um estudo, em 2008, sugerindo que alguns bancos estavam faturando a mais sob os custos dos empréstimos. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou, por meio do FBI, uma investigação.

Afinal, no que consiste a fraude da Libor? Essa taxa é informada ao mercado bancário que a usa como base para a taxa global do empréstimo. Desse modo, os contratos de empréstimos preveem, normalmente, o dia exato da incidência dos juros para o pagamento dos mesmos e qualquer aumento da Libor encarece o custo da quitação dos empréstimos nesse dia, seja entre bancos, operadores financeiros e imobiliários e pessoas físicas. Há trilhões de dólares em empréstimos para automóveis, hipotecas e outras dívidas nos EUA, por exemplo, vinculados à Libor.

Em síntese, ao que tudo indica, o golpe ocorreu quando o Banco Barclays, entre 2005 e 2007, aumentou a taxa Libor para obter lucro e combinou isso com outros bancos. Entre 2007 e 2009, no pico da crise financeira, o Barclays começou a repassar taxas artificialmente baixas para dar a impressão que estava com uma situação difícil e pedir empréstimos em condições de pagamento mais baratas.

Outros bancos, no total de 16, por enquanto, estão sob investigação nos Estados Unidos, inclusive por falsificações de contratos imobiliários, o que levou a promotoria de Nova York, junto com outras promotorias estaduais nos EUA, a cobrar indenizações de US$ 200 bilhões do Bank of America, do Citigroup e outros grandes bancos. Aliás, semanalmente aparece na imprensa americana alguma notícia sobre acordos bilionários que os bancos estão fazendo para evitar processos criminais contra seus gestores (4).

Cabe lembrar que a crise europeia ocorre também devido a uma injeção contínua de recursos para sanar a situação financeira dos bancos. Ao mesmo tempo, as intervenções do Banco Central Europeu (BCE) para salvar os bancos resultaram na absorção de dívidas incobráveis dessas entidades. Em algum momento, não se sabe como, o BCE terá que prestar conta dessas dívidas para as comunidades dos países que compõe a Zona do Euro.

Diante disso, o BCE está legalmente comprometido a manter uma inflação de 2% na Zona do Euro. O BCE desconsiderou a possibilidade de manipulação da Libor na época em que as “bolhas” imobiliárias chegavam a níveis cada vez mais arriscados na Espanha, Irlanda e outros países da zona do euro. Bilhões de euros foram tirados do poder aquisitivo da população nesses países para impor uma “austeridade fiscal” recessiva, enquanto continuam a crescer as taxas de juros extorsivas cobradas para refinanciar a dívida pública na Europa. Essa dívida certamente não será paga por nenhum sistema bancário ou financeiro, pois já está sendo paga pelas camadas mais frágeis da população e por alguns países da Zona do Euro com a cobrança de impostos e cortes nas áreas sociais cada vez maiores.

Até o momento, existem dois documentos oficiais que explicaram em detalhes esse golpe. Um deles foi elaborado pela FSA (Autoridade de Serviços Financeiros Britânica) e o outro pela CFTC (Comissão de Mercado de Futuros e Commodity, dos Estados Unidos). Ambas divulgaram e-mails em que operadores de dinheiro em Londres e Nova York solicitaram aos “declarantes” um favor: baixar ou subir suas taxas declaradas, para assim ganhar mais dinheiro vendendo derivativos (ações, câmbio ou juros financeiros) baseados na Libor.

Golpes e maracutaias podem ser uma prática corriqueira, dependendo da oportunidade, no mercado financeiro. Em recente pesquisa divulgada, um quarto dos executivos das Bolsas de Nova York e de Londres declararou que condutas desonestas ou ilegais são necessárias para ter êxito no mundo das finanças. Desses, 30% declararam que os salários e os bônus os levam a violar os códigos de ética da profissão no sistema bancário. Entre os entrevistados, 16% disseram que não hesitariam em cometer um crime na Bolsa se não respondessem por isso na Justiça (5). Depois dessa, espera-se que, de uma vez por todas, pasmaceiras de inspiração neoliberal deixem de ser replicadas, tipo “corrupção é coisa de país de terceiro mundo” ou “corrupção ocorre preferencialmente no meio estatal, precisa-se da eficiência do setor privado”.

