segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O golpe da Taxa Libor: a falcatrua no mercado financeiro mundial


O golpe da Taxa Libor: a falcatrua no mercado financeiro mundial
ESCRITO POR SÉRGIO BOTTON BARCELLOS.
SEXTA, 14 DE SETEMBRO DE 2012 – CORREIO DA CIDADANIA

Como era de se esperar, é pouco noticiado o recente escândalo no sistema financeiro internacional da manipulação da Libor, taxa de juro que é referência para transações financeiras globais. Com exceção da Carta Maior (1), que produziu vasto número de matérias sobre o assunto, disponíveis em seu site, e a blogosfera alternativa, em geral se observam notícias esparsas e superficiais ou pequenas notas sobre o assunto, ainda mais nesse período pré-eleitoral.

O golpe na taxa Libor, por exemplo, influenciou transações de aproximadamente 567 trilhões de euros em 2011. A partir de investigações policiais e dos bancos centrais de Estados Unidos e Inglaterra, a primeira instituição a ser descoberta foi o banco britânico Barclays. Atualmente, as investigações atingem diversos grupos bancários.

Não é um assunto talvez dos mais fáceis de tratar e ler, ou dos mais atrativos, entretanto entende-se que possa ser interessante termos uma noção sobre isso. Além de ser uma das formas de expressão no sistema capitalista em meio aos mercados financeiros e especulativos, é mais um caso de concentração e apropriação ilícita de riqueza à custa do suor alheio da grande parcela da população em muitos países.

Nesse artigo foram compiladas as principais notícias e notas veiculadas na blogosfera alternativa e até algumas do chamado PIG (Partido da Imprensa Golpista), pois se acreditou que podiam também auxiliar na provocação ao debate. Parece ser importante desafiar-nos a esse tipo de informação, até porque, mesmo que não pareça, a “esperteza” desses “senhores” banqueiros poderá ter desdobramentos dos quais ainda não temos ideia no Brasil.

Mas afinal, o que é a Taxa Libor?

A Libor, sigla de “London Interbank Offered Rate”, é uma taxa de juro fixada diariamente em Londres a partir de informações sobre transações de grandes bancos. Na prática, essa taxa servia como referência confiável para pequenos e grandes negócios, inclusive em transações entre as próprias instituições financeiras. No princípio dos anos 80, surgiu nas instituições financeiras em Londres a necessidade de um benchmark para taxas sobre os empréstimos. Oficialmente, a Libor foi anunciada em 1986 para três moedas: dólar americano, libra esterlina inglesa e o yen japonês. Nos anos seguintes o número de moedas sob a influência da Libor passou a ser 16, depois passaram para o euro, sendo que atualmente há 10 moedas com influência da taxa Libor.

A Libor é considerada a benchmark mais importante em nível mundial para as taxas de curto prazo. Diariamente, por volta das 11 horas GMT, os bancos comunicam à Thomson Reuters com quais taxas naquele momento eles esperam poder atrair um grande empréstimo no mercado monetário interbancário. Após recolher todas as informações dos bancos no painel, a Thomson Reuters desconta as 25% mais altas e mais baixas. Dos 50% restantes, é calculada uma média para se chegar à taxa oficial Libor (2). Esse método às vezes é chamado de “shaved mean” ou “trimmed mean” (média aparada).

Os bancos utilizam a Libor também como taxa básica para fixar sobre empréstimos as taxas posteriores, contas poupança e empréstimos hipotecários, por isso um grande número de profissionais no mundo inteiro segue atentamente a evolução desta taxa. Como se trata de uma informação concedida pelos agentes bancários, foi possível manipular essas taxas para além da realidade do mercado.

Repercussões do golpe na Libor mundo afora.

A taxa Libor determina a taxa pela qual se empresta dinheiro aos bancos e também é a taxa de juros paga pelos consumidores quando realizam empréstimos. Além disso, o escândalo expõe, mais uma vez, e agora de forma tácita, o nível de desregulação e descontrole possíveis nos mercados financeiros. A manipulação nessa taxa, do ano de 2005 a 2009, foi referência para transações financeiras que somaram 567 trilhões de euros em 2011. Ao fazer as contas, estima-se que uma manipulação de 0,01% nessas taxas implicaria em um lucro de 5,67 bilhões de euros para os “espertalhões”.

O escândalo da Libor estourou em 27 de junho desse ano, quando o banco britânico Barclays revelou que iria pagar 360 milhões de euros para por fim às investigações dos reguladores britânicos e norte-americanos no caso de manipulação das taxas interbancárias Libor (britânica) e Euribor (europeia). Desde então, o escândalo se estendeu a outros bancos e gerou investigações em vários países. As entidades investigadas, além do Barclays, o primeiro a admitir essas práticas irregulares, foram o Citigroup EUA e JPMorgan, Deutsche Bank alemão, o suíço UBS e os britânicos Royal Bank of Scotland e HSBC (3).