Por enquanto, como resultante das punições sobre a manipulação das taxas, sabe-se que o Barclays pagou 450 milhões de libras em indenizações a clientes que se julgaram lesados. O Serviço da Autoridade Financeira de Londres vai ser extinto e substituído por outra agência, além de parte de suas atribuições passarem para o Banco da Inglaterra. O HSBC prometeu publicamente uma revisão de seu sistema interno de segurança.

E O BRASIL?

A Taxa Libor, a dívida externa e o Brasil.

O que o Brasil tem a ver com essa manipulação de taxa e falcatruas no sistema financeiro, mesmo que tenhamos uma economia considerada estável? Por mais que se tente esconder ou negar, o Brasil foi atingido com a cobrança de dívidas cotadas pela Libor ao longo dos últimos 30-40 anos. Mesmo que essa questão não seja relativa a esse recente escândalo, vale destacar a relação da Libor com a economia do país.

O Brasil se endividou e muito pelas taxas flutuantes (Libor, ou prime rates dos bancos americanos, de igual efeito) na virada dos anos 70 para os 80, com taxas de juros anuais (totais) que chegaram a quase 30%. Exemplo disso ocorreu no começo da década de 80, quando houve o choque financeiro decorrente da política do governo Reagan de elevação das taxas de juros, redução de impostos e rígido controle monetário. As medidas foram acompanhadas por outros países ricos e resultaram em um aumento geral das taxas de juros cobradas nos empréstimos internacionais ao Brasil.

Nos anos 80, a Libor subiu de 12,3% para 17,5% no mesmo período. Os juros da dívida brasileira aumentaram de US$ 2,69 bilhões em 1978 para US$ 11,35 bilhões em 1982. Nesse intervalo, estima-se que o governo gastava US$ 7,9 bilhões anuais e passou a gastar com a dívida US$ 18,3 bilhões. Em 2000, os economistas do governo FHC pioraram a situação lançando o Global Bond 40, segundo um ex-colunista da Revista Veja (6), com juros nominais fixos de 13% ao ano, em contratos de até 40 anos. Em síntese, em 1994 o Brasil tinha uma dívida pública de aproximadamente US$ 38 bilhões; em 2002 essa dívida passou para cerca de US$ 850 bilhões.

O resultado disso no decorrer desses anos se evidencia na história do Brasil: inflação galopante, desigualdade social registrada em níveis extremos, crises econômicas constantes e aumento exorbitante da dívida externa. Lembrando que a situação não ficou pior devido a uma parte da dívida ter sido cancelada em 1994 (7). Em suma, é possível que contratos assinados por Ministros da Fazenda em governos recentes estejam com juros cotados sob a influência da taxa Libor, a mesma em que foram comprovadas manipulações para aplicar golpes no sistema financeiro mundial.

Desse modo, é possível afirmar que a dívida pública (interna e externa) brasileira precisa ser questionada e passar por uma rigorosa auditoria, pois consome cerca de 47% do PIB em pagamentos e amortização de juros para o sistema financeiro (em especial bancos). Se algo tem que ser mirado como impedimento do desenvolvimento do país e investimento mais robusto em melhorias sociais, evidencia-se que a questão da dívida pública é um alvo em excelência.

Além disso, o que pode ser evidenciado em relação ao Brasil é que o HSBC, que consta na lista de bancos investigados por manipulação dessa taxa, é um dos 10 maiores bancos em lucro líquido do país e tem 868 agências no território brasileiro (8).

Diante disso, entende-se que o golpe na taxa Libor necessita ser acompanhado com atenção em suas possíveis implicações políticas e econômicas, inclusive no Brasil. Um exemplo, para o qual se deve atentar, é que, segundo o ex-diretor do Banco Central, as famílias brasileiras comprometem, em média, 43% da sua renda anual com empréstimos e financiamentos. O que pesa no orçamento doméstico das famílias, ressaltou ele, são as taxas e os encargos dessas operações, que representam cerca de 22% da renda e estão em níveis altos, mesmo com os cortes de juros pelas instituições financeiras nos últimos meses (9). Apesar da redução da taxa de juros, a Selic, de 8% para 7,5% ao ano, anunciada pelo Banco Central, considera-se que os bancos privados ainda cobram uma taxa de juros abusiva.

Ao apoiar as frações políticas do atual governo que trabalham na promoção da distribuição de renda e na superação da desigualdade social no Brasil, cabe atentar-se para os desdobramentos do golpe na taxa Libor e demais temas que podem impactar a economia do Brasil, mesmo que não seja esta uma tarefa fácil ante a enxurrada de (des)informações difusas promovidas pelas corporações midiáticas.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Mulheres praticam mais violência doméstica que homens

Mulheres praticam mais violência doméstica que homens: Você também acredita que a violência praticada pela mulher contra o homem é exceção? Prepare-se para refazer seus conceitos.

O ESVAZIAMENTO TECNOLÓGICO DO ESTADO BRASILEIRO E SUAS TERRÍVEIS CONSEQUÊNCIAS


Geólogo critica esvaziamento tecnológico brasileiro

Em artigo, Álvaro Rodrigues dos Santos diz que gargalo cria problemas como concepções de projeto direcionadas e inadequadas e falhas e acidentes na implantação dos mais variados tipos de empreendimentos

O ESVAZIAMENTO TECNOLÓGICO DO ESTADO BRASILEIRO E SUAS TERRÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

O longo e radical processo de esvaziamento tecnológico do estado brasileiro vem passando ao largo das atenções da sociedade e, desgraçadamente, de seus representantes nos três grandes poderes da república. Mas, certamente, não suas gravíssimas consequências, ainda que nem sempre percebidas em uma relação direta de causa e efeito.

Ao se analisar o processo de esvaziamento tecnológico da administração pública direta e indireta é fundamental considerar o especial e estratégico papel do poder público contratante e fiscalizador, zeloso por princípio da excelência dos resultados esperados de suas contratações, como indutor, por suas exigências, da qualidade das empresas contratadas. Bom lembrar que cabe ao Estado contratante a missão de fixar já nos termos licitatórios as linhas e concepções tecnológicas básicas que mais interessarão ao País no que se refere à qualidade dos objetos contratados, ao aproveitamento máximo de suas vantagens comparativas e de sua estrutura empresarial. Perde-se a autonomia dessa decisão quando se perde a competência técnica para defini-la, para bem conduzir a indispensável interlocução tecnológica entre contratante e contratados.

Prioridades de investimentos mal definidas, concepções de projeto direcionadas e inadequadas, falhas e acidentes na implantação dos mais variados tipos de empreendimentos, multiplicação exponencial de custos inicialmente estimados, deterioração precoce dos serviços e obras concluídos, sobrecarga nos custos de operação e manutenção, degradação da qualidade dos serviços prestados à sociedade, enorme desperdício de capitais públicos de investimento, abertura de ambiente e amplo espaço propícios à corrupção, são algumas das funestas decorrências da perda de substância tecnológica por parte do estado contratante.

Cumpre lembrar que nos órgãos da administração direta o processo de enfraquecimento tecnológico iniciou-se ainda nos anos 50, e de sua decorrência órgãos públicos que no passado constituíram-se em verdadeiras escolas de engenharia hoje não passam de meras estruturas burocráticas contratantes sem nenhuma consistência técnica ou qualquer vontade estratégica própria.

Mais recentemente, agora no âmbito da administração indireta, o processo de privatização de empresas públicas nas áreas de energia, telecomunicações, transportes e infraestrutura em geral implicou na dissolução de equipes técnicas de altíssima capacitação e experiência constituídas ao longo de décadas, assim como em uma temerária fragilização tecnológica de toda uma cadeia empresarial privada mobilizada nas contratações. Essas equipes técnicas, então formadas no âmbito da implantação de empreendimentos da mais alta complexidade tecnológica, e contando com o entusiasmado e estratégico apoio de instituições públicas de pesquisa tecnológica, haviam sido responsáveis pelo desenvolvimento de uma engenharia nacional aplicada às características econômicas, sociais e fisiográficas próprias de nosso país e de suas diferentes regiões, guindando-a, reconhecidamente, ao nível da melhor Engenharia do primeiro mundo.

Fato real, os novos e positivos patamares do crescimento nacional encontram hoje o poder público planejador, contratante e fiscalizador totalmente despreparado para o cumprimento desses seus essenciais atributos.

Dois outros fatores colaboram ainda para o agravamento desse quadro, o abandono da saudável diretriz que impedia associações de interesse entre a empresa projetista e a empresa executora de um empreendimento licitado e o grande peso com que nossos processos licitatórios continuam a premiar o parâmetro menor preço.