Entretanto, indica-se que já havia suspeitas sobre esse golpe há mais tempo. Em 2007, tanto o Federal Reserve quanto o Banco da Inglaterra suspeitavam disso. Indica-se que o Wall Street Journal tinha divulgado um estudo, em 2008, sugerindo que alguns bancos estavam faturando a mais sob os custos dos empréstimos. Em 2011, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos começou, por meio do FBI, uma investigação.

Afinal, no que consiste a fraude da Libor? Essa taxa é informada ao mercado bancário que a usa como base para a taxa global do empréstimo. Desse modo, os contratos de empréstimos preveem, normalmente, o dia exato da incidência dos juros para o pagamento dos mesmos e qualquer aumento da Libor encarece o custo da quitação dos empréstimos nesse dia, seja entre bancos, operadores financeiros e imobiliários e pessoas físicas. Há trilhões de dólares em empréstimos para automóveis, hipotecas e outras dívidas nos EUA, por exemplo, vinculados à Libor.

Em síntese, ao que tudo indica, o golpe ocorreu quando o Banco Barclays, entre 2005 e 2007, aumentou a taxa Libor para obter lucro e combinou isso com outros bancos. Entre 2007 e 2009, no pico da crise financeira, o Barclays começou a repassar taxas artificialmente baixas para dar a impressão que estava com uma situação difícil e pedir empréstimos em condições de pagamento mais baratas.

Outros bancos, no total de 16, por enquanto, estão sob investigação nos Estados Unidos, inclusive por falsificações de contratos imobiliários, o que levou a promotoria de Nova York, junto com outras promotorias estaduais nos EUA, a cobrar indenizações de US$ 200 bilhões do Bank of America, do Citigroup e outros grandes bancos. Aliás, semanalmente aparece na imprensa americana alguma notícia sobre acordos bilionários que os bancos estão fazendo para evitar processos criminais contra seus gestores (4).

Cabe lembrar que a crise europeia ocorre também devido a uma injeção contínua de recursos para sanar a situação financeira dos bancos. Ao mesmo tempo, as intervenções do Banco Central Europeu (BCE) para salvar os bancos resultaram na absorção de dívidas incobráveis dessas entidades. Em algum momento, não se sabe como, o BCE terá que prestar conta dessas dívidas para as comunidades dos países que compõe a Zona do Euro.

Diante disso, o BCE está legalmente comprometido a manter uma inflação de 2% na Zona do Euro. O BCE desconsiderou a possibilidade de manipulação da Libor na época em que as “bolhas” imobiliárias chegavam a níveis cada vez mais arriscados na Espanha, Irlanda e outros países da zona do euro. Bilhões de euros foram tirados do poder aquisitivo da população nesses países para impor uma “austeridade fiscal” recessiva, enquanto continuam a crescer as taxas de juros extorsivas cobradas para refinanciar a dívida pública na Europa. Essa dívida certamente não será paga por nenhum sistema bancário ou financeiro, pois já está sendo paga pelas camadas mais frágeis da população e por alguns países da Zona do Euro com a cobrança de impostos e cortes nas áreas sociais cada vez maiores.

Até o momento, existem dois documentos oficiais que explicaram em detalhes esse golpe. Um deles foi elaborado pela FSA (Autoridade de Serviços Financeiros Britânica) e o outro pela CFTC (Comissão de Mercado de Futuros e Commodity, dos Estados Unidos). Ambas divulgaram e-mails em que operadores de dinheiro em Londres e Nova York solicitaram aos “declarantes” um favor: baixar ou subir suas taxas declaradas, para assim ganhar mais dinheiro vendendo derivativos (ações, câmbio ou juros financeiros) baseados na Libor.

Golpes e maracutaias podem ser uma prática corriqueira, dependendo da oportunidade, no mercado financeiro. Em recente pesquisa divulgada, um quarto dos executivos das Bolsas de Nova York e de Londres declararou que condutas desonestas ou ilegais são necessárias para ter êxito no mundo das finanças. Desses, 30% declararam que os salários e os bônus os levam a violar os códigos de ética da profissão no sistema bancário. Entre os entrevistados, 16% disseram que não hesitariam em cometer um crime na Bolsa se não respondessem por isso na Justiça (5). Depois dessa, espera-se que, de uma vez por todas, pasmaceiras de inspiração neoliberal deixem de ser replicadas, tipo “corrupção é coisa de país de terceiro mundo” ou “corrupção ocorre preferencialmente no meio estatal, precisa-se da eficiência do setor privado”.