Recuperar a substância tecnológica do estado brasileiro não será tarefa fácil ou simples, porém sem sua realização estar-se-á inexoravelmente comprometendo o futuro do país em seu aspecto mais transcendente, a qualidade de vida de sua população. Essa histórica missão será tão menos difícil quanto mais se apoie no que ainda nos resta de reserva tecnológica, as universidades e as instituições públicas de pesquisa.

Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br) é ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia, autor dos livros "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática", "A Grande Barreira da Serra do Mar", "Cubatão", "Diálogos Geológicos" e "Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções", além de consultor em Geologia de Engenharia e Geotecnia.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

ELES CONHECEM MUITO BEM O CAMINHO!


ELES CONHECEM MUITO BEM O CAMINHO!

A Inglaterra tem um novo império: o das OFFSHORES e paraísos fiscais.
Cristina Ferreira 25/05/2013 – 19:07 Portugal Público.

Investigação da Vanity Fair diz que “o Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais”.

Grã-Bretanha é centro de uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si.

“Luta contra a evasão fiscal é a maneira mais fácil” de combater a austeridade.

“Só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas [BVI] e as Bermudas] providenciaram $332,5 biliões de financiamento para a City, a maioria não taxado”.

“É uma surpresa para a maioria das pessoas que o mais importante player do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Grã-Bretanha, situada no centro de uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a lembrar os últimos resquícios do império.”

O parágrafo consta de um trabalho da revista norte-americana Vanity Fair, publicado na última edição de Abril, com o sugestivo título: A Tale of two Londons [uma brincadeira à volta do conto (1859) de Charles Dickens, a Tale of Two Cities].

Depois de, na terça-feira, a organização internacional não-governamental (ONG) Oxfam ter estimado em 14 biliões de euros (18,5 triliões de dólares) o dinheiro ocultado em paraísos fiscais espalhados pelo mundo, ficou hoje a saber-se que há 12 offshores, conectados com Portugal, associados a 22 proprietários ou gestores (quatro portugueses) domiciliados em Lisboa, Porto, Estoril, Tavira e Almancil.

A informação é hoje revelada pelo Expresso, em parceria com o Offshore Leaks, e consta de uma mega investigação a paraísos fiscais. A Offshore Leaks analisou 2,5 milhões de documentos secretos, relacionados com 120 mil companhias e 170 países.

As notícias mais recentes ajudam a levantar a cortina opaca que protege as grandes fortunas que “fogem” ao pagamento de impostos e surgem numa altura em que, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo europeus reuniram para adoptarem medidas de reforço da luta contra a evasão e a fraude fiscal.

A Oxfam prevê que dois terços [9,5 biliões de euros] da verba “ocultada” em paraísos fiscais (um total de 14 biliões de euros), estejam em “territórios” offshore da União Europeia (UE). E que os Estados tenham perdido de receita fiscal cerca de 120 mil milhões de euros: o que equivale “a duas vezes o necessário para que cada pessoa no mundo em pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares por dia”.

Apesar das expectativas abertas com o anúncio de que os europeus iam reunir para discutir os temas offshore, os resultados do encontro de quarta-feira, 22 de Maio, não foram animadores. Bruxelas atrasou para Dezembro a decisão sobre a generalização da troca de dados financeiros no espaço europeu.

Ao contrário da França, que tem defendido medidas europeias contra a evasão fiscal, a Áustria e o Luxemburgo (com fiscalidades e regras de reporte de excepção) fazem depender o seu aval a uma maior transparência nas transacções financeiras, ao reforço da legislação na Suíça, no Mónaco, em Andorra, em San Marino e no Liechtenstein, territórios europeus, mas que não integram a UE.

A Alemanha, sede do segundo maior centro financeiro da Europa, também olha para as intenções de Holande com desconfiança.

Desta vez, e apesar de Londres surgir, habitualmente, como a face visível da resistência ao aumento da regulação financeira (bancos, operações financeiras e offshores), as posições britânicas não apareceram destacadas na comunicação social. Mas o trabalho da Vanity Fair, que se estende por sete páginas, não deixa dúvidas de que qualquer mudança à actual “arquitectura” da city londrina (uma metrópole offshore) tenderá sempre a ser vista como uma ameaça à “competitividade” da sua indústria financeira.

O título escolhido pela revista para ilustrar o mapa que acompanha o artigo de Nicholas (Nick) Shaxson (autor de outra investigação sobre o tema: Where the Money Lives) é elucidativo: “O Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais.”

“A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colónias sem o ser), assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à Grã-Bretanha dizer “que nada pode fazer” quando um escândalo rebenta.” Esclarecedor, portanto.

“Um círculo interior formado por dependências da coroa britânica – Jersey, Guernsey, Ilhas de Man. Um pouco mais longe estão os 14 territórios espalhados pelo mundo, metade são paraísos fiscais, incluindo, por exemplo, gigantes offshores como as Ilhas Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas.

Ainda mais longe numerosos países da Commonwealth britânica e antigas colónias como Hong Kong, com fundas e antigas ligações a Londres, continuam a alimentar grandes fluxos financeiros questionáveis e sujos para dentro da City”, lê-se na Vanity Fair.

Ainda assim a revista norte-americana faz menção ao que já se sabe: as enormes dificuldades em obter números sobre a circulação do dinheiro pelos paraísos fiscais, o que justifica que os valores divulgados pelas diferentes instituições nem sempre coincidam. Mas há pelo menos uma certeza: uma parte significativa das grandes fortunas mundiais, das empresas e dos fundos de investimento internacionais controlados a partir das metrópoles financeiras acabam sediados em paraísos fiscais.

Territórios opacos onde o sigilo bancário e a complexidade das estruturas societárias dificultam a identificação dos “offshore” e dos seus beneficiários efectivos, assim como das verbas que por ali circulam.

Depois de ressalvar que “a informação é pouca”, Nick Shaxson garante que no fim do primeiro semestre de 2009, “só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas] providenciaram $332,5 biliões de financiamento para a City, a maior parte é dinheiro estrangeiro não taxado”.

“Estas questões estão de tal modo fora de controlo que, em 2001, até a Autoridade Fiscal britânica vendeu 600 edifícios a uma companhia, a Mapeley Steps, registada no paraíso fiscal das Bermudas para evitar o pagamento de taxas.”

Nick Shaxson “arranca” o artigo da Vanity Fair sem deixar dúvidas: “Quem realmente vive no One Hyde Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos super-ricos.”

O construtor do One Hyde Park, Nick Candy, explicou que Londres “é a cidade no topo do mundo e o melhor paraíso fiscal para alguns”, enquanto Mark Holling, co-autor do livro Londongrad, de 2009, que fala da invasão russa, preferiu evidenciar: “ Eles [russos] vêem a capital/city como a mais segura, justa e honesta para parquear o seu dinheiro e a justiça britânica nunca os extradita”, nem “a polícia os investiga”, apesar de “se desconhecer a origem do seu dinheiro”, resultante das “privatizações pós-soviéticas corruptas”.

A grande dimensão dos negócios/transacções em paraísos fiscais sob administração britânica tem gerado contestação e constitui uma dor de cabeça para o governo de David Cameron.

Recentemente, num contexto em que se pede austeridade aos consumidores britânicos, o parceiro de coligação de Cameron, Lord Oakeshott, do partido Liberal-Democrata, avisou: “as triangulações entre offshores é uma mancha na face da Grã-Bretanha. Como pode Cameron pedir seriamente ao G8 para reforçar as receitas fiscais se depois deixam as ilhas [paraísos fiscais britânicos] usarem a lei para absorver dinheiro sujo?”

A acção da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, não foi esquecida por Shaxson: “As reformas financeiras [de Thatcher], nomeadamente, o Big Bang [desregulamentação], de 1986, fizeram disparar o número de banqueiros na city o que expandiu as operações financeiras” e atraiu investimento estrangeiro. Mas não só. A menor regulação e a maior competição, traços distintivos da city londrina thatcherista, não resultaram em maior transparência e qualidade nas operações financeiras e estiveram na origem da crise anglo-saxónica de 2007/2008.

Hoje, sugerem-se grandes mudanças e prometem-se “grandes batalhas” para meter a capital britânica na ordem. Mas será que a intenção de Oakeshott de colocar um fim na circulação de dinheiro sujo na City acabará algum um dia por sair da gaveta?