Por enquanto, como resultante das punições sobre a manipulação das taxas, sabe-se que o Barclays pagou 450 milhões de libras em indenizações a clientes que se julgaram lesados. O Serviço da Autoridade Financeira de Londres vai ser extinto e substituído por outra agência, além de parte de suas atribuições passarem para o Banco da Inglaterra. O HSBC prometeu publicamente uma revisão de seu sistema interno de segurança.

E O BRASIL?

A Taxa Libor, a dívida externa e o Brasil.

O que o Brasil tem a ver com essa manipulação de taxa e falcatruas no sistema financeiro, mesmo que tenhamos uma economia considerada estável? Por mais que se tente esconder ou negar, o Brasil foi atingido com a cobrança de dívidas cotadas pela Libor ao longo dos últimos 30-40 anos. Mesmo que essa questão não seja relativa a esse recente escândalo, vale destacar a relação da Libor com a economia do país.

O Brasil se endividou e muito pelas taxas flutuantes (Libor, ou prime rates dos bancos americanos, de igual efeito) na virada dos anos 70 para os 80, com taxas de juros anuais (totais) que chegaram a quase 30%. Exemplo disso ocorreu no começo da década de 80, quando houve o choque financeiro decorrente da política do governo Reagan de elevação das taxas de juros, redução de impostos e rígido controle monetário. As medidas foram acompanhadas por outros países ricos e resultaram em um aumento geral das taxas de juros cobradas nos empréstimos internacionais ao Brasil.

Nos anos 80, a Libor subiu de 12,3% para 17,5% no mesmo período. Os juros da dívida brasileira aumentaram de US$ 2,69 bilhões em 1978 para US$ 11,35 bilhões em 1982. Nesse intervalo, estima-se que o governo gastava US$ 7,9 bilhões anuais e passou a gastar com a dívida US$ 18,3 bilhões. Em 2000, os economistas do governo FHC pioraram a situação lançando o Global Bond 40, segundo um ex-colunista da Revista Veja (6), com juros nominais fixos de 13% ao ano, em contratos de até 40 anos. Em síntese, em 1994 o Brasil tinha uma dívida pública de aproximadamente US$ 38 bilhões; em 2002 essa dívida passou para cerca de US$ 850 bilhões.

O resultado disso no decorrer desses anos se evidencia na história do Brasil: inflação galopante, desigualdade social registrada em níveis extremos, crises econômicas constantes e aumento exorbitante da dívida externa. Lembrando que a situação não ficou pior devido a uma parte da dívida ter sido cancelada em 1994 (7). Em suma, é possível que contratos assinados por Ministros da Fazenda em governos recentes estejam com juros cotados sob a influência da taxa Libor, a mesma em que foram comprovadas manipulações para aplicar golpes no sistema financeiro mundial.

Desse modo, é possível afirmar que a dívida pública (interna e externa) brasileira precisa ser questionada e passar por uma rigorosa auditoria, pois consome cerca de 47% do PIB em pagamentos e amortização de juros para o sistema financeiro (em especial bancos). Se algo tem que ser mirado como impedimento do desenvolvimento do país e investimento mais robusto em melhorias sociais, evidencia-se que a questão da dívida pública é um alvo em excelência.

Além disso, o que pode ser evidenciado em relação ao Brasil é que o HSBC, que consta na lista de bancos investigados por manipulação dessa taxa, é um dos 10 maiores bancos em lucro líquido do país e tem 868 agências no território brasileiro (8).

Diante disso, entende-se que o golpe na taxa Libor necessita ser acompanhado com atenção em suas possíveis implicações políticas e econômicas, inclusive no Brasil. Um exemplo, para o qual se deve atentar, é que, segundo o ex-diretor do Banco Central, as famílias brasileiras comprometem, em média, 43% da sua renda anual com empréstimos e financiamentos. O que pesa no orçamento doméstico das famílias, ressaltou ele, são as taxas e os encargos dessas operações, que representam cerca de 22% da renda e estão em níveis altos, mesmo com os cortes de juros pelas instituições financeiras nos últimos meses (9). Apesar da redução da taxa de juros, a Selic, de 8% para 7,5% ao ano, anunciada pelo Banco Central, considera-se que os bancos privados ainda cobram uma taxa de juros abusiva.

Ao apoiar as frações políticas do atual governo que trabalham na promoção da distribuição de renda e na superação da desigualdade social no Brasil, cabe atentar-se para os desdobramentos do golpe na taxa Libor e demais temas que podem impactar a economia do Brasil, mesmo que não seja esta uma tarefa fácil ante a enxurrada de (des)informações difusas promovidas pelas corporações midiáticas.

